A rica tradição do pensamento marxista negro — que inclui W. E. B. Du Bois, C. L. R. James e Frantz Fanon, entre muitos outros — enfatiza a centralidade do capitalismo para a opressão racial e a destrutividade dessa opressão para todos os trabalhadores.
Por: Jonah Birch | Crédito Foto: (David Attie / Getty Images). W. E. B. Du Bois posa para um retrato com sua esposa, Shirley Graham Du Bois, em sua casa no Brooklyn, Nova York, em 1958.
Os socialistas são frequentemente acusados de ignorar ou minimizar o racismo, ou questionavelmente “reduzi-lo” à classe. Mas isso ignora uma rica tradição de teorização marxista sobre a opressão racial que veio a ser conhecida como “marxismo negro”. A tradição do pensamento marxista negro — que inclui W. E. B. Du Bois, C. L. R. James e Frantz Fanon, entre outros — enfatiza tanto a centralidade histórica do capitalismo para a opressão racial quanto as consequências destrutivas da opressão racial para os trabalhadores negros e trabalhadores em geral.
O colaborador da Jacobin, Jonah Birch, sentou-se recentemente com o professor da Universidade de Nova York, Jeff Goodwin, um estudioso de revoluções e movimentos sociais que escreveu sobre Du Bois e a tradição marxista negra para a Catalyst, para falar sobre as contribuições intelectuais duradouras dos intelectuais marxistas negros para o pensamento social e político. A conversa deles cobriu a centralidade do capitalismo para a opressão racial, a heterogeneidade do pensamento marxista negro e a vida contínua dessa tradição teórica hoje.
JONAH BIRCH
Você recentemente elogiou o marxismo negro na [revista teórica] Catalyst. O que exatamente você quer dizer com “marxismo negro”?
JEFF GOODWIN
O termo se refere a escritores, organizadores e revolucionários africanos, afro-americanos e afro-caribenhos que se basearam na teoria marxista para entender — para melhor destruir — tanto a opressão racial quanto a exploração de classe, incluindo o colonialismo. Portanto, se refere a uma tendência teórica e política dentro do marxismo. É análogo ao feminismo marxista, que, claro, se baseia na teoria marxista para entender a opressão de gênero.
As pessoas às vezes dizem que o marxismo tem um “problema racial”, o que significa que os marxistas não levam a raça a sério. Mas, honestamente, não consigo pensar em uma tradição teórica ou política, seja liberalismo, nacionalismo negro ou teoria crítica da raça, que ofereça mais insights sobre opressão racial do que o marxismo, e isso se deve em grande parte à tradição marxista negra — embora você encontre, é claro, hostilidade à opressão racial e ao colonialismo no trabalho de marxistas clássicos como Rosa Luxemburgo e Vladimir Lenin, e no trabalho do próprio Karl Marx. No entanto, muitas pessoas, incluindo pessoas da esquerda, desconhecem essa tradição de teoria e prática.
JONAH BIRCH
Quais você diria que são os princípios-chave do marxismo negro?
JEFF GOODWIN
O marxismo negro não é homogêneo, mas a ideia central é que o capitalismo tem sido historicamente o principal pilar da opressão racial na era moderna. E por opressão racial, quero dizer a dominação ou controle político, legal e social dos povos africanos e negros.
O que significa dizer que o capitalismo é o principal pilar ou fundamento da opressão racial? Os marxistas negros apontam para duas características fundamentais do capitalismo — a busca incessante dos capitalistas por mão de obra e recursos baratos, por um lado, e a competição dos trabalhadores por empregos, por outro — como as causas básicas da opressão racial. Então, observe imediatamente que, embora a opressão racial seja produzida e motivada pelo capitalismo, de acordo com os marxistas negros, obviamente não é a mesma coisa que exploração de classe. Em vez disso, facilita a exploração do trabalho negro e, portanto, de todo o trabalho.
E dizer que o racismo em sua forma moderna é um produto do capitalismo não é diminuir de forma alguma as consequências horrendas do racismo. Muito pelo contrário. Os marxistas negros enfatizam como os povos negros na era moderna confrontaram a dominação política e social, bem como as formas extremas de exploração econômica que essa dominação permitiu. A opressão política dos povos negros é horrível por si só, e também torna possíveis formas especialmente brutais de exploração do trabalho.
