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Por que Pantanal pode viver pior temporada de fogo em 2024

Temporada de incêndios começou mais cedo neste ano e encontrou bioma mais seco que o normal e ainda em recuperação após catástrofe registrada em 2020.

Por: Nádia Pontes | Crédito Foto: Gustavo Figueroa/SOS Pantanal. Focos de incêndio no Pantanal bateram recorde para o período no início de junho

Pantanal pode estar diante da temporada mais destruidora de fogo. Nas duas primeiras semanas de junho, o número de focos de incêndio é quase 700% maior que o mesmo período de 2020, o ano da pior crise até então.

O fogo chegou mais cedo em 2024 e pegou algumas equipes de combate em fase de contratação de pessoal. No calendário oficial, as brigadas temporárias contratadas pelo Ministério de Meio Ambiente começam a sair em campo em junho e enfrentam, de agosto a outubro, a fase mais crítica.

“A temporada seca está só começando e já vemos o número de focos estourar. A tendência é piorar daqui para frente. É bem preocupante o cenário no momento e pode ser pior do que 2020”, afirma à DW Gustavo Figueroa, diretor da SOS Pantanal, organização da sociedade civil que atua na conservação do bioma.

Uma portaria publicada no fim de abril pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou o centro especializado Prevfogo a contratar brigadas federais para a prevenção e combate aos incêndios florestais.

Questionado pela DW, o órgão informou por meio de nota que há equipes atuando no Pantanal, mas não revelou o número exato de profissionais. Segundo o órgão, quase 100  brigadistas foram contratados até o momento para combater os incêndios no bioma, e mais equipes estão previstas neste ano.

Na proteção de um corredor

Figueroa acaba de retornar de dias de combate às chamas. Ele acompanhou os seis integrantes da brigada permanente criada pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP). Neste momento, o grupo atua num corredor de biodiversidade estratégico para o futuro do bioma. Do tamanho de 300 mil campos de futebol, esse corredor fica numa área que abrange a divisa entre Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e a fronteira com a Bolívia, próxima à Serra do Amolar.

O fogo já chegou nas bordas deste lugar, que é considerado um refúgio para a vida silvestre. Ali vivem mais de uma centena de espécies de animais – jacaré, onça pintada, jaguatirica, anta, cotia e tatu-canastra são alguns deles. Pelo caminho, Figueroa fotografou alguns bichos carbonizados.

“A rotina do combate é complicada. Saímos de madrugada, um trator desloca os equipamentos até a linha do fogo, são duas horas de percurso. É muito desgastante”, relata Figueroa, especialista em manejo e conservação da SOS Pantanal.

De Corumbá, Mato Grosso do Sul, onde o IHP está baseado, são seis horas de barco pelo rio Paraguai até a região. O município concentrou o maior número de focos de incêndio do país nas primeiras duas semanas de junho, com 32% do total.

Homem observa fumaça de incêndio no Pantanal
Corumbá é dos municípios mais atingidos. Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Depois do cenário catastrófico de 2020, o IHP criou a brigada permanente. Naquele ano, os incêndios consumiram 30% da porção brasileira do Pantanal e ficou claro para os integrantes da entidade que saber combater o fogo não era o suficiente – era preciso entender melhor o território, conhecer onde buscar água entre as chamas e quais caminhos podem ser usados pelos animais nas rotas de fuga.

“A brigada atua junto às comunidades para dar apoio, ajuda na manutenção perto de escolas rurais para manter a área segura, promove ações ambientais, educativas. Mas neste momento está tudo paralisado, o foco é combater o fogo”, explica Rodolfo César de Sousa, que atua na comunicação do IHP.

Pantanal enfraquecido

A temporada precoce de incêndios em 2024 encontra um Pantanal ainda em recuperação. Em 2020, os grandes incêndios no bioma em território nacional consumiram 43% de locais nunca antes queimados e provocaram a mortalidade em massa da vida selvagem. Foram 39 mil quilômetros quadrados atingidos pelas chamas. Um estudo publicado na Scientific Reports, do grupo Nature, estimou a morte de 17 mil animais vertebrados em decorrência da catástrofe.

