Clipping

Sombrinha de frevo feita na China: os números que mostram supremacia chinesa até no Carnaval

Por: Mariana Alvim | Crédito Foto: Getty Images. A Feira de Cantão, em Guangzhou, é um dos principais destinos de comerciantes brasileiros em busca de importar produtos de Carnaval

Pernambucanos dançando frevo com sombrinhas, passistas desfilando nos sambódromos com fantasias feitas de penas e foliões usando asas de anjo nos bloquinhos pelo país talvez não saibam que, para chegar ao Carnaval brasileiro, esses itens provavelmente fizeram uma longa viagem a partir da China pelo mar.

O país asiático é a principal origem de importações para o Carnaval brasileiro e outras festas e, em 2024, as compras de lá chegaram a um recorde de volume importado na última década, segundo levantamento da BBC News Brasil com base em dados abertos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Aliás, vale lembrar que, considerando todo o comércio exterior, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, tanto em importações quanto exportações.

As importações para o Carnaval costumam acontecer no ano anterior à festa — assim, o alto volume de compras feitas no ano passado provavelmente se refletirá nas ruas esse ano.

Em contrapartida, empresários brasileiros relatam que está cada vez mais difícil competir com produtos chineses nesse ramo — e alguns itens, como a própria sombrinha de frevo, são agora predominantemente de origem chinesa.

Não somente os dados mostram a crescente presença de produtos chineses no Carnaval brasileiro: as ruas do comércio popular pelo país também.

Na região da rua 25 de março, região de comércio popular em São Paulo (SP) que fica lotada na véspera do Carnaval, basta procurar etiquetas de produtos como perucas, distintivos policiais falsos e adornos de faraó para a cabeça para logo encontrar o registro “Made in China”.

O empresário Pierre Sfeir, que tem comércio há 50 anos ali, costuma ir todo ano à China para conhecer e encomendar produtos para o Carnaval e outras festas.

Suas quatro lojas trabalham com adereços e enfeites para festas ao longo do ano, como Festa Junina e Natal também.

Ele normalmente vai para o país asiático em abril, por duas semanas, quando visita a cidade de Yiwu e a Feira de Cantão, em Guangzhou (a cidade é conhecida como Cantão em português).

Ambos os lugares são conhecidos pela exposição e venda em larga escala de produtos diversos, incluindo itens para festas no mundo todo, como Halloween e o Oktoberfest.

“Você vai lá, faz pedidos e enche um contêiner. Tem que ter uma agente chinesa que fale português ou inglês, que vai te levar nos lugares e fazer as notas [dos produtos]” explica Sfeir, nascido no Líbano.

Pierre sorrindo e segurando uma máscara dentro de loja
O empresário Pierre Sfeir, que tem lojas na 25 de março, viaja para a China anualmente em busca de importados, mas também tem sua própria indústria

O empresário relata fazer importações da China há cerca de uma década e traz de 10 a 12 contêiners por ano com produtos para festas, não só de Carnaval.

Entretanto, com a pandemia de coronavírus e o consequente estoque parado, as importações e viagens para a China foram interrompidas durante três anos — Sfeir espera retomar tudo isso em 2025.

Ele explica que os preços chineses são muito competitivos, mesmo tendo que pagar um alto valor pelo transporte de navio e pelo processo de importação.

Vale mais a pena importar itens pequenos, otimizando o espaço do contêiner — uma grande abóbora de Halloween de plástico não compensa ser chinesa, exemplifica.

Para o Carnaval, Sfeir cita ser vantajoso comprar itens chineses como saias de tule infantis, chapéus, tiaras, perucas, asas, sombrinhas de frevo e “kits de bicho” — conjuntos de adereços que formam os kits zebra, gatinha, coelhinho…

Também na 25 de março, Monica Gomes, gerente na loja Fantasias Radicais, conta que o dono do comércio viaja duas vezes ao ano para Yiwu, na China. Lá, ele encomenda contêiners com produtos de Carnaval e outras festas.

Gomes estima que 70% dos itens de Carnaval na loja vêm da China. Além das vendas ali, muitos produtos importados pela loja são revendidos para outras empresas.

“Como somos importadores, a gente vende para todos os Estados do Brasil e para fora também, como Argentina, Paraguai, França”, relata Gomes.

A participação da China no volume de itens importados para Carnaval e outras festas chegou a um recorde em 2024, considerando a última década.