Para ser mais específico, uma característica inerente do capitalismo é o impulso incessante dos capitalistas por mão de obra e recursos baratos. Esse impulso resulta do fato de que os capitalistas competem entre si e, portanto, estão constantemente procurando maneiras de reduzir seus custos de produção. Uma maneira de manter a mão de obra barata e dócil é oprimir politicamente os trabalhadores — dominá-los e controlá-los e, assim, impedi-los de se organizar e resistir efetivamente. Os capitalistas prefeririam oprimir todos os trabalhadores, mas uma segunda melhor opção é dominar alguma seção significativa da classe trabalhadora — talvez mulheres, talvez imigrantes, talvez trabalhadores negros.
“Não consigo pensar em uma tradição teórica ou política que ofereça mais insights sobre a opressão racial do que o marxismo.”
Os marxistas negros dizem que os povos negros foram oprimidos horrivelmente pelos capitalistas, pelo governo e pela polícia, não como um fim em si mesmo, ou apenas por malícia racial. Onde existe dominação racial e desigualdade em larga escala, o propósito é geralmente facilitar a exploração e o controle do trabalho negro — pense na escravidão nas plantações, no sharecropping [arrendamento rural] e no trabalho precário e de baixa remuneração nos Estados Unidos. Em muitos casos, a motivação por trás da dominação racial também inclui a desapropriação de terras e recursos controlados por grupos raciais específicos. O colonialismo obviamente envolve tal desapropriação e é impulsionado pela busca incansável dos capitalistas por recursos baratos, bem como por mão de obra barata.
A opressão racial também é frequentemente apoiada e promulgada por trabalhadores brancos. É aqui que outra característica fundamental do capitalismo — a competição dos trabalhadores por empregos — é importante. Mas deixe-me enfatizar que, para os marxistas negros, sistemas de opressão racial e desigualdade em larga escala têm sido geralmente os projetos de classes dominantes poderosas — em conjunto com os estados que controlam ou dominam — e que essas classes têm um interesse material em baratear e explorar o trabalho dos povos africanos e negros, ou confiscar os recursos que eles possuem. A opressão racial é especialmente brutal e duradoura quando classes dominantes e estados poderosos têm um interesse material nela.
Agora, as motivações por trás de atos individuais de racismo são complexas e nem sempre podem ser explicadas precisamente nesses termos. Mas explicar o comportamento interpessoal deste ou daquele indivíduo não é o objetivo do marxismo negro. Como eu disse, ele busca localizar o principal ímpeto por trás de instituições de dominação racial em larga escala, e sua alegação é que a exploração do trabalho — exploração de classe — é geralmente esse ímpeto. O racismo institucionalizado é muito diferente do racismo interpessoal.
JONAH BIRCH
Percebi que você fala de povos negros no plural. Presumo que isso seja para enfatizar a heterogeneidade dos grupos culturais e étnicos dentro ou da África que foram colonizados ou escravizados e trazidos para o “Novo Mundo”.
JEFF GOODWIN
Sim, exatamente, e a heterogeneidade dos povos colonizados em geral. Em algum lugar, W. E. B. Du Bois escreve — em Color and Democracy, eu acho — que os povos colonizados têm histórias, culturas e características físicas muito diferentes. O que os une não é raça ou cor da pele, mas a pobreza, causada pela exploração capitalista. A raça deles é a razão ostensiva — ou justificativa — para sua exploração, diz Du Bois, mas a verdadeira razão é lucrar com mão de obra barata, negra e branca. A opressão dos trabalhadores negros, ele enfatizou, inevitavelmente barateou a mão de obra branca também.
JONAH BIRCH
Como a ideologia racista se encaixa nessa conta?
JEFF GOODWIN
A ideologia racista ou ideologia supremacista branca — racismo em um sentido cultural — é geralmente desenvolvida, difundida e institucionalizada por classes dominantes e agências estatais como uma forma de justificar e racionalizar a opressão racial e a desigualdade. O ânimo racial ou ódio por si só não é a motivação primária para a opressão racial — a riqueza ou os lucros gerados pela exploração do trabalho negro são o motivo principal — mas o racismo justifica essa opressão e se torna uma razão para sua perpetuação.
Isso não significa, a propósito, que certas noções racistas e supremacistas não sejam muito anteriores ao capitalismo. Mas elas foram limitadas em escopo e influência até que se atrelaram aos interesses materiais de capitalistas e estados poderosos, momento em que as ideias racistas são sistematizadas e institucionalizadas e, assim, se tornam uma força material por direito próprio.