Além disso, o último período chuvoso terminou com pouca água nos rios da região. O monitoramento feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) aponta que, de todo o volume de chuva esperado, 60% se confirmaram. O mapa que mostra as regiões sob seca produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) alerta para zonas críticas sobre o Pantanal.

“Neste ano, o rio Paraguai não extravasou. Ou seja, ele não inundou os campos alagáveis que normalmente ficam cobertos de água no Pantanal. Então toda esta vegetação vai secando e muita biomassa fica disponível para o fogo”, afirma Danilo Bandini, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Mais seco, qualquer faísca pode iniciar um grande incêndio. No Pantanal, 95% deles são provocados pelo homem, de forma acidental ou intencionalmente. E um estudo publicado recentemente na revista científica Global Change Biology mostrou que a vida pode ter sérias dificuldades para voltar ao local devastado. Das oito espécies de mamíferos pesquisadas na Serra do Amolar, seis apresentaram mudanças no uso ou ocupação do habitat.

“Jaguatiricas, catetos, tatus-canastra, cutia, veado mateiro e antas tiveram ocupação decrescente após incêndios. O uso de habitat manteve-se estável apenas para a onça-parda. O tatu-canastra, espécie rara e ameaçada no Brasil, experimentou o declínio mais acentuado na ocupação”, comenta Grasiela Porfírio, coordenadora técnica científica de projetos do Instituto Homem Pantaneiro e uma das autoras do artigo.

O bioma ameaçado tem uma particularidade: mais de 90% dele estão dentro de propriedades particulares. Uma pequena fatia do Pantanal, 4,68%, está protegida dentro de unidades de conservação. É por isso que a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), aquelas criadas voluntariamente por proprietários rurais, é importante.

Vigilância permanente

Para Gustavo Figueroa, da SOS Pantanal, o apoio aéreo é importante para transportar brigadistas nas áreas mais remotas é fundamental. “Facilitaria o combate e economizaria tempo e energia dos brigadistas. Se o combate não começa rápido, é quase impossível controlar depois que o fogo atinge grandes proporções”, comenta.

Homem segura corpo carbonizado de macaco
Incêndios no Pantanal ameaçam diversas espécies de animais. Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Uma das recomendações dadas num artigo publicado por Danilo Bandini após a experiência traumática de 2020 incluía a formação de mais brigadas com atuação ao longo de todo ano, e não só no período seco.

“Desta forma, elas poderiam fazer um trabalho de prevenção melhor para diminuir esses grandes incêndios. O manejo integrado do fogo, incluindo a queima prescrita, é uma das ferramentas de prevenção mais importantes, mas existem outras, como a educação ambiental”, afirma o pesquisador da UFMS.

Segundo Bandini, a série histórica de dados coletados no Pantanal é limitada, o que dificulta a análise sobre a influência das mudanças climáticas no bioma. Por outro lado, os pesquisadores observam que mesmo os fenômenos que têm um ciclo natural, como a seca, estão mais intensos e com estiagem mais prolongada.

Paralelamente, mais 30 organizações da sociedade civil propuseram aos governos federal e estaduais que busquem auxílio fora do país. A alternativa sugerida numa carta entregue às autoridades sugere o Centro de Coordenação de Resposta de Emergência da União Europeia como eventual parceiro.

“A comunidade internacional acompanhou o que aconteceu com o Pantanal em 2020. Enquanto ainda se recupera da devastação daquele ano, mais uma vez estamos vendo números alarmantes de incêndios ainda no início da estação seca, o que é extremamente preocupante. Estamos dispostos a colaborar com as organizações brasileiras em seu pedido à União Europeia para evitar que uma tragédia maior ocorra”, diz Steve Trent, presidente e fundador da Environmental Justice Foundation (EJF).

 

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