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Os trabalhadores negros precisam de emprego público, não de capitalismo negro

O emprego público sindicalizado é a espinha dorsal da classe média negra. Os defensores da justiça racial devem direcionar recursos para combater os ataques de Elon Musk aos bons empregos sindicalizados — não para proteger iniciativas corporativas de diversidade focadas no empreendedorismo negro.

Por: Paul Prescod | Tradução: Pedro Silva| Crédito Foto: Nathan Posner / Anadolu via Getty Images. Everett Kelley, presidente da Federação Americana de Funcionários do Governo, discursa em um protesto contra demissões durante um comício em defesa dos trabalhadores federais em Washington, DC, em 11 de fevereiro de 2025.

No final de janeiro, o ativista dos direitos civis Al Sharpton liderou cem membros de sua National Action Network em um “buy-in” em uma loja Costco. O objetivo deles era demonstrar apoio à manutenção das políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) da empresa, que haviam sofrido amplo ataque pela administração Trump.

Foi chocante ver compras em uma grande corporação retratadas como um ato político progressista. Pior ainda, a Costco estava em uma disputa contratual ativa com o sindicato dos Teamsters [caminhoneiros, condutores e pilotos].

Desde então, a DEI surgiu como um ponto focal da mobilização anti-Trump em círculos políticos e ativistas negros. Chamadas para boicotar grandes empresas que renegaram suas políticas de DEI circularam rapidamente nas redes sociais e por compartilhamento de mensagens. O impulso levou ao “apagão econômico” em 28 de fevereiro, que convocou os consumidores a boicotar grandes empresas. Embora a National Action Network não tenha endossado esse dia específico de ação, eles anunciaram planos para um boicote relacionado à DEI em abril.

A eficácia dessa estratégia é discutível. Boicotes tendem a funcionar melhor quando o alvo é mais restrito e quando são sustentados por tempo suficiente para infligir prejuízo econômico real. No caso da ação de 28 de fevereiro, não havia uma maneira real de rastrear quantas pessoas participaram ou qual impacto financeiro elas conseguiram.

Mas, por mais válidas que sejam as críticas à estratégia, o impulso em direção à ação coletiva é bom e deve ser encorajado. A questão mais profunda é a ideologia que motiva essa atividade. Com todas as ameaças que as comunidades negras enfrentam neste momento, especialmente os ataques à força de trabalho do setor público, uma ênfase na defesa da DEI é um desperdício de energia.

Parte do que torna essa conversa difícil são as concepções variadas do que a DEI é. Ela passou a significar qualquer coisa, desde treinamento antipreconceito até ensino de história negra. Mas um foco importante das mobilizações atuais é apoiar o empreendedorismo negro e as pequenas empresas. Essa concepção de justiça racial subscreve um modelo de economia de gotejamento profundamente falho e apaga as profundas divisões de classe que existem entre os negros.

“Trabalhadores negros no setor público ganham quase 25% a mais em salários do que seus colegas no setor privado e têm taxas mais altas de propriedade de casa.”

Na realidade, muito mais negros estadunidenses são impactados pela perda de empregos federais do que pelos ataques às práticas específicas de diversidade em grandes corporações, especialmente aquelas focadas em promover empresários negros. Se nos importamos com justiça racial, precisamos defender esses bons empregos sindicalizados das tentativas de extingui-los.

Ativismo negro de gotejamento

Em janeiro, a Target encerrou um programa que visava gastar US$ 2 bilhões em negócios de propriedade de negros e apresentar seus produtos em suas lojas. Em resposta, o reverendo Jamal Bryant da New Birth Missionary Baptist Church na Geórgia convocou um boicote de quarenta dias para coincidir com a Quaresma. Os clientes negros também estão sendo solicitados a vender qualquer ação da Target que possuam.

No site da campanha, um “Black Wall Street Ticker” supostamente mostra em tempo real a quantidade de “gastos comunitários” que foram redirecionados. Além de restaurar a promessa de US$ 2 bilhões para empresas negras, outras demandas à Target incluem depositar US$ 250 milhões em bancos negros e criar “centros comunitários aceleradores em dez faculdades e universidades historicamente negras para ensinar negócios de varejo em todos os níveis”.

Embora esse esforço seja provavelmente bem-intencionado, seus pilares fundamentais não resistem a uma breve análise. Tenho certeza de que muitos apoiadores desse esforço discordariam abertamente da teoria do gotejamento da economia popularizada pelo ex-presidente Ronald Reagan, que postulava que se mais riqueza fosse para o topo, ela acabaria se espalhando para todos os níveis abaixo. Mas o ethos da campanha da Target difere muito pouco.