Raça, portanto, pode se tornar tanto o critério social quanto a justificativa moral para a opressão política e social que torna a exploração do trabalho negro mais fácil e mais intensiva do que seria possível de outra forma. E tem algo mais. Como mencionei, trabalhadores que não são racialmente oprimidos, no entanto, veem seu próprio trabalho barateado e seu potencial poder coletivo diminuído pela divisão racial que é criada pela opressão dos trabalhadores negros. Para os marxistas negros, então, o racismo é obviamente extraordinariamente importante por si só, apesar da ideia de que o marxismo tem um “problema racial”. Os marxistas negros não são, em nenhum sentido, “reducionistas de classe”.
Agora, houve marxistas e socialistas “vulgares” ou simplórios que alegaram que os problemas dos trabalhadores negros oprimidos não são diferentes dos problemas que todos os trabalhadores enfrentam. Isso é obviamente errado. Historicamente, os trabalhadores brancos foram explorados, às vezes de forma bastante implacável, mas nos Estados Unidos eles nunca enfrentaram nada parecido com a opressão política, legal e social dos trabalhadores negros.
O grande socialista americano Eugene V. Debs disse uma vez que “não temos nada de especial a oferecer ao negro”, ou seja, nada além da política de classe que o Partido Socialista estava oferecendo aos trabalhadores brancos. Mas, como William Jones mostrou, esse trecho foi tirada do contexto. Na realidade, Debs era um inimigo feroz do racismo e criticava os socialistas que ignoravam o racismo ou que pensavam que a luta de classes “obliterava” a necessidade de abordar leis e instituições racistas. O racismo era um obstáculo à solidariedade de classe, pensava Debs, e, portanto, tinha que ser combatido por todos os trabalhadores. A coleção organizada por Paul Heideman, Class Struggle and the Color Line, inclui escritos de vários socialistas e comunistas americanos, negros e brancos, incluindo Debs, que compreenderam a profunda importância de confrontar e destruir o racismo entre os trabalhadores brancos e na sociedade em geral.
“Onde há dominação racial e desigualdade em larga escala, o objetivo geralmente é facilitar a exploração e o controle da mão de obra negra.”
Hoje é justo dizer que a maioria dos marxistas, de longe, devido em parte ao trabalho dos marxistas negros, entende que as várias instituições, leis e normas de opressão racial são diferentes e tão malignas quanto a exploração do trabalho negro — mesmo que acelerem essa exploração. Práticas racistas infundem locais de trabalho — elas operam “no ponto de produção” — mas também se estendem à sociedade como um todo e moldam as relações entre governos e seus subordinados. Essas instituições, leis e práticas racistas devem ser combatidas em conjunto com a luta contra a exploração de classe.
JONAH BIRCH
Anteriormente, você mencionou que os marxistas negros veem a competição dos trabalhadores por empregos em sociedades capitalistas como ligada ao racismo. Você pode falar mais sobre isso?
JEFF GOODWIN
Alguns marxistas negros enfatizam que os trabalhadores brancos podem ser violentamente racistas, embora seu racismo seja diferente daquele dos capitalistas. Uma percepção importante do marxismo negro, na verdade, é que o racismo não é de uma só peça — ele assume diferentes formas de classe em diferentes contextos econômicos e políticos. Para os trabalhadores brancos, o racismo é frequentemente motivado pelo medo de que os trabalhadores negros — ou certos grupos étnicos, ou imigrantes — tomem seus empregos ou reduzam suas rendas porque estão dispostos a trabalhar por salários mais baixos, ou porque são forçados a trabalhar por salários mais baixos ou nenhum salário.
Os capitalistas, naturalmente, tentam alimentar esse medo. Por causa desse medo, você vê trabalhadores brancos tentando excluir negros (e certos grupos étnicos brancos), muitas vezes violentamente, de empregos mais bem pagos ou de indústrias inteiras, bem como de sindicatos. O resultado é o que é chamado de mercado de trabalho dividido, com trabalhadores negros relegados a empregos de menor remuneração ou mesmo, em alguns contextos, excluídos do mercado de trabalho completamente. Novamente, crenças racistas ou supremacistas se tornam um meio de justificar essa exclusão e violência. O termo “mercado de trabalho dividido”, devo observar, foi desenvolvido na década de 1970 por uma socióloga marxista, Edna Bonacich, mas a ideia básica remonta pelo menos a Du Bois.
