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STF pode dar mais poder às redes para censurar conteúdos

Especialistas criticam votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux que propuseram mudanças profundas em como a internet opera no Brasil. Para analistas, Congresso deveria ter regulamentado a questão.

Por: Bruno Lupion | Crédito Foto: Pedro França/Agência Senado. STF retoma análise da responsabilidade das redes sociais sobre conteúdo postado por usuários

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (18/12) um julgamento que definirá regras sobre um dos temas mais complexos da atualidade: como as redes sociais devem moderar o conteúdo compartilhado por seus usuários, tendo em vista as normas do Estado democrático de direito.

A Corte inicialmente não queria assumir essa tarefa para si, mas foi impelida após o Congresso engavetar em junho o projeto de lei que criava a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto tramita sob o número 2630/20 e ficou conhecido como “projeto de lei das fake news“.

Estão em pauta dois recursos judiciais que questionam o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O dispositivo estabelece que plataformas, provedores e sites só podem ser responsabilizados civilmente por conteúdo criado por usuário caso se neguem a obedecer a uma ordem judicial de remoção.

O julgamento começou em 28 de novembro e já votaram os ministros Dias Toffoli, relator de um dos casos, e Luiz Fux, relator do outro processo. Falta ainda a manifestação de nove ministros, mas especialistas em regulação da internet, além das próprias empresas, já estão preocupados.

Ambos os ministros votaram para declarar o artigo 19 inconstitucional. Toffoli propôs um sistema segundo o qual as empresas de internet poderiam ser responsabilizadas, mesmo que não tivessem sido notificadas antes, por diversos tipos de conteúdo citados em seu voto – entre eles, “oposição a medidas sanitárias” e “divulgação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que levem à incitação à violência física”.

Já Fux propôs que as empresas de internet sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos à honra ou à imagem e à privacidade assim que forem notificadas pelo interessado, sem necessidade de ordem judicial.

A DW perguntou a quatro especialistas brasileiros como eles avaliam o início do julgamento e seus possíveis efeitos para o funcionamento da internet no Brasil.

“Plataformas terão poder ainda maior de definir o que circula ou não”

Bia Barbosa representante da Coalizão Direitos na Rede no Comitê Gestor da Internet no Brasil, considera compreensível que o Judiciário, diante da omissão do Legislativo, indique que é preciso mudar algo no ambiente das redes sociais no país, mas avalia que a emenda pode sair pior que o soneto.

Ela diz que declarar o artigo 19 inconstitucional iria retirar uma proteção dos usuários contra a remoção indiscriminada de conteúdos, gerar mais “censura privada” e “dar às empresas um poder ainda maior de definir o que circula ou não na internet”.

“Isso vai alcançar conteúdos que são lícitos mas que podem incomodar pessoas. E essas pessoas, ao ficarem incomodadas, vão notificar as plataformas e elas terão que derrubar os conteúdos, sob o risco de serem corresponsabilizadas civilmente, inclusive conteúdos jornalísticos”, diz.

“Celebridades, autoridades, pessoas do Legislativo e do próprio Judiciário, ao se sentirem incomodadas ou ofendidas, vão notificar as plataformas alegando injúria, calúnia ou difamação. E elas vão preventivamente removê-los.”

Bia Barbosa

Barbosa ressalta que a liberdade de expressão não é um direito absoluto em sociedades democráticas e defende mudanças – não para responsabilizar as plataformas por conteúdos individuais, mas de uma forma sistêmica, pelos riscos que seu modelo de negócios e arquitetura de funcionamento acarretam para direitos e garantias.

A responsabilização por riscos sistêmicos das plataformas foi a solução adotada na norma da União Europeia (UE) sobre o tema, o DSA (Digital Service Act), e estava prevista no projeto de lei 2630/20 que tramitou no Congresso brasileiro.

“Nesse caso, a plataforma não seria civilmente responsável se um conteúdo incentivando golpe de Estado ou promovendo discurso de ódio circular. Mas se centenas ou milhares de conteúdos incitando um golpe de Estado continuarem circulando, ela é responsável – pois não agiu para mitigar os riscos sistêmicos e impedir esse tipo de discurso de maneira massificada em seu ambiente”, explica.

Ela pontua mais um risco. O artigo 19 do Marco Civil da Internet se refere a provedores de aplicação como um todo na internet, incluindo serviços de hospedagem de site ou o NIC.br, que administra o registro de domínios .br. Se o artigo 19 for derrubado em sua totalidade, esses serviços poderão passar a ser responsabilizados pelo conteúdo dos sites que hospedam ou que registraram.

“O melhor caminho agora seria o STF ampliar parcialmente a responsabilidade das redes sociais, mas sem alterar o regime dos intermediários neutros. Em paralelo, precisamos de leis específicas que dialoguem e complementem o Marco Civil da Internet, e não jogar fora o bebê junto com a água da banheira”, afirma.

 

 

Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/julgamento-do-stf-pode-dar-mais-poder-%C3%A0s-redes-para-censurar-conte%C3%BAdos/a-71088282

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