País asiático deixou para trás a era de crescimento anual de dois dígitos, mas perfil das exportações brasileiras, ancorado em alimentos e energia, oferece alguma proteção, dizem analistas.
Por: Nilson Brandão | Créditos da foto: AFP. Sacas de produtos feitos com soja brasileira sendo transportadas na província de Jiangsu, no leste da China
A desaceleração da economia chinesa vem piscando nos radares de analistas. Especialistas ouvidos pela DW avaliam que o país asiático chegará a 2030 com um modesto crescimento de 2,5% a 4,5% por ano – fonte de preocupação de longo prazo para exportadores brasileiros, já que a China é hoje o maior comprador de produtos do Brasil.
O efeito da redução do ritmo da produção chinesa é tão relevante que foi incluída neste ano pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) entre os atuais cinco grandes riscos para a economia global – os outro quatro são inflação persistente, endividamento público, fragmentação geoeconômica e precificação dos mercados financeiros globais.
Diversos motivos explicam a desaceleração da China e o próprio governo em Pequim já está ciente deles há muitos anos, bem como da necessidade de fazer reformas para garantir um crescimento sustentável no futuro, diz Margaret Myers, diretora para Ásia e América Latina no think tank Inter-American Dialogue, baseado em Washington.
“O problema é que a China fez apenas algum progresso em relação ao avanço de sua agenda de reformas. A questão agora é se pode fazer ajustes urgentes e politicamente difíceis a tempo de corrigir sua situação econômica”, diz.
A desaceleração chinesa envolve questões estruturais. Entre elas, a mudança do modelo antes centrado como polo manufatureiro global para o eixo da inovação e os esforços do governo para combater desequilíbrios na economia, com efeitos colaterais na atividade.
O quadro se agravou a partir do segundo trimestre deste ano, com o avanço da crise imobiliária, em que construtoras com endividamento elevado passaram a enfrentar dificuldades diante do vencimento de dívidas. Por décadas um dos motores da expansão chinesa, o setor passou a contaminar as expectativas sobre o país e a capacidade de reação pública.
A economia chinesa, depois de crescer a dois dígitos em dez dos 19 anos de 1992 e 2010, reduziu o ímpeto nos anos seguintes. Entre 2014 e 2019, o PIB do país cresceu entre 6% e 7%.
Algumas das dores do crescimento que a China enfrenta hoje já foram atravessadas por outros países. A economista Alicia García-Herrero, pesquisadora do think tank Bruegel, baseado em Bruxelas, afirma que Coreia do Sul, Japão e Taiwan também passaram por isso quando seu PIB per capita rompeu a barreira dos 10 mil dólares – o da China superou essa marca em 2019 e é hoje de cerca de 13 mil dólares.
Ela estima que a China não será tão bem-sucedida como a Coreia e o Japão para manter o crescimento depois de ter atravessado essa marca, mas se sairá melhor que outros países no mundo, como a Espanha e Polônia. “Mas há riscos que podem piorar esse cenário. Alguns são riscos financeiros porque há muita alavancagem na economia chinesa e outros estão, basicamente, relacionados com a conexão entre o setor imobiliário e os governos locais”, diz.
Impacto no Brasil
Em 2022, a China comprou 27% de tudo o que o Brasil exportou e respondeu por quase metade do superávit comercial brasileiro de 62,3 bilhões de dólares. As exportações para o parceiro asiático no ano passado foram de quase 90 bilhões de dólares, e neste ano superaram os 95 bilhões de dólares. O capital chinês investido no país chega a 71,6 bilhões de dólares, por meio de 235 projetos entre 2007 e 2022.
Por isso, o desempenho econômico chinês é acompanhado com atenção pelo setor privado brasileiro. Mas o perfil das exportações brasileiras – concentrado em alimentos e energia, produtos básicos que atendem a necessidades cruciais do país – deve oferecer uma relativa proteção ao Brasil de grandes impactos dessa desaceleração, diz Larissa Wachholz, da consultoria Vallya Agro.
“O Brasil exporta commodities como o petróleo, que tem a ver com a segurança energética da China, um tema muito prioritário. Além da questão da segurança alimentar. A exportação de soja e mais recentemente de milho são produtos que participam de muitas cadeias diferentes na China e serve à produção de proteína animal no país”, afirma Wachholz.
Fabiana D’Atri, coordenadora do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, tem análise semelhante. “Se o Brasil está muito mais ligado a esse PIB de consumo, a gente está de certo modo blindado”, diz. Ela acrescenta que a importação de alimentos seria hoje ainda mais relevante para o parceiro asiático do que minério de ferro ou petróleo. “A transição de crescimento chinês não impacta o Brasil no médio prazo”, diz.
O peso dos produtos agropecuários no total das exportações brasileiras mais do que duplicou de 12% em 2010 para 25% em 2023. Hoje, nas vendas para a China, a maior concentração se dá em itens agrícolas e proteínas, ligadas ao consumo das famílias, que este ano deve crescer entre 7% e 8%, explica a coordenadora do Bradesco.
A prioridade dada por Pequim à segurança alimentar também é apontada por Myers, do Inter-American Dialogue, como algo que resguardaria o Brasil de choques mais agudos. “O crescimento da China desacelera, mas sua liderança está determinada em buscar a segurança alimentar e energética”, diz.
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