Agora, é importante lembrar que os trabalhadores não têm o poder de contratar e demitir trabalhadores — é isso que os capitalistas fazem. Então, mercados de trabalho divididos só surgem quando os capitalistas têm interesse em atender às demandas de trabalhadores racistas. Mas os capitalistas às vezes resistem às demandas dos trabalhadores para excluir trabalhadores negros de certas ocupações ou indústrias — acima de tudo, quando há escassez de mão de obra, incluindo escassez de trabalhadores qualificados ou a escassez de mão de obra que as greves criam. Os capitalistas nos Estados Unidos eram notórios por usar fura-greves negros para substituir trabalhadores brancos em greve, um movimento que tanto minava as greves quanto tipicamente inflamava as animosidades raciais dos trabalhadores brancos, reforçando a divisão racial na classe trabalhadora.
Os marxistas não consideram, é claro, o racismo da classe trabalhadora como inevitável. Por meio da organização e das lutas de classe com capitalistas, eles acreditam que os trabalhadores brancos podem entender a necessidade de uma ampla solidariedade de classe multirracial, e que o capitalismo é responsável pela escassez de empregos bem remunerados, não outros trabalhadores lutando para sobreviver.
A implicação política dessa perspectiva é que as lutas de classe serão e devem ser integrais a qualquer estratégia de libertação ou descolonização negra — tanto no ponto de produção quanto na sociedade civil de forma mais ampla. Se a exploração do trabalho negro e a exclusão simultânea do trabalho negro de empregos mais bem remunerados são a base econômica da opressão racial, como os marxistas negros propõem, então essa base tem que ser minada, se não destruída completamente. Em suas lutas contra a opressão racial e a exploração de classe, além disso, os trabalhadores negros precisarão da mais ampla solidariedade possível de trabalhadores de outros grupos raciais para ter sucesso, mesmo que o racismo prometa impedir tal solidariedade. Daí a necessidade de lutar contra esse racismo a todo momento. A solidariedade de classe é especialmente importante, é claro, onde os trabalhadores racialmente oprimidos são uma minoria, como nos Estados Unidos.
JONAH BIRCH
Você mencionou Du Bois, mas quem são as outras figuras-chave na tradição marxista negra? Quem são os arquitetos das ideias que você tem discutido?
JEFF GOODWIN
Esta tradição inclui um grupo incrivelmente impressionante de pessoas. Uma pequena lista de marxistas negros incluiria, além de Du Bois, C. L. R. James, Harry Haywood, Claudia Jones, Oliver Cromwell Cox, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Walter Rodney, Claude Ake, Neville Alexander, Manning Marable e Stuart Hall. Paul Robeson era muito próximo dessa tendência e de Du Bois em particular. Malcolm X estava aparentemente se movendo em direção a essa tradição no ano antes do seu assassinato. Inclui revolucionários africanos como Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Eduardo Mondlane. Panteras Negras proeminentes e alguns defensores do Black Power, incluindo Huey Newton, Fred Hampton e Stokely Carmichael (Kwame Ture) pertencem a essa tradição. E James Baldwin, que era amigo de Martin Luther King Jr e fã dos Panteras, estava próximo disso no início dos anos 1970 — basta ler seu livro No Name in the Street. Nenhuma outra tradição teórica ou política que tenha abordado a questão da dominação racial pode se gabar de uma formação tão brilhante de escritores, intelectuais e revolucionários.
JONAH BIRCH
Há uma disputa sobre se W. E. B. Du Bois era um marxista, não?
JEFF GOODWIN
Até recentemente, na verdade, não havia disputa. Todos — todos da esquerda, pelo menos — entendiam que Du Bois se tornou um socialista marxista antes de escrever, aos 65 anos, sua obra-prima, Black Reconstruction in America, e obras radicais subsequentes, embora certamente haja traços de marxismo e socialismo em seus trabalhos anteriores. O marxismo de Du Bois é óbvio em sua autobiografia publicada postumamente. Du Bois eventualmente se tornou próximo ao movimento comunista — um stalinista convicto, na verdade — e se juntou ao Partido Comunista, ou o que restou dele na esteira do macartismo, em 1961, quando tinha 93 anos.
Recentemente, um grupo de sociólogos liberais negou ou minimizou vigorosamente tudo isso, e eles inventaram algo que eles chamam de “sociologia Du Boisiana”, no qual eles apagaram todos os traços do marxismo — um verdadeiro white washing [branqueamento], por assim dizer. Não é de surpreender que esse grupo equipare o marxismo ao “reducionismo de classe”. Pessoas interessadas podem ler uma troca entre mim e um desses falsos “Du Boisianos” na Catalyst. Escrevi minha defesa do marxismo negro como uma resposta a esse negacionismo, que é baseado em uma profunda ignorância tanto do Du Bois posterior quanto da tradição marxista negra.