O projeto de reunir comunidades negras para apoiar empresas negras se baseia na ideia de que se esses empresários ganharem dinheiro, os negros como um todo compartilharão os benefícios econômicos. Mas, especialmente no caso de pequenas empresas com pequenas margens de lucro, é muito improvável que os lucros sejam significativamente reinvestidos para fins “comunitários”. E se um empresário negro viver em uma comunidade predominantemente branca? Problemas como esses raramente são discutidos, muito menos adequadamente abordados.

Além disso, essa linha de pensamento serve para achatar a diferenciação de classe muito real que existe entre a população negra. A esmagadora maioria dos negros (assim como pessoas de qualquer raça) é da classe trabalhadora e nunca será empreendedora ou dona de pequenos negócios. Na verdade, a divisão de classes entre os negros é ainda maior do que a dos brancos. Quando um trabalhador negro da indústria automobilística perde o emprego, não há reservatório de riqueza negra coletiva que ele possa usar para obter ajuda, não importa o quão bem o negócio de propriedade de negros em sua rua esteja indo.

A ideia de “poder de compra negro” é outra camada para esse tipo de ativismo. Novamente, esse conceito imagina a população negra como um bloco monolítico com interesses unificados. O engajamento político é reduzido à capacidade de escolher um empreendimento comercial em detrimento de outro. O fim do jogo não representa nenhuma ameaça real à desigualdade socioeconômica. Na verdade, é tão inofensivo que o próprio Richard Nixon abraçou a ideia de “capitalismo negro” em vez de redistribuição econômica.

A espinha dorsal da classe média negra

Enquanto isso, outra luta que tem um impacto muito maior sobre os trabalhadores negros e suas comunidades está em curso: o ataque aos trabalhadores federais e suas agências. Devemos estar todos nessa luta para salvar nosso país de um golpe oligárquico — por muitas razões, uma das quais é que o resultado terá implicações profundas para a justiça racial.

Com mais de três milhões de funcionários, o governo federal dos EUA é o maior empregador do país. 20% dos trabalhadores federais são negros, o que os torna super-representados no emprego federal. Com cerca de 33% de densidade sindical, os empregos no setor público têm muito mais probabilidade de ter salários mais altos, bons benefícios e forte estabilidade. Trabalhadores negros no setor público ganham quase 25% a mais em salários do que seus colegas no setor privado e têm maiores taxas de propriedade de casa.

O emprego federal negro está intimamente ligado à história dos direitos civis. A lei antidiscriminação sempre foi mais fácil de aplicar no setor público, e isso foi intensificado pelo Título IV do Civil Rights Act de 1964, que abordou a discriminação em contratos federais. Trabalhadores negros ganharam uma posição no momento em que o emprego federal se expandiu enormemente nas décadas de 1960 e 1970.

“O emprego público sindicalizado tem sido, há muito tempo, a espinha dorsal da classe média negra, não o empreendedorismo.”

Mas agora tudo isso está em risco. O Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) de Elon Musk lançou um ataque implacável com o objetivo de desmoralizar os trabalhadores federais e destruir agências vitais que atendem aos trabalhadores. A tentativa de demissão de milhares de funcionários em estágio probatório foi apenas o primeiro passo; o objetivo final é ver reduções ainda mais drásticas da força de trabalho federal e o máximo de privatização possível.

Se a visão de Musk se tornasse uma realidade completa, seria uma catástrofe econômica absoluta para os trabalhadores negros. O emprego público sindicalizado tem sido há muito tempo a espinha dorsal da classe média negra, não o empreendedorismo. E não se trata apenas dos trabalhadores; as comunidades negras são beneficiárias de programas de assistência básica como a Previdência Social, o Medicaid e a Administração de Veteranos.

Defender esses bons empregos deve ser uma prioridade para qualquer um que se importe com a desigualdade racial. Trabalhadores negros têm um interesse especial nessa luta, mas os perigos são profundos e abrangentes o suficiente para que eles unam todos nós.

É tentador perguntar: “Por que não podemos fazer as duas coisas?” Muitos argumentarão que podemos nos concentrar em apoiar o desenvolvimento de negócios negros e lutar contra os cortes do DOGE ao mesmo tempo. Mas Musk e seus aliados ricos têm muito mais riqueza e recursos e os estão implantando em alta velocidade. A tarefa diante de nós de unir a coalizão mais ampla possível como uma contra-força aos super-ricos é imensa.

Reuniões, comícios, mensagens telefônicas e assembleias públicas tomam mais tempo e esforço do que ativismo do consumidor ou postagens em redes sociais. Mas não há outro atalho se quisermos avançar a causa da justiça racial.

 

 

Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/03/os-trabalhadores-negros-precisam-de-emprego-publico-nao-de-capitalismo-negro/

 

 

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