O país foi origem de 95% do volume de itens de festas importados (os dados disponíveis não permitem o recorte apenas para o Carnaval). Em 2015, esse percentual era de 88%, de acordo com dados levantados no sistema do MDIC.

O ano de 2024 também teve o maior volume importado da China nesse segmento em dez anos: foram 20,7 mil toneladas, um aumento de 29% em relação a 2023.

Esse volume inclui importações desde consumidores individuais, que podem fazer pequenas compras online como pessoa física em sites chineses, a grandes empresas.

É comum que empresários brasileiros viajem para a China, façam encomendas de Carnaval lá, que depois são trazidas de navio em contêineres para diversos portos brasileiros.

Esses empresários costumam ter grandes lojas em capitais brasileiras e, muitas vezes, revendem parte dos produtos chineses para comerciantes menores ao redor do país.

“Observamos que as compras acontecem principalmente no terceiro trimestre, porque normalmente o importador é um distribuidor. Ele está trazendo uma mercadoria que vai vender para um varejista, que por sua vez vai começar a estocar para depois vender”, explica Leonardo Baltieri, especialista em comércio exterior e cofundador da Vixtra, uma empresa especializada em importações.

Em Pernambuco, um dos maiores símbolos de seu Carnaval, a sombrinha de frevo, não é mais produzida lá — e sim na China, segundo entrevistados pela reportagem.

Uma das pessoas que confirma isso é Arlindo Albuquerque, gerente de compras da Arcol, rede que tem duas lojas, uma no Centro de Recife (PE) e outra na cidade de Vitória de Santo Antão.

“Eu estou aqui na empresa há 34 anos e acho que faz mais de 20 anos que a gente não tem mais produção de sombrinha de frevo [no Estado]”, diz Albuquerque. “O Brasil todo importa.”

O gerente afirma que, desde aproximadamente 2019, a empresa decidiu começar a importar por si mesma itens de Carnaval e outras festas — antes, ela comprava de outros importadores.

O proprietário da loja vai duas vezes por ano para Yiwu, acompanhado por um comerciante de origem chinesa que tem lojas em Recife, mas no ramo de eletrônicos.

As encomendas são feitas seis meses antes da data desejada — para este Carnaval, a viagem ocorreu por volta de setembro de 2024, quando foram adquiridos itens como sais de tule, asas, chapéus, perucas e sombrinhas de frevo.

O gerente estima que 80% dos produtos que eles vendem são importados, todos da China.

Mulher segurando sombrinha decorada com fitinhas metalizadas
Getty Images. Mesmo que sejam customizadas no Brasil, sombrinhas de frevo vêm da China, segundo entrevistados pela BBC

Entretanto, ele afirma que ainda há produtos que valem ser comprados no Brasil, como confetes e serpentinas.

A Arcol também compra itens artesanais feitos na região, como máscaras de papangu (típicas da cidade de Bezerros, são coloridas e feitas de papel machê) e sombrinhas de frevo customizadas — sim, aquelas que chegam da China e depois são enfeitadas em solo brasileiro.

No Saara, área de comércio popular do Rio de Janeiro (RJ), importações da China também têm forte presença, diz André Haddad, presidente do Polo Saara (associação de lojas da região) e empresário no ramo de uniformes profissionais.

Ele relata que muitos comerciantes do Saara viajam para a Feira de Cantão, às vezes acompanhados de funcionários de confiança ou parentes — já que a maioria, na região, é de empresas familiares.

“Muita coisa realmente vem da China, principalmente tecidos, aviamentos, pedras… Inclusive as usadas por escolas de samba“, aponta Haddad.

Ainda de acordo com o presidente do Polo Saara, as empresas que importam esses produtos têm seus próprios pontos de venda e às vezes também revendem esses itens para outras partes do Brasil, como o Nordeste e o Amazonas, para o Festival de Parintins.

André Haddad reconhece que muitos dos empresários envolvidos nesse comércio não gostam de aparecer, inclusive os de origem chinesa — algo constatado na prática pela BBC News Brasil, que pediu entrevista para vários deles e não teve resposta.

“Esses importadores foram para a China, cavaram a rota e acharam os fornecedores. Eles não gostam de falar muito”, resume Haddad.

Publicado originalmente em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/czrn73d22gpo

Comente aqui