“Por meio da organização e das lutas de classe com os capitalistas, os trabalhadores brancos podem entender a necessidade de uma solidariedade de classe ampla e multirracial.”
Questões de raça e etnia não foram abordadas por uma ampla gama de marxistas de muitas raças e nacionalidades?
JEFF GOODWIN
Com certeza. O marxismo negro é apenas uma parte — embora eu ache que seja a parte mais interessante — de uma tradição multirracial e multinacional mais ampla dentro do marxismo que busca entender a dominação racial, bem como a opressão étnica e nacional, incluindo o colonialismo. Essa tradição mais ampla inclui marxistas clássicos como Luxemburgo e Lenin, mas também o marxista peruano José Carlos Mariátegui, que escreveu sobre a “questão indígena” na América Latina, e o economista japonês Kamekichi Takahashi. Inclui pessoas de ascendência sul-asiática, de M. N. Roy a A. Sivanandan, entre muitos outros. Também inclui Ho Chi Minh, que tinha algumas coisas interessantes a dizer sobre o racismo europeu, como você pode imaginar.
Essa tradição também inclui figuras brancas europeias e norte-americanas como o austromarxista Otto Bauer; Max Shachtman, que escreveu sobre raça nos Estados Unidos; e Herbert Aptheker, um amigo e executor literário de Du Bois, que escreveu um ótimo livro sobre revoltas de escravos americanos. E a tradição inclui figuras mais recentes como Eric Hobsbawm, Theodore Allen e Benedict Anderson, que é famoso por sua ideia de que uma nação é uma “comunidade imaginada”, uma ideia também aplicável à raça e etnia. Também inclui sul-africanos brancos que estavam envolvidos na luta antiapartheid, incluindo Martin Legassick e Harold Wolpe.
JONAH BIRCH
A tradição marxista negra ainda está viva?
JEFF GOODWIN
Muito! Vários escritores interessantes e importantes vêm imediatamente à mente, incluindo a historiadora da [Universidade] Columbia Barbara Fields, Adolph Reed e seu filho Touré Reed, Kenneth Warren, Zine Magubane, Cedric Johnson, August Nimtz, Preston Smith e o filósofo de Harvard, Tommie Shelby, um autointitulado “marxista afro-analítico”. E essas são apenas figuras dos Estados Unidos.
JONAH BIRCH
E quanto a Cedric Robinson, que escreveu um livro famoso em 1983 chamado Marxismo Negro? O termo “marxismo negro” não foi popularizado por ele?
JEFF GOODWIN
Foi, ironicamente, embora não apenas por ele. Digo “ironicamente” porque Robinson era um oponente estridente do marxismo. Ele pensava que o marxismo, como a cultura “ocidental” como um todo, era cego ao racismo e, de fato, implícita e frequentemente abertamente racista, e que suas categorias eram inaplicáveis a sociedades não europeias. Para Robinson, assim como para os sociólogos “du boisianos” que mencionei, há apenas um tipo de marxismo: o marxismo vulgar, reducionista de classe.
Mas porque Robinson escreveu um livro chamado Marxismo Negro, eu acho que muitas pessoas simplesmente assumem que ele próprio deve ser um marxista ou pró-marxista. Mas nada poderia estar mais longe da verdade. Aparentemente, Robinson nem queria chamar seu livro de Marxismo Negro, mas acredito que seu editor pensou que venderia melhor com esse título.
Marxismo Negro tem muitas falhas, incluindo uma representação horrível do pensamento de marxistas negros reais, especialmente as ideias de Du Bois e C. L. R. James. A visão de Robinson sobre Du Bois como um suposto crítico do marxismo é baseada em uma leitura truncada do trabalho de Du Bois e em uma profunda interpretação errada de Black Reconstruction in America em particular. Sua opinião sobre Du Bois é semelhante à dos sociólogos “du boisianos”. Robinson afirma, sem nenhuma evidência, que Du Bois e James abandonaram o marxismo, o que lhes permitiu descobrir algo que ele chama de “tradição radical negra”. Mas isso é pura ficção — nem Du Bois nem James abandonaram o marxismo. O comprometimento de Du Bois com o marxismo e o movimento comunista só se aprofundou com o tempo, mesmo depois do famoso discurso de Nikita Khrushchev em 1956 expondo os crimes de Joseph Stalin e a invasão soviética da Hungria naquele mesmo ano. Como mencionei, ele se juntou ao Partido Comunista muito tarde em sua vida, apenas alguns anos antes de sua morte. Isso seria bem estranho, se você pensar sobre isso, para alguém que supostamente desistiu do marxismo.
