Região com mais da metade das reservas do mundo de mineral fundamental para uma economia verde é uma das mais pobres do país sul-americano.
Por: Vinicius Pereira de Uyuni | Crédito Foto: Vinicius Pereira/DW. Departamento de Potosí, onde um milhão de bolivianos vivem, é um dos mais pobres da Bolívia
Quem anda pelas ruas da cidade de Uyuni, na Bolívia, porta de entrada da região que abriga as maiores reservas de lítio do mundo, se vê muito distante da discussão sobre os interesses do bilionário Elon Musk no mineral ou dos pontos de discórdia que afastam empresas alemãs e aproximam russos e chineses da exploração da commodity no local.
Estima-se que a região do maior deserto de sal do mundo, o Salar de Uyuni, localizado na província de Antonio Quijarro, no departamento de Potosí, contenha mais da metade da reserva global de lítio, matéria-prima usada, entre outras coisas, para a produção de baterias de carros elétricos, painéis solares e turbinas eólicas, e que dão o tom do mundo verde que o futuro promete.
Apesar de ser o ponto de partida para dias mais sustentáveis, o verde pouco se vê por aqui e a riqueza que a exploração do lítio poderia gerar ainda é distante da população local, que convive com a alta taxa de pobreza e pequena cobertura de saneamento básico, por exemplo.
Veias abertas
A região de Uyuni parece que jamais será aquilo que poderia ter sido. No século 19, o local era um importante centro de transporte dos minerais que saíam do Chile e da Bolívia e iam até o Pacífico – via que, com o tempo, caiu em desuso. Hoje, os trens abandonados fazem a alegria dos milhares de turistas, em sua maioria europeus, que correm para subir nas locomotivas antigas e tirar selfies.
Há três quilômetros do centro de Uyuni, um moderno aeroporto recepciona os visitantes e poucos profissionais estrangeiros que vêm à região conhecer o Salar, localizado a quase 4.000 metros de altitude, e que conta com cerca de 23 milhões de toneladas de lítio em suas profundezas.
A cidade de cerca de 40 mil habitantes possui ruas de terra batida, que geram um pó excessivo mesmo com o baixo movimento de veículos; modestas edificações sem reboco; e praças de ode àqueles trens do passado, que mostram que o futuro ainda não chegou por aqui.
“Claro que ouvimos falar do lítio, mas ainda não é algo que mude nossas vidas. Por aqui, ainda continuamos a depender dos estrangeiros que vêm visitar as belezas desse lugar ou da agricultura e da pequena pecuária”, conta Oscar Ramirez, guia de turismo.
A riqueza do solo faz a contradição entre o presente e o futuro pretérito ser gritante. O departamento de Potosí, onde um milhão de bolivianos vivem, é um dos mais pobres da Bolívia. Por aqui, cerca da metade da população não tem acesso a água encanada e 60% dos habitantes vivem em situação de pobreza, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística da Bolívia.
O acesso à saúde e saneamento também é limitado. Segundo o órgão, na Bolívia, são cerca de 34 mil habitantes para cada hospital. Na região de Potosí, o número chega a 50 mil. Por aqui também, cerca de 35% não têm acesso a banheiros na residência, enquanto que no resto do país o número cai para 7%.
“Falam que a exploração do lítio é para o futuro, então, por enquanto, essa atividade não nos transformou em uma sociedade rica”, diz José Martinez, que vende produtos na garagem de casa, no município de Colchani, que possui cerca de mil habitantes, localizado a 20 quilômetros de Uyuni.
Tentativa de industrialização
O tempo parece correr mais devagar por aqui. Apesar do hype recente que o lítio recebe, a exploração da commodity está na mira do governo boliviano há anos. O decreto 29.496, promulgado em 2008, declarou a industrialização do Salar de Uyuni como prioridade nacional. Dois anos mais tarde, o governo criou a estatal YLB (Yacimientos de Litio Bolivianos) para explorar o lítio da região.
A partir de 2018, um empreendimento conjunto entre Berlim e La Paz deveria dar o pontapé inicial na produção de lítio, o que dava grandes esperanças para a Alemanha como país produtor de automóveis. No entanto, a turbulência política interna na Bolívia enterrou o projeto, que agora tem empresas da Rússia e China como parceiros, e que prometem investir 450 milhões de dólares e 1,4 bilhão, respectivamente.
Segundo a socióloga e mestre em Energia pela Universidade Federal do ABC, Elaine Santos, que integra o Grupo de Estudios en Geopolítica y Bienes Naturales, que tem como seu tema foco a exploração de lítio na América Latina, a parceria com os dois países tem a pretensão de usar o lítio como um modelo de desenvolvimento da Bolívia, fomentando toda a cadeia produtiva dentro do país, o que ainda não foi alcançado.
“À época, a parceria com os alemães gerou uma série de protestos de movimentos sociais e indígenas porque eles entendiam que ia repetir aquele ciclo de exportação, de levar os recursos e essas comunidades no entorno, ou mesmo o país, não iam ter vantagem com isso”, diz.
“Por isso, a Bolívia acabou fazendo um acordo com a China e Rússia para tentar utilizar essa expertise na fabricação de baterias. Ao mesmo tempo, a gente não sabe ainda se isso vai de fato acontecer e em que ponto, porque esse acordo foi fechado em 2021 e, até o momento, a gente não tem uma bateria de lítio produzida no país”, completa.
Além disso, para Santos, o fato de o lítio estar localizado próximo a comunidades tradicionais na Bolívia dificulta o já penoso processo de uma exploração que pouco demanda do capital humano.
“No caso boliviano, uma questão central é o lítio estar localizado em comunidades tradicionais, que têm um modo de vida e uma forma específica de girar a economia local. Isso já gera uma dificuldade de um impacto direto. A outra coisa é que a indústria de mineração do lítio tem um trabalho bastante técnico, que não envolve normalmente as pessoas dessas comunidades, e que também não emprega muita gente”, afirma.
Para o economista Jaime Dunn De Avila, formado pela Universidade Católica Boliviana, apesar de o presidente Luis Arce ter reafirmado o compromisso com o desenvolvimento da indústria do lítio, está mais difícil atrair investimentos estrangeiros após o preço da tonelada cair de 80 mil dólares para cerca de 10 mil dólares.
“Na Bolívia, esta queda de preços agravou os desafios existentes. Embora os preços baixos afetem a rentabilidade, as questões mais cruciais vão além do preço. Não se sabe exatamente quanto das reservas de lítio são comercialmente exploráveis, e a eficácia da tecnologia de extração direta de lítio, que ainda está em fase experimental, permanece sem comprovação”, diz.
Brasil, semelhanças e diferenças
O Brasil, que possui a quinta maior reserva de lítio do mundo, também passa por sua tentativa de desenvolvimento econômico e sustentável. Assim como na Bolívia, a região do “Vale do Lítio”, localizada no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, é uma das mais pobres do Sudeste.
Para Giorgio de Tomi, chefe do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da USP, tal qual a Bolívia, a riqueza da exploração do lítio ainda deve demorar décadas para gerar um desenvolvimento real à região.
“Isso é gradual. Em operações de mineração, os royalties não são tão expressivos como petróleo e os investimentos são mais graduais. Vai uma década para uma mina começar a operar e, mesmo assim, da descoberta até a operação vai muito tempo, até o royalty só vem com produção, então o crescimento é gradual, não é tão rápido quanto gostaríamos”, diz.
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