Apesar da redução do desemprego, quadro é grave. Persistem a informalidade e desigualdades estruturais de raça e gênero. E os aplicativos ampliam a precarização nas metrópoles. Reverter o drama requer políticas públicas – e mobilização da sociedade
Por: Erik Chiconelli Gomes | Crédito Foto: Reprodução/UFPA
A análise do mercado de trabalho brasileiro para 2025 demanda uma compreensão profunda das transformações estruturais que moldaram as relações laborais no país. O cenário atual apresenta uma complexidade particular, evidenciada pelos dados da PNAD Contínua do IBGE, que registrou uma taxa de desemprego de 6,2% no último trimestre de 2024, a menor marca desde o início da série histórica em 2012. Entretanto, este indicador aparentemente positivo mascara contradições importantes que precisam ser criteriosamente examinadas no contexto das transformações sociais e econômicas em curso.
A composição atual do mercado de trabalho revela aspectos preocupantes quanto à qualidade do emprego gerado. Com 40,3 milhões de trabalhadores informais e uma taxa de informalidade de 38,9%, observa-se a continuidade de um processo histórico de precarização das relações trabalhistas. Este fenômeno se manifesta principalmente nas regiões metropolitanas, onde o trabalho por aplicativo e outras formas de ocupação sem proteção social têm se multiplicado, criando uma nova categoria de trabalhadores desprovidos de direitos básicos.
O aspecto regional do desemprego evidencia as disparidades estruturais do desenvolvimento brasileiro. Estados como Pernambuco, com taxa de desemprego de 10,5%, contrastam dramaticamente com Rondônia, que registra 2,1%. Esta disparidade não é meramente estatística, mas reflete processos históricos de concentração industrial e desenvolvimento desigual que persistem apesar das políticas de descentralização produtiva implementadas nas últimas décadas.
A questão da discriminação de gênero no mercado de trabalho permanece como um elemento estrutural que demanda atenção urgente. Os dados do IBGE são contundentes: a taxa de desemprego entre mulheres (7,7%) supera significativamente a dos homens (5,3%), representando uma diferença de 45,3%. Esta disparidade se torna ainda mais grave quando analisamos os rendimentos – homens recebem em média R$ 3.459, enquanto mulheres recebem R$ 2.697, uma diferença de 28,3%. Tais números revelam que, apesar dos avanços nas políticas de igualdade de gênero, persistem mecanismos discriminatórios profundamente enraizados nas práticas do mercado de trabalho.
A precarização do trabalho, especialmente entre os jovens, assume contornos ainda mais dramáticos. Helena Hirata (Hirata 2021, 156) destaca que “a interseccionalidade entre idade, gênero e raça produz uma tripla vulnerabilidade no mercado de trabalho contemporâneo”. Os dados do IBGE corroboram esta análise, mostrando que o desemprego entre jovens negros de 18 a 24 anos é 45% superior à média nacional.
A intersecção entre raça e mercado de trabalho expõe outra dimensão crítica da desigualdade brasileira. Com taxas de desemprego de 7,6% entre pessoas pretas e 7,3% entre pardas, contra 5% entre pessoas brancas, os dados evidenciam a persistência de barreiras estruturais que limitam o acesso a oportunidades de trabalho formal e qualificado para a população negra. Esta realidade se reflete também nos tipos de ocupação e níveis salariais, perpetuando um ciclo de desigualdade social que tem raízes históricas profundas.
A transformação das relações de trabalho no contexto da economia digital representa um campo de tensões e contradições. Como observa Ricardo Antunes (Antunes 2020, 45), “a uberização do trabalho constitui uma nova forma de servidão digital, onde a aparente autonomia mascara uma intensificação da exploração laboral”. Este processo tem se intensificado particularmente nos grandes centros urbanos, onde a economia de plataforma se estabelece como uma alternativa ao desemprego estrutural.
O setor industrial, tradicionalmente responsável pela geração de empregos de maior qualidade e estabilidade, apresenta sinais contraditórios. O crescimento de 2,9% registrado no último trimestre de 2024 precisa ser analisado em conjunto com o processo de desindustrialização em curso no país. A participação da indústria no PIB continua em declínio, enquanto aumenta a dependência do setor de serviços, geralmente associado a empregos de menor qualificação e remuneração.
A questão da qualificação profissional emerge como um elemento central na reprodução das desigualdades. A taxa de desocupação para pessoas com ensino médio incompleto (10,8%) contrasta drasticamente com a observada entre aqueles com nível superior completo (3,2%). Este dado revela não apenas a importância da educação formal para a inserção no mercado de trabalho, mas também a necessidade de políticas públicas que democratizem o acesso ao ensino superior e à qualificação profissional.
O papel dos sindicatos e das organizações coletivas de trabalhadores também passa por transformações significativas. Ruy Braga (Braga 2022, 167) argumenta que “a fragmentação da classe trabalhadora e a individualização das relações de trabalho representam desafios cruciais para a ação sindical contemporânea”. Esta análise é particularmente relevante quando observamos a queda na taxa de sindicalização, que atingiu seu menor patamar histórico em 2024.
O avanço tecnológico e a automação representam uma nova fronteira de transformação do trabalho que precisa ser cuidadosamente analisada. A digitalização acelerada dos processos produtivos, intensificada após a pandemia, tem criado novas exigências de qualificação e adaptabilidade dos trabalhadores. Simultaneamente, observa-se o surgimento de novas formas de precarização do trabalho, agora mediadas por plataformas digitais e algoritmos que intensificam o controle sobre o processo de trabalho.
David Harvey (Harvey 2018, 89) argumenta que “a flexibilização das relações de trabalho representa não apenas uma mudança nas formas de contratação, mas uma profunda reestruturação do próprio modo de acumulação capitalista”. Esta análise se confirma quando observamos o crescimento do trabalho intermitente no Brasil, que passou de 85 mil contratos em 2019 para mais de 350 mil em 2024, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).
O cenário do mercado de trabalho brasileiro para 2025 apresenta desafios complexos e multifacetados. A combinação entre altas taxas de informalidade, desigualdades estruturais e transformações tecnológicas configura um quadro que demanda respostas articuladas tanto do poder público quanto das organizações da sociedade civil.
A superação das disparidades de gênero, raça e região no mercado de trabalho não pode ser vista como um processo natural ou automático. Requer, ao contrário, a implementação de políticas públicas consistentes e duradouras, capazes de enfrentar as raízes históricas das desigualdades brasileiras e promover um desenvolvimento mais equilibrado e inclusivo.
O futuro do trabalho no Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade da sociedade em construir respostas coletivas aos desafios apresentados. A qualidade do emprego, a proteção social e a dignidade do trabalhador precisam ser colocadas no centro do debate sobre desenvolvimento econômico e social, superando a falsa dicotomia entre crescimento econômico e direitos trabalhistas.
Publicado originalmente em: https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/o-que-esperar-do-mercado-de-trabalho-em-2025/
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