JONAH BIRCH
A “tradição radical negra” — ouvimos essa frase bastante ultimamente. O que é e como ela se relaciona com o marxismo negro?
JEFF GOODWIN
Depende de quem você pergunta! O subtítulo do livro de Robinson, Marxismo Negro, é “A Criação da Tradição Radical Negra“. Quando vi isso pela primeira vez, pensei que ele estava igualando o marxismo negro a essa tradição radical negra, ou pelo menos sugerindo que os marxistas negros eram parte da tradição radical negra. E isso faz sentido. Mas para Robinson, os dois não têm conexão alguma. O marxismo é essencialmente e para sempre europeu e racista, e a tradição radical negra é essencialmente e para sempre pan-africana e antirracista. Robinson insiste, portanto, que o marxismo não tem nada a oferecer aos antirracistas. Como poderia, se o marxismo faz parte da cultura ocidental, que é irremediavelmente racista?
No mundo real, os intelectuais e revolucionários negros, é claro, recorreram ao marxismo em um esforço para entender melhor o racismo, o imperialismo e o colonialismo. Isso descreve Du Bois e James perfeitamente. Eles são centrais para a tradição radical negra em qualquer sentido significativo desse termo, assim como os outros marxistas negros que mencionei. Eu também incluiria nessa tradição os não marxistas que, no entanto, veem e enfatizam as maneiras pelas quais o capitalismo está implicado na opressão racial e na desigualdade, e que são, portanto, anticapitalistas, se não necessariamente revolucionários. Tenho em mente várias figuras social-democratas e socialistas cristãs como A. Philip Randolph, Chandler Owen, Eric Williams (um aluno de C. L. R. James), Bayard Rustin, Ella Baker e, claro, Martin Luther King Jr. Baker, que ajudou a fundar o Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC) em 1960, era bem próximo dos marxistas, na verdade. De qualquer forma, todas essas pessoas certamente merecem um lugar dentro da tradição radical negra.
JONAH BIRCH
Então você está sugerindo que o que distingue os radicais negros de outros antirracistas — antirracistas liberais e nacionalistas negros — é seu anticapitalismo?
JEFF GOODWIN
Sim, o principal critério de distinção é o anticapitalismo. Devemos entender a tradição radical negra como simultaneamente antirracista e anticapitalista. Os radicais acham que os dois têm que andar juntos. Não vejo como você pode se chamar de radical neste mundo se não se opõe em princípio ao capitalismo.
Por essa razão, eu também colocaria alguns, mas certamente não todos os nacionalistas e anticolonialistas negros na tradição radical negra. Mas aqueles nacionalistas que apoiam o capitalismo, incluindo o chamado capitalismo negro, necessariamente apoiam a exploração e a desigualdade. Não há nada de radical nisso. Esta é a tese central de Frantz Fanon em Os Condenados da Terra. Cuidado, ele alertou, com a burguesia negra — ou com a burguesia nacional, como ele a chamou. Ao contrário de Robinson, não acho que o antirracismo e o anticolonialismo por si só o tornem um radical. Obviamente, há muitos antirracistas e nacionalistas anticoloniais elitistas e autoritários.
JONAH BIRCH
E você colocaria Martin Luther King Jr. dentro da tradição radical negra também?
JEFF GOODWIN
Absolutamente. Ele se tornou cada vez mais aberto sobre sua hostilidade ao capitalismo e seu apoio ao socialismo democrático nos últimos anos de sua vida. Sua educação o colocou em contato com muitos socialistas cristãos e seus escritos. A dissertação de doutorado de King discute dois teólogos esquerdistas, Paul Tillich e Henry Nelson Wieman. Matt Nichter escreveu recentemente sobre os muitos socialistas, comunistas e ex-comunistas que apoiaram ou trabalharam para a Southern Christian Leadership Conference de King. King também apoiou fortemente o movimento trabalhista, e os sindicatos mais radicais do país o apoiaram. King estava, é claro, apoiando uma greve de trabalhadores de saneamento em Memphis quando foi assassinado.
