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O drama dos jovens nem-nem, que não estudam nem trabalham

Eles são um quarto dos brasileiros entre 15 e 29 anos e um retrato da desigualdade no Brasil: na sua maioria pobres, negros e mulheres.

Por: Júlia Dias Carneiro | Créditos da foto: No Brasil, quase metade dos jovens que não estudam nem trabalham são mulheres pretas ou pardas. Necessidade de cuidados familiares e como o lar atinge mulheres de maneira desproporcional e mantém 2,5 milhões deles fora do mercado de trabalho

A carioca Carolina Cristina de Barros tinha 15 anos quando o teste de gravidez deu positivo. Yan Lucas veio à luz em julho de 2016, levando uma jovem a interrupção dos estudos e enfrentar o duplo desafio de ser mãe precoce e mãe solteira. O pai, seu namorado na época, nunca a ajudou.

Nascida no ano 2000, Carolina enfrentou um dos homens do milênio – o limbo dos jovens “nem-nem”, que não estudam e nem trabalham. A situação que afeta os jovens no mundo todo, mas tem índices alarmantes no Brasil, onde encontra agravantes ligados à pobreza, raça e gênero.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,9 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam e não trabalham, o que representa 22,3% – ou um em cada cinco – desta faixa etária.

A maioria desses jovens são pobres (61,2%) e mulheres (63,4%). Quase metade (43,3%) são mulheres pretas ou pardas. Carolina faz parte das três estatísticas. Ela mora sozinha com o filho de Senador Camará, favela de Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro.

Carolina Barros com o filho, Yan Lucas
privad. Carolina Barros com o filho, Yan Lucas

“Eu vou às ruas, deixo currículo, mas é muito difícil. Porque eu não consegui terminar os estudos e também porque sou preta. Ou seja, primeiro emprego, estudos incompletos, sem experiência… Rejeitam o meu currículo”, resume um jovem , hoje com 23 anos.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) , o Brasil tem um dos piores índices de jovens nesta situação quando comparado a outros 38 países. Segundo o relatório Education at a Glance , de 2023, o país fica à frente apenas da África do Sul, Colômbia, Chile, República Tcheca e Turquia nesse quesito. Enquanto uma média de 14,7% dos jovens entre 18 e 24 anos estão fora da escola e do trabalho nos países desenvolvidos, no Brasil a proporção chega a 24,4%.

Perda estimada em R$ 46,3 bi para o PIB

O contingente de jovens que não estudam e nem trabalham é um indicador importante não apenas da vulnerabilidade juvenil, como também para medir a perda de potencial de produtividade de uma economia – no presente e no longo prazo, já que se trata de uma força de trabalho que pode atuar por décadas.

Se essa parcela da população estivesse ativa no Brasil, o PIB de 2022 teria crescido R$ 46,3 bilhões. A conta é da Confederação Nacional do Comércio de Bens, segundo Serviços e Turismo (CNC), estudo divulgado neste mês (15/01) com base nos dados do IBGE.

O relatório da OCDE, baseado em dados de 2022, frisa a importância dos governos desenvolverem políticas públicas para evitar que os jovens entrem nessa situação, ou para que saiam dela o mais rápido possível. Dificuldades para transitar da escola para o mercado de trabalho no início da vida adulta podem ter consequências de longo prazo na vida de um jovem, e quanto mais tempo se passar nesta situação, mais difícil é sair.

Potencial desperdiçado

Para a economista e analista do IBGE Denise Guichard, é fundamental que governo, empresas e a sociedade olhem com mais atenção para os jovens nessa situação de vulnerabilidade.

“Precisamos cuidar da juventude de hoje. É uma perda de potencial de produtividade e de capital humano muito grande. São 11 milhões de jovens fora do mercado de trabalho e do sistema de ensino, tantas oportunidades desperdiçadas”, enfatiza. “As pessoas perdem, e o país perde.”

O termo nem-nem é a versão em português da sigla em inglês NEET ( not in education, Employment, or Training , ou seja, fora da educação, emprego ou formação profissional).

Muitas pessoas rejeitam a expressão por sugerir que o jovem é responsável pela situação. Alguns economistas preferem falar em “sem-sem”, ou seja, sem escola e sem emprego, para promover as desigualdades e faltas de oportunidade na raiz do problema.

Os motivos que levam os jovens a estarem fora da escola e do trabalho apontam para múltiplos obstáculos, que envolvem baixa qualidade de educação, falta de acesso ao mercado de trabalho e desigualdade de oportunidades e de formação.

Geovani Cunha sentado na proa de um barco ao entardecer com o mar e montanhas ao fundo
privado. Geovani Cunha ainda não conseguiu emprego, apesar da rotina persistente de entrega de currículos 

Corrida de obstáculos

Geovani Cunha, de 21 anos, terminou os estudos há três anos, mas ainda não conseguiu emprego, apesar de uma rotina insistente de distribuição de currículos.

Suas dificuldades refletem problemas enfrentados por jovens pobres e pardos como ele – desde o ensino público, que estes fracos (“os professores mais faltavam do que iam”) ao estigma que sentam ao sair da favela onde mora para os bairros mais abastados da zona sul do Rio (“a gente vê o julgamento no olhar das pessoas. Na zona sul, todo preto é favelado, vagabundo, ladrão”).

“Estou correndo atrás, mas garanto que não é fácil. Acordar cedo para entregar currículo por aí, sabendo que você vai ficar sem almoçar, passando mal no sol na fila de emprego. O patrão não quer saber dos seus problemas, se você vem ou não .”

O rapaz sonha em ingressar nas Forças Armadas. Passou em duas tentativas para ser bombeiro e fuzileiro naval, mas não conseguiu seguir nenhum processo de seleção por falta de dinheiro para fazer os exames médicos necessários.

Geovani foi criado pelos avós. Tem pouco contato com a mãe; Já o pai passou parte da infância de Geovani na prisão e morreu após um acidente de moto, por negligência médica. O jovem cresceu num distrito na cidade do litoral de Mangaratiba, a duas horas da capital, mas mudou para o Rio porque não havia emprego.

Hoje, viva com a tia na Vila Vintém, comunidade na zona oeste do Rio. Enquanto busca emprego, faz bicos para sobreviver – troca de lâmpadas, arrumação elétrica, vende bala no trem que liga Realengo à estação Central do Brasil, no Centro, a cerca de 30km.

Geovani viu amigos envolvidos no tráfico de drogas. Viu um ser assassinado. O caminho do dinheiro pelo crime está “na porta de casa, andando na praça”, descreve.

“Tudo parece que caminha para a gente ir pro errado. A vida joga a gente pro errado. Graças a Deus, eu sempre tive a cabeça no lugar”, diz ele, afirmando que a fé na umbanda lhe dá esteio.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/o-drama-dos-jovens-nem-nem-que-n%C3%A3o-estudam-nem-trabalham/a-68062186

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