O novo álbum de Bad Bunny, que homenageia os artistas e as tradições musicais de Porto Rico e sua diáspora, chega em um momento de grande preocupação com os efeitos da crise climática, a nova onde anti-imigratória da direita e a gentrificação na ilha.
Por: Cruz Martínez | Tradução: Pedro Silva | Crédito Foto: DeBÍ TiRAR MáS FOToS. (Spotify)
Otão aguardado álbum DeBÍ TiRAR MáS FOTOS (DtMF)de Bad Bunny causou comoção em toda a América Latina e nas comunidades imigrantes, conquistando os autofalantes de todo o hemisfério. Parece que o artista conseguiu fazer algo em que Bolívar falhou: unir a América Latina (neste caso, através do perreo). Apesar de abordar questões específicas do atual momento político de Porto Rico, DtMF repercutiu em toda a região porque lida com temas que são universais às sociedades latino-americanas: deslocamento, desilusão e desgosto, mas também celebração, solidariedade e resistência cultural.
A estrutura do álbum leva o ouvinte pelos altos e baixos da nação porto-riquenha, começando na diáspora com a música “NUEVAYoL”. Em seguida, ele retorna à ilha com “VOY A LLEVARTE PA PR”, “CAFÉ CON RON”, que evoca a viagem pelas estradas sinuosas e a vegetação exuberante da cordilheira central, e “PITORRO DE COCO”. Então ele deixa a ilha novamente, e a canção de partir o coração “WHAT HAPPENED TO HAWAII” nos leva direto à política.
O álbum se aprofunda na vida da diáspora porto-riquenha, um tema que, sem surpresa, se concentra na cidade de Nova York. A primeira música, “NUEVAYoL”, revive o hino de 1975 de El Gran Combo, um grupo de salsa de Porto Rico, dedicado à diáspora porto-riquenha, “Un Verano en Nueva York”. Bad Bunny, nome artístico de Benito Antonio Martínez Ocasio, reinterpreta a música em 2025 com referências a alguns dos bairros latinos remanescentes da cidade, como Bronx e Washington Heights, e músicos famosos de Nova York como Big Pun e Willie Colón. A referência mais significativa da música para qualquer jovem porto-riquenho que tenha vivido na cidade é a menção à casa de Toñita, um bar porto-riquenho que tem sido um dos últimos bastiões contra a gentrificação na antiga cidade operária de Williamsburg, em Porto Rico.
A incorporação da salsa é um tema recorrente em todo o álbum e é mais pronunciada em “BAILE INoLVIDABLE”. A música começa como uma típica faixa de trap, ecoando sucessos como “Diles” e “Soy Peor”, que deram fama a Bad Bunny, mas então naturalmente faz a transição para a salsa. Mas ela não foi a única música tradicional porto-riquenha incluída no mais recente projeto do artista. Em “CAFé CON RON” e “PIToRRO DE COCO”, Martínez Ocasio também optou por incorporar elementos de bomba e plena.
Ao longo do álbum, Martínez Ocasio escolheu colaborar com artistas porto-riquenhos, muitos dos quais — como Los Pleneros de la Cresta na música “CAFé CON RON” — revivem gêneros antigos abordando temas contemporâneos em suas composições. Além de Los Pleneros, o álbum conta com as participações de Chuwi, Dei V, Omar Courtz, RaiNao e Wisin. Esses artistas abrangem uma grande variedade de gêneros e, com exceção de Wisin, são relativamente novos na cena. O álbum contou ainda com a colaboração de alunos da Escuela Libre de Música para a já citada “BAILE INoLVIDABLE”.
No entanto, o que Martínez Ocasio fez foi mais do que apenas colaborar com o talento musical local da ilha. Poucos dias antes do lançamento do álbum, ele postou um curta-metragem que codirigiu com o diretor porto-riquenho Ari Maniel Cruz, diretor do aclamado filme Antes que cante el gallo [Antes que o galo cante]. O curta começa com uma imagem das montanhas de Porto Rico e depois desce para uma plantação de bananas até que uma bandeira porto-riquenha aparece.