Dado esse contexto, King nunca recorreu à provocação anticomunista e, na verdade, olhou de soslaio para os anticomunistas liberais. Ele apreciava como os comunistas apoiaram o movimento pelos direitos civis. Um de seus últimos grandes discursos foi uma homenagem a Du Bois, no centésimo aniversário de seu nascimento. Ele repreendeu aqueles que negaram ou minimizaram a política comunista de Du Bois, que ele achava que só servia para reforçar estereótipos negativos sobre o socialismo e o comunismo.
Na verdade, acho que King deve ser considerado um dos maiores socialistas da história americana. Em sua cruzada contra a pobreza, a propósito, King veio apoiar uma renda garantida para todos, e ele queria definir essa renda não na linha da pobreza, mas no nível de renda média do país. Não tenho certeza se isso faz sentido prático — pessoas que ganham menos do que a renda média presumivelmente deixariam seus empregos e aceitariam a renda garantida! Mas essa proposta reflete claramente o ódio de King não apenas pela pobreza, mas por qualquer sistema econômico que negue às pessoas os recursos materiais de que precisam para prosperar e não apenas sobreviver.
“MLK nunca recorreu à provocação anticomunista e, de fato, olhou de soslaio para os anticomunistas liberais. Ele apreciava como os comunistas tinham apoiado o movimento pelos direitos civis.”
JONAH BIRCH
Marxistas negros contemporâneos parecem particularmente críticos do que chamam de “reducionismo racial”. O que exatamente é reducionismo racial?
JEFF GOODWIN
Essa frase é provavelmente mais conhecida do livro de Touré Reed de 2020, Toward Freedom: The Case Against Race Reductionism, embora outros também a tenham usado. Ela se baseia na tendência liberal de separar classe de racismo, de ver o racismo como desconectado da exploração do trabalho em particular. Isso contrasta fortemente com um princípio importante do marxismo negro, que vê a exploração do trabalho e a exclusão sistêmica de empregos mais bem pagos como centrais para a opressão racial. Os liberais geralmente separam o racismo de classe e então usam o racismo em um sentido geral e abstrato – como preconceito irracional – como uma explicação para a opressão racial. É um argumento idealista – o racismo como ideia causa a opressão dos povos negros. Se o reducionismo de classe – que, como vimos, os marxistas negros rejeitam enfaticamente – nos aconselha a esquecer a dominação racial, os reducionistas raciais nos aconselham a esquecer as divisões de classe e a exploração de classe. Então, é claro que os marxistas negros e os radicais negros se opõem a esse movimento teórico.
Para colocar de outra forma, o conceito de raça se torna reducionista e ideológico quando obscurece divisões de classe e exploração dentro de um grupo racial, bem como interesses comuns de classe que atravessam grupos raciais e são uma base potencial para solidariedade de classe. Da mesma forma, o uso de racismo ou ideias racistas como explicação se torna reducionista se o racismo for desconectado dos interesses de classe.
Oliver Cromwell Cox, um importante sociólogo marxista negro, diz em algum lugar que se as crenças por si só pudessem oprimir uma raça, então as crenças que os negros têm sobre os brancos deveriam ser tão poderosas quanto as crenças que os brancos têm sobre os negros. Mas isso só é verdade se você esquecer a classe e o poder do Estado. Em uma linha semelhante, Stokely Carmichael (Kwame Ture) disse uma vez que se um homem branco quisesse linchá-lo, esse era o problema do homem branco. Mas se o homem branco tivesse o poder de linchá-lo, então e somente então isso se tornaria um problema para Carmichael. Cox e Carmichael estão apenas dizendo o óbvio: ideias desconectadas do poder são impotentes. Tudo isso não quer dizer que raça e racismo nunca importam. Obviamente não. O racismo pode ser muito consequente e persistente precisamente quando está conectado aos interesses materiais de classes e estados poderosos. Este é um princípio central do marxismo negro.
JONAH BIRCH
Quero perguntar a você, finalmente, sobre o conceito de “capitalismo racial”. Esta é outra frase que se ouve muito hoje em dia na esquerda. Este é um conceito que os marxistas negros desenvolveram? E o que significa exatamente?
JEFF GOODWIN
Os marxistas desenvolveram este termo, mas deixe-me começar dizendo que muita tinta foi desperdiçada em um esforço para definir esta frase. Nenhum dos grandes marxistas negros de quem aprendemos tanto usou esta frase — nem Du Bois ou James, nem Cox ou Fanon, nem Rodney ou Hall, nem Nkrumah ou Cabral. Então, é obviamente possível falar, e falar com perspicácia, sobre raça, classe, capitalismo e opressão sem usar este termo. Simplesmente juntar as palavras “racial” e “capitalismo” não garante magicamente que você entenda a relação entre capitalismo e racismo. Claro, dificilmente sou a primeira pessoa a apontar isso.
