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Petróleo na Amazônia: Uma pororoca de visões

Petrobrás pressiona pela exploração de óleo na região, após investimentos imensos na empreitada. Isso não pode ser álibi para decisões afobadas, sem detalhados estudos de impacto socioambiental. Fica a questão: e a necessária transição energética?

Por: Roberto de Campos Giordano | Imagem: Geraldo Falcão/Agência Brasil

A beleza poderosa desse “estrondo” encontro das águas do Amazonas e do Atlântico em uma onda, magnífica na lua cheia ou nova, torna irresistível a analogia, pois a polêmica extrapola de longe a questão técnica. A negativa pelo Ibama, em 17 de maio de 2023 do licenciamento para perfuração exploratória no bloco FZA-M-59 pela Petrobrás, gerou uma discussão acalorada entre setores da esquerda e centro-esquerda que, em visão simplista, poderiam ser denominados de “desenvolvimentistas” e “ambientalistas”.

Esta é questão muito complexa, multifacetada. Admitindo que a neutralidade não existe, que ela mesma é tomar partido, são exploradas aqui, de forma simplificada, algumas das facetas do problema. Com uma visão pessoal.

Iniciando pela análise do parecer técnico que embasou a decisão negativa, um ponto que chama atenção é a questão da robustez da “modelagem de derrame de óleo no mar” apresentada pela Petrobrás. A questão de fundo aqui é prever, dentro de intervalos de confiança aceitáveis, para onde derivará uma mancha em possível vazamento. O parecer registra que houve evolução na modelagem desde os primeiros resultados apresentados pela BP (que entre 2012 e 2020 era operadora e responsável pelo licenciamento ambiental; a partir desse ano a titularidade da operação do bloco passou a ser da Petrobrás). Foram feitos esforços para elaboração da base hidrodinâmica para a margem equatorial brasileira. Entretanto, essa base ainda não foi finalizada. Recorde-se aqui da existência do Grande Sistema de Recifes do Amazonas, recentemente descrito. Assim, o modelo hidrodinâmico continua em construção. Por outro lado, sua validação frente a informações recolhidas do saber tradicional não é positiva pois, segundo o parecer, “há relatos de objetos que derivaram na região até chegar à costa do Oiapoque”, o que parece não ser previsto pelo modelo, que foi rodado até 60 dias após o vazamento. Haveria necessidade de ampliar a janela temporal dessas simulações. Em resumo, precisamos das melhores predições que a ciência possa fazer. Esse ponto é crucial, pois a chegada de óleo nos manguezais da região causaria danos irreparáveis.

De outra parte, é claro que o governo fascista neoliberal, incendiário da floresta e genocida de povos indígenas, não iria fazer a AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar), análise macro promovida pelos ministérios das Minas e Energia e do Meio Ambiente. Que seja então iniciada já, urgência urgentíssima. Assim haveria base mais sólida para um licenciamento – ou não – em toda ou em parte da margem equatorial. Essa é decisão política, que pode ser tomada imediatamente. Compreende-se a pressão da operadora para realizar a perfuração exploratória, uma vez que recursos importantes já foram investidos nesse sentido. Mas essa justificativa não pode ser álibi para apressar uma decisão contrária aos princípios da prevenção e precaução.

Do ponto de vista geopolítico, uma aprovação ignorando a análise da equipe técnica do Ibama seria desastrosa. Desastre monumental para o Brasil, que precisa se impor internacionalmente como o campeão do combate às mudanças climáticas. E internamente, a polêmica dentro do setor progressista dá uma mostra da cisão que poderá ocorrer. Isso seria Belo Monte (que já foi um enorme desastre) elevado à n-ésima potência. Precisamos todos ter muito discernimento para não alimentar uma crise política de proporções imprevisíveis.

Por outro lado, as comunidades locais têm grande fragilidade econômico-social. Mas há algum planejamento consistente para que eventuais royalties seja de fato revertidos para quem necessita? De outra parte, há alguma política socio-econômico-ambiental sendo desenhada para que a bioeconomia circular e as energias renováveis tenham de fato impulso na região? Talvez seja ignorância de minha parte, mas me parece que a reposta é negativa para ambas as questões.

Finalmente, o grande tema de fundo: o Brasil vai precisar desse petróleo? E a transição energética? Poderemos estar contribuindo para que o céu caia sobre nós (parafraseando Kopenawa). Aqui fica patente nossa fragilidade. Discussão da bioeconomia, energia limpa, reindustrialização zero C [sem emissão de carbono] para orientar políticas de estado (mais que de governo) talvez estejam acontecendo. Mas, se estão, o engajamento da sociedade nelas é mínimo. Talvez um conselho de participação social para discutir especificamente essa questão, agregando um painel com especialistas trazendo o que de mais atual têm a engenharia, as ciências naturais e humanas, poderia produzir diretrizes de curto, médio e longo prazo para a transição zero C, em uma verdadeira “concertação verde”. Se isso está ocorrendo (e certamente a equipe de transição de governo indicou essa discussão como prioritária), a comunicação social deixa muito a desejar, pois não há mobilização visível nesse sentido. E essa é a uma tarefa inadiável, pois o destino que tomar o Brasil irá impactar toda a humanidade.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/petroleo-na-amazonia-uma-pororoca-de-visoes/

 

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