Estrelado pelo ator porto-riquenho e diretor indicado ao Oscar Jacobo Morales, o curta-metragem reflete sobre os problemas enfrentados pela ilha, apresentando um futuro (ou presente?) distópico em que os estadunidenses brancos mais ricos do continente substituíram os porto-riquenhos e impuseram sua cultura por meio da língua inglesa, do aumento dos preços e do queijo vegano. Embora o filme seja fictício, ele reflete com precisão grande parte da realidade atual, na qual os estadunidenses mais ricos, como o youtuber Logan Paul, podem aproveitar as isenções fiscais na ilha para acumular propriedades e poder às custas dos nativos porto-riquenhos. Não é por acaso que o personagem principal do curta é um desenho animado de um sapo-de-crista, uma espécie nativa que atualmente luta para sobreviver diante da ameaça de extinção.
Um componente único de DtMF são as imagens que acompanham o álbum no YouTube, cada uma das quais aborda um momento específico da história porto-riquenha que é relevante para a música. Essas imagens retratam eventos históricos, como a criação da bandeira porto-riquenha pelos exilados em Nova York e a revolta do Grito de Lares em 1868 contra os espanhóis, bem como questões mais contemporâneas, como a dívida de Porto Rico e os efeitos dos recentes furacões na ilha. Este acompanhamento visual faz parte de uma colaboração com o historiador porto-riquenho e professor da Universidade de Wisconsin, Jorrell Meléndez-Badillo. Meléndez-Badillo, autor de um livro recente sobre a história de Porto Rico, amplamente elogiado por seu foco nas contribuições das comunidades marginalizadas da ilha, havia escrito anteriormente sobre a importância política de Bad Bunny.
Mas o que realmente diferencia o álbum do resto do trabalho de Bad Bunny é o fato de que sua estética e letras são explicitamente políticas. A música mais política do álbum, “LO QUE LE PASÓ A HAWAII”, é uma referência sutil ao único filme porto-riquenho indicado ao Oscar, Lo que le pasó a Santiago, de Jacobo Morales (1989). O refrão da música lamenta a expropriação de terras dos porto-riquenhos, muito semelhante ao que aconteceu no Havaí após sua anexação aos Estados Unidos.
A música evoca o medo do deslocamento que tomou conta da mente de muitos porto-riquenhos desde que a tempestade perfeita de crise econômica, colapso ambiental e benefícios fiscais favoráveis trouxe uma nova onda de estadunidenses ricos que cada vez mais tratam a ilha como uma colônia. Essa ideologia de direito e privilégio é tão difundida que dá origem a ações como a da mulher branca do Missouri que, após ser expulsa de um bar em Cabo Rojo, de propriedade de um porto-riquenho, no dia de Ano Novo, por perturbar a paz, supostamente ateou fogo no estabelecimento em questão em um outro da mesma cidade, também de propriedade de um porto-riquenho.
O álbum expressa orgulho desenfreado pela história e identidade de Porto Rico. “LO QUE LE PASÓ a HAWAii” apresenta um solo de cuatro (instrumento nacional de Porto Rico semelhante ao violão) que incorpora o ritmo do hino nacional porto-riquenho, “La Borinqueña”, uma canção cuja letra original foi composta pela poetisa e revolucionária porto-riquenha Lola Rodríguez de Tió.
Esta referência ocorre logo após as eleições gerais de novembro de 2024, nas quais, pela primeira vez, o candidato do Partido da Independência de Porto Rico, Juan Dalmau, ficou em segundo lugar. Dalmau recebeu mais de 30% dos votos, um resultado impressionante para um partido que normalmente recebe cerca de apenas 5%. Martínez Ocasio foi duramente criticado pela direita porto-riquenha por fazer campanha contra Jennifer González, então candidata e atual governadora de Porto Rico pelo partido de direita Novo Partido Progressista, que apoia a anexação da ilha como um estado federado aos EUA. A iniciativa de Bad Bunny em assumir posições políticas que deixam os que estão no poder desconfortáveis contrasta com outros artistas de reggaeton como Nicky Jam e Anuel AA, que apoiaram Donald Trump no último ciclo eleitoral.
Embora o foco do álbum em Porto Rico e sua natureza política possa ter afastado ouvintes, parece que o risco está valendo a pena. DtMF entrará para a história como um dos álbuns de reggaeton mais singulares e criativos. Assim como o álbum de salsa de Rubén Blades e Willie Colón de 1978, Siembra, o DtMF de Bad Bunny prova que a música é a chave para contar a história e moldar o presente da América Latina e do Caribe. Enquanto a região enfrenta um futuro incerto em meio ao retorno da Doutrina Monroe na política externa de Trump, o DtMF nos mostra que há esperança, desde que estejamos dispostos a lutar.
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