Dito isso, a frase “capitalismo racial” foi de fato desenvolvida pela primeira vez por marxistas na África do Sul, durante a era do apartheid. Dois sociólogos, Marcel Paret e Zach Levenson, mostraram que a frase foi aparentemente usada pela primeira vez por um professor branco de Berkeley, Bob Blauner, em 1972. Mas poucas pessoas a perceberam até que o termo foi amplamente usado por marxistas sul-africanos, incluindo Neville Alexander, Martin Legassick e Bernard Magubane, durante o final dos anos 1970 e 1980. O ponto deles era que, como o capitalismo era a base da opressão racial na África do Sul, a luta antiapartheid precisava ser anticapitalista, bem como uma luta por direitos democráticos.
Isso era em oposição ao ponto de vista do Congresso Nacional Africano (CNA) de Nelson Mandela e do Partido Comunista da África do Sul. Eles argumentaram que a luta pelo socialismo deveria ser adiada até depois que uma revolução democrática — uma “revolução democrática nacional”, como eles a chamavam — derrubasse o apartheid. Mas isso implica, implausivelmente, que o apartheid teve pouco ou nada a ver com o capitalismo e a exploração de trabalhadores negros. Na verdade, o CNA fez mais do que adiar a luta pelo socialismo — ele a abandonou completamente. Em qualquer caso, para os marxistas negros, o termo “capitalismo racial” se refere ao fato de que o capitalismo tem sido a base da opressão racial de vários tipos em sociedades do mundo todo.
No entanto, muitas pessoas acreditam erroneamente que o “capitalismo racial” é uma ideia de Cedric Robinson. Se elas se dessem ao trabalho de ler o livro dele, veriam que ele quase não usa o termo. E Robinson — que, mais uma vez, é hostil ao marxismo — usa o termo de forma muito diferente dos marxistas negros. Na verdade, ele entende o termo de uma forma reducionista de raça. Para Robinson, o capitalismo é apenas outra manifestação da cultura ocidental milenar, então é claro que é inerentemente racista. Para ele, o capitalismo não cria sistemas de opressão racial, como argumentam os marxistas negros. Em vez disso, o caráter racista da cultura ocidental, que remonta a muitos séculos, de alguma forma garante que qualquer ordem econômica associada a ela — feudalismo, capitalismo, socialismo — também será racista.
Mais uma vez, é um argumento idealista. As ideias, neste caso as da cultura ocidental, reproduzem constantemente a opressão racial de algum poder próprio, primeiro na Europa e depois em todo o mundo. Mas como essas ideias são tão poderosas? Pode ter algo a ver com os interesses materiais de classes e estados poderosos, como argumentam os marxistas negros? Robinson às vezes gesticula nessa direção, mas na maioria das vezes ele não diz. As ideias em si são todo-poderosas para ele. Isso não é uma explicação séria para o racismo.
“Cedric Robinson usa o termo ‘capitalismo racial’ de forma muito diferente dos marxistas negros. Na verdade, ele entende o termo de uma forma reducionista de raça.”
Devo observar que muitos liberais parecem amar o termo “capitalismo racial”. Eles, mais do que ninguém, são claramente os maiores responsáveis por sua disseminação nos últimos anos, pelo menos na academia. Os liberais usam a frase para significar algo como uma economia na qual os empregadores discriminam negros e outras minorias. Seu mundo ideal é um capitalismo não racial — exploração do trabalho sem discriminação. Este é um ideal muito distante da visão marxista negra do socialismo.
Mas, voltando ao meu ponto inicial, o que realmente está em jogo aqui é nossa compreensão do capitalismo, da dominação racial e da relação entre os dois. Realmente não importa se alguém usa as palavras “capitalismo racial” ou não. A própria tradição marxista negra demonstra claramente que não precisamos usar essas palavras para entender essas coisas. A frase não nos iluminará magicamente, e alguns significados do termo — as definições reducionistas de raça e liberais — simplesmente nos levam ao erro.
Para retornar ao ponto de partida, é essencial entender exatamente como o capitalismo foi e continua sendo a principal base da dominação racial. Isso significa que você não pode eliminar o racismo sem destruir ou pelo menos restringir e regulamentar fortemente o capitalismo.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/02/como-os-marxistas-negros-entenderam-a-opressao-racial/
Comente aqui