Numa das maiores ações coletivas da história, vítimas do rompimento de barragem em MG pedem reparação no Reino Unido. Julgamento pode abrir precedente para responsabilizar empresas envolvidas em tragédias ambientais.
Por: Alice de Souza | Crédito Foto: Francisco Proner. Algumas áreas foram totalmente destruídas após o rompimento da barragem, como o distrito de Bento Rodrigues
Nove anos depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, começará nesta segunda-feira (21/10) um novo capítulo daquela que é considerada uma das maiores tragédias ambientais da história recente do Brasil. Terá início no Reino Unido um julgamento que busca reparação para brasileiros afetados pelos rejeitos de minério que vazaram da barragem.
Previsto para durar até março de 2025, o julgamento tem como objetivo responsabilizar a mineradora anglo-australiana BHP Billiton pelo ocorrido. Ao lado da brasileira Vale, a BHP é acionista igualitária da Samarco, a empresa que controlava a barragem quando o rompimento aconteceu ,em 5 de novembro de 2015.
O caso, que tramita na justiça britânica desde 2018, é movido por 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil empresas afetadas no Brasil, que pedem uma indenização de R$ 230 bilhões, numa das maiores ações coletivas da história. Entre os requerentes estão também instituições religiosas, comunidades indígenas e quilombolas.
O julgamento ocorre em paralelo a uma tentativa de repactuação de um acordo de reparação firmado entre as empresas e o governo brasileiro, bem como em meio a uma polêmica sobre o pagamento de honorários advocatícios por parte das prefeituras das cidades brasileiras integrantes na ação no Reino Unido.
O que está em jogo
De acordo com o escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa as vítimas no Reino Unido, essa seria a maior ação coletiva da história da justiça britânica e uma das maiores em causas ambientais do mundo, pelo número de requerentes e valor de indenização.
Em jogo também está a possibilidade de estabelecer um precedente global para responsabilizar grandes corporações por danos ambientais causados em outros países. Isso pode impactar na reparação de outros desastres ambientais ocorridos no Brasil e cujos casos também estão sendo defendidos internacionalmente pelo mesmo escritório.
O Pogust Goodhead atua nos casos do rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais, no afundamentos de bairros em Maceió, Alagoas, numa ação contra a Vale pelo caso Mariana na Holanda, além de ações relacionadas à poluição por resíduos tóxicos em Barcarena e Abaetetuba, e no afundamento do navio Haidar, ambos estes dois últimos no Pará.
“[O caso Mariana] serve como um lembrete aos acionistas de que, embora a globalização tenha sido benéfica para os negócios, ela também ampliou a capacidade de assumir responsabilidade internacionalmente”, afirma Ana Carolina Salomão, sócia e diretora de investimentos do Pogust Goodhead.
Por que o caso está sendo julgado no Reino Unido
O rompimento da barragem de Fundão aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, liberando 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica no meio ambiente, o equivalente a 13 piscinas olímpicas.
O dano se estendeu pelos dias subsequentes, quando outros 13 milhões de metros cúbicos continuaram escoando. Ao todo, os rejeitos percorreram 675 quilômetros, atingindo o Rio Doce, desaguando no oceano Atlântico e chegando ao Espírito Santo e sul da Bahia. Dezenove pessoas morreram.
Em 2016, Samarco, Vale e BHP assinaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e criaram a Fundação Renova, para reparar os danos causados pelo rompimento.
A entidade, entretanto, já foi questionada judicialmente mais de uma vez, pela ineficiência em realizar essa reparação, com atraso na entrega da reconstrução de comunidades destruídas e no pagamento de indenizações. Em 2021, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a pedir a extinção da Renova.
Em 2017, um advogado brasileiro que representava cerca de 6 mil pescadores levou o caso ao advogado galês Tom Goodhead. Como a BHP tinha ações na Bolsa de Valores britânica, eles decidiram acionar a justiça do Reino Unido. “O que aconteceu foi uma falha sistêmica. A principal razão pela qual isso começou foi um fracasso por parte da BHP, da Vale, do governo brasileiro e das instituições de justiça em garantir uma reparação justa e adequada às vítimas”, afirma Goodhead.
A ação judicial no Reino Unido começou em 2018, foi inicialmente rejeitada, mas em julho de 2022 a corte inglesa aceitou julgar o caso. “A BHP nos enviou uma carta na semana passada afirmando que 200 mil pessoas que estão na causa receberam reparação, mas a maioria recebeu apenas algumas centenas de libras”, acrescenta Goodhead.
Em nota, a BHP afirmou que o rompimento da barragem de Fundão foi uma tragédia e que “está trabalhando coletivamente com as autoridades brasileiras e outros para buscar soluções para finalizar o processo completo de compensação e reabilitação que manteria os fundos no Brasil para o povo brasileiro e o meio ambiente afetado, incluindo as comunidades tradicionais e indígenas impactadas”.
A empresa afirmou ainda que a ação no Reino Unido “duplica e prejudica os esforços já em andamento no Brasil”. Por fim, a BHP ressaltou que não está envolvida em nenhuma negociação de acordos no Reino Unido, e que permanecerá negando as reivindicações alegadas no julgamento.
A Fundação Renova diz que já destinou R$ 38 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenizações, reparação do meio ambiente e infraestruturas. “Desse valor total, R$ 14,86 bilhões foram pagos em indenizações e R$ 2,96 bilhões em Auxílios Financeiros Emergenciais, totalizando R$ 17,82 bilhões em 446,5 mil acordos”, afirma a entidade em nota. A Fundação também afirma que 86,89% dos imóveis em Novo Bento Rodrigues e Paracatu estão construídos, e 211 foram entregues às famílias. Os dados são de agosto deste ano.
Atualmente, o governo brasileiro negocia um novo acordo de indenização, que prevê R$ 100 bilhões em reparação, dos quais R$ 30 bilhões decorrentes de obrigações a serem implementadas pelas mineradoras.
Para o escritório que defende as vítimas, um novo acordo não influenciará o julgamento no Reino Unido. “Há um ceticismo por parte dos nossos clientes. Mesmo que esse acordo seja estabelecido, ainda haverá reclamantes que defendemos e não são reconhecidos como impactados”, acrescenta Goodhead.
Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-est%C3%A1-em-jogo-no-julgamento-do-caso-mariana-em-londres/a-70526148
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