O presidente Donald Trump determinou que o governo dos EUA abandone canudos de papel e volte a comprar os antigos modelos de plástico, provocando críticas de ativistas e celebração na indústria de combustíveis fósseis.
Por: Holly Young | Crédito Foto: Steidi/blickwinkel/picture alliance
Ao determinar em fevereiro que o governo dos EUA voltasse a comprar canudos de plástico, o presidente do país, Donald Trump, disse que queria acabar com o que chamou de “situação ridícula” e aproveitou para se queixar das alternativas de papel, apontando que eles “muitas vezes quebram e se desmancham”.
A ordem reverteu uma política anterior que visava à eliminação gradual nas compras federais de itens plásticos de uso único, incluindo canudos, e orientava o governo a parar de comprar versões de papel.
Muitas pessoas já devem ter se deparado com um canudo de papel encharcado que se solta após alguns goles. É uma experiência frustrante com certeza, mas algumas pessoas estão preocupadas deque Trump esteja ensaiando um movimento mais amplo da “volta ao plástico”.
O presidente dos EUA está usando o design ruim do item “como uma representação ou um símbolo” para sugerir que ser ecologicamente correto é sinônimo de inconveniência, aponta Randa Kachef, especialista em resíduos urbanos e sustentabilidade e pesquisadora afiliada do King’s College London, no Reino Unido.

Qual é exatamente o problema com produtos plásticos como canudos?
Há pouco mais de uma década, não era a imagem de canudos de papel desmanchando em copos que vinha à mente quando se falava em canudos, mas a imagem do sofrimento dos animais.
Em 2015, o vídeo de um canudo de plástico sendo dolorosamente removido da narina sangrenta de uma tartaruga se tornou viral, estimulando um movimento para reduzir a poluição causada pelo plástico.
Desde então, canudos plásticos se tornaram emblemáticos do problema global de poluição plástica que agora atinge todas as partes da Terra.
Anualmente, os seres humanos produzem cerca de 380 milhões de toneladas de resíduos plásticos, incluindo 43 milhões de toneladas de itens de uso único, como canudos. Grande parte desse lixo acaba poluindo o meio ambiente. De acordo com uma estimativa, mais de 8 bilhões de canudos de plástico sujam os litorais do mundo.
O plástico pode levar centenas de anos para se decompor, mas na realidade nunca se decompõe totalmente. Partículas minúsculas já foram encontradas na água, no solo, no ar, na cadeia alimentar e até mesmo em nossos corpos. Um número crescente de estudos sugere que o plástico está ligado a problemas graves de saúde, como diminuição da capacidade reprodutiva e câncer.
Embora as estimativas indiquem que os canudos plásticos representem menos de 1% do peso dos resíduos plásticos do oceano, sua leveza e tamanho significam que eles se fragmentam mais rapidamente e são mais difíceis de coletar do que os itens plásticos maiores, aponta Kachef. Eles também ofereceram uma porta de entrada tangível para enfrentar o enorme desafio que é a crise do plástico, acrescentou ela.
Por exemplo, nos últimos anos, as preocupações com o meio ambiente levaram várias cidades e estados dos EUA, marcas como McDonald’s e Starbucks, bem como os governos do Reino Unido, do Canadá e da Índia a restringir o uso de canudos plásticos como parte de uma repressão mais ampla ao plástico de uso único.


Quão boas são as alternativas aos canudos de plástico?
A crescente conscientização sobre o impacto prejudicial dos canudos de plástico levou a um aumento nas alternativas ecológicas feitas de materiais como metal, vidro, bambu e, é claro, papel.
Quando se trata das versões de papel, Donald Trump não é o único crítico. “Ninguém gosta de canudos de papel”, admite Kachef. “O design do canudo não é o melhor. Admito isso.”
Por outro lado, a maioria das pessoas parece mal ter notado o mesmo tipo de substituição em antigos itens de plásticos como cotonetes ou mexedores de café.
Ainda assim, muitas das alternativas também têm suas próprias desvantagens ambientais. Os canudos de papel, por exemplo, geralmente são revestidos de plástico para mantê-los resistentes à água. Alguns estudos sugerem que eles contêm níveis mais altos de PFAS – lubrificantes usados durante o processo de fabricação de plásticos e que têm sido associadas a uma série de problemas de saúde – do que o plástico.
De acordo com um estudo, quando se trata das emissões envolvidas na produção de um canudo, as versões de papel são melhores do que as de plástico. No entanto, as opções reutilizáveis, como o vidro e o aço inoxidável, envolvem processos de produção com uso intensivo de energia. Elas teriam que ser usadas de 23 a 39 e de 37 a 63 vezes, respectivamente, para “empatar” com as emissões das alternativas descartáveis, segundo o estudo.
Embora nenhuma alternativa seja perfeita, o plástico de uso único ainda é a pior opção, aponta Kachef, acrescentando que o tipo de plástico do qual eles geralmente são feitos – polipropileno – na maioria das vezes não pode ser reciclado. “Todo canudo que já usamos ainda existe, seja em aterros sanitários ou no meio ambiente – a menos que tenha sido incinerado, o que tem outras implicações de poluição do ar”, acrescenta Kachef.
Kachef diz ainda que o plástico em si é realmente importante em ambientes médicos para evitar a contaminação cruzada e que os canudos são essenciais para pessoas com determinadas condições médicas ou deficiências. Mas um retorno mais amplo aos canudos de plástico seria, sem dúvida, um retrocesso para o meio ambiente e o clima.
“Um único canudo de aço metálico pode ter um impacto ambiental maior do que um único canudo de plástico… mas acho que se alguém o usar pelo resto da vida, isso não será um problema”, diz Kachef. “A questão é não tratar alternativas ou produtos ‘para toda a vida’ como descartáveis.”

Qual o impacto do decreto de Trump sobre os canudos?
Em termos práticos, a ordem de Donald Trump significa que locais como repartições e propriedades do governo dos EUA, incluindo parques nacionais, passarão a oferecer canudos de plástico em vez de canudos de papel, aponta Rachel Radvany, ativista de saúde ambiental do Center for International Environmental Law (CIEL).
Segundo ela, é uma medida que deve provocar “um aumento no desperdício de plástico completamente evitável”. Mas é também algo que o setor de plásticos está celebrando.
“Os canudos são apenas o começo. ‘De volta ao plástico’ é um movimento que todos nós devemos apoiar”, disse Matt Seaholm, CEO da Associações da Indústria de Plásticos dos EUA, em uma declaração após o decreto de Trump.
A ativista Radvany acrescenta que os canudos são apenas uma pequena parte da crise do plástico, mas que “se tornaram um ponto de tensão em guerras culturais” que desviam a atenção de uma questão mais ampla, ou seja, “o fato de que os plásticos são combustíveis fósseis em outra forma“.
Cerca de 99% do plástico é feito de produtos químicos derivados de combustíveis fósseis. O setor multibilionário e em rápida expansão é a fonte de emissões industriais que mais cresce. Até 2040, ele poderá ser responsável por 19% dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento do planeta e pelo clima extremo.
À medida que o mundo se afasta do petróleo e do gás, alguns veem os plásticos como um modelo de negócios alternativo para o setor de combustíveis fósseis. É importante prestar muita atenção ao decreto sobre canudos plásticos, diz Radvany, “para garantir que ela não se torne um Cavalo de Troia pró-plástico, levando a políticas e orientações mais amplas que favorecerão a produção de plásticos numa escala ainda maior”.
Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/qu%C3%A3o-prejudiciais-os-canudos-de-pl%C3%A1stico-s%C3%A3o-para-o-meio-ambiente/a-71872132
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