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“Superano de eleições” foi marcado por derrotas governistas

Dos EUA ao Japão, do Reino Unido à África do Sul, governos incumbentes foram castigados pelas urnas em 2024. Mais sucesso tiveram autocratas na Venezuela e na Rússia que conduziram eleições sem transparência.

Por: Jean-Philip Struck | Crédito Foto: Simon Walker/Avalon/Photoshot/picture alliance. O presidente americano, Joe Biden, e o ex-premiê britânico Rishi Sunak. 2024 marcou duras derrotas para democratas nos EUA e conservadores no Reino Unido

Das Américas à África, da Europa à Ásia, o “superano eleitoral” que envolveu mais de 40 eleições nacionais e mais de 2 bilhões de eleitores mundo afora chega ao fim marcado por derrotas em série de políticos e partidos que iniciaram o ano no poder e pretendiam permanecer assim.

A derrota dos democratas nos EUA para o republicano Donald Trump em novembro é a mais chamativa, mas não foi excepcional, e sim parte de uma tendência entre eleitores do mundo todo, levando o jornal Financial Times a classificar 2024 como um “cemitério de incumbentes”.

Algumas derrotas encerraram longos ciclos de dominância, como a dos conservadores no Reino Unido (14 anos), ou de governistas que dominavam a nação africana de Botsuana (58 anos). Algumas derrotas legislativas também lançaram alguns países em turbulência política, como na França Coreia do Sul.

Outros países permaneceram com os mesmos governos, mas seus líderes e partidos no poder saíram arranhados de eleições, como na ÍndiaÁfrica do Sul e Japão.

Por outro lado, esse problema não foi uma questão para governos autocráticos que encenaram eleições ou foram acusados de manipular resultados para se manter no poder, como na RússiaVenezuela Ruanda.

Ainda assim, houve exceções entre governistas que participaram de eleições transparentes, e que conseguiram manter o apoio dos eleitores, como no MéxicoTaiwan Indonésia.

Já entre os países que fizeram parte do “cemitério dos incumbentes”, os motivos para o descontentamento com os governos e o sucesso de opositores variaram, mas, segundo o think tank americano Pew Research Center, houve um tema comum de frustração: a economia. Uma pesquisa realizada no início do ano apontou que, em 34 países, 64% dos eleitores – em média – avaliaram que a economia em seus países estava em uma situação ruim.

Mas esse não foi o único fator que gerou descontentamento. Segundo o centro, em 31 nações que foram palco de pesquisas em 2024, uma média de 54% dos eleitores também manifestou insatisfação com a forma como a democracia representativa estava funcionando em seus países.

Essa insatisfação, segundo o think tank, também alimentou partidos de ultradireita ou populistas, que aumentaram sua fatia de apoio em países da Europa que realizaram eleições – tanto nacionais quanto locais – neste ano, como na FrançaBélgicaPortugal Eslováquia. Na Áustria, a ultradireita chegou a terminar o pleito legislativo federal em primeiro lugar. Na Alemanha, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, uma sigla de ultradireita terminou uma disputa estadual na liderança.

Em comparação com o volume de eleições de 2024, o próximo ano empalidece em quantidade de pleitos. Mas algumas votações decisivas vão ocorrer e elas já sinalizam que a vida dos governistas não deve ser fácil.

Alemanha vai às urnas em fevereiro e o partido do atual chanceler federal Olaf Scholz amarga o terceiro lugar nas pesquisas. No Canadá, o partido do premiê Justin Trudeau, aparece bem atrás da oposição conservadora em levantamentos para a eleição de outubro. Na Austrália, o premiê Anthony Albanese também aparece em desvantagem para as eleições nacionais – ainda sem data.

Relembre abaixo algumas das eleições do superano eleitoral de 2024 que foram marcadas por derrotas ou enfraquecimento de governistas, assim como as exceções – e também onde populistas e políticos antissistema avançaram.

Derrotas governistas

EUA: naufrágio democrata: Os democratas sob Joe Biden iniciaram o ano confiantes que o desemprego em baixa e os problemas legais do republicano Donald Trump ajudariam a pavimentar a reeleição do presidente. Mas, numa eleição marcada por reviravoltas e acontecimentos dramáticos, tudo deu errado para os democratas.

Apesar de números que indicavam melhora na economia, pesquisas apontaram que a percepção de muitos americanos apontava na direção contrária. Depois, o idoso Biden teve um desempenho desastroso num debate contra Trump, e acabou desistindo da corrida após pressão do seu próprio partido.

No final, Trump impôs uma derrota decisiva sobre a democrata Kamala Harris, vencendo em todos os estados-chave e no voto popular, além de ter avançado entre mulheres, latinos e negros.

Trump e Biden
Trump e Biden. Desempenho desastroso de democrata acendeu alerta sobre idade do democrata. Foto: Artem Priakhin/Sipa/Sopa/picture alliance

Reino Unido: fim de 14 anos sob os conservadores: Os conservadores (tories) dominavam a política nacional do Reino Unido desde 2010 – período que incluiu o Brexit, a pandemia e um declínio econômico do país.

O calendário eleitoral previa eleições até o final de janeiro de 2025, mas Rishi Sunak – quinto de uma sucessão de premiês conservadores – surpreendeu ao convocar um pleito antecipado para junho. Nem mesmo os conservadores pareciam ter esperança de manter o poder e a atuação se concentrou em limitar a escala da derrota.

O pleito resultou numa vitória acachapante para a oposição trabalhista, que obteve 411 das 650 cadeiras na Câmara dos Comuns. Os conservadores perderam 251 deputados em relação a 2019.

Coreia do Sul: derrota de governistas leva presidente a tentar autogolpe: Em 2022, Yoon Suk Yeol foi eleito presidente da Coreia do Sul. Em abril de 2024, enfrentou sua primeira eleição parlamentar, encarada como um plebiscito sobre sua atuação.

Enfraquecido pela inflação e escândalos envolvendo sua esposa, Yoon e sua legenda, o PPP, acabaram ficando bem atrás do oposicionista PD em número de cadeiras.

Em dezembro, Yoon tentou reverter sua fraqueza decretando lei marcial. A manobra, encarada como um autogolpe, fracassou. Yoon foi alvo de impeachment e acabou afastado.

Outras viradas eleitorais: Em novembro, uma eleição histórica na nação africana de Botsuana terminou com a oposição colocando fim a 58 anos de dominância do governista BDP, hegemônico no país desde a independência do Reino Unido, em 1966. No Uruguai, a esquerda voltou à Presidência após um hiato de cinco anos com a vitória de Yamandú Orsi. No Senegal, em meio a uma crise política, o candidato oposicionista Bassirou Diomaye Faye conquistou a Presidência dez dias depois de deixar a prisão. Em Gana, a oposição também venceu a eleição presidencial. O mesmo se repetiu no Sri Lanka. Na Islândia, os social-democratas superaram em votos a aliança governamental de centro-direita que governava o país desde 2017 e conquistaram o posto de premiê.

Yoon Suk Yeol
O presidente Yoon Suk Yeol decretou lei marcial meses após seu partido sofrer uma pesada derrota nas eleições legislativas. Foto: South Korean Presidential Office/Handout/Yonhap/AFP

Arranhados nas urnas, mas ainda no poder

Índia: Modi se mantém, mas perde apoio: Maior democracia do mundo, a Índia foi às urnas entre abril e maio em um pleito que foi visto como um teste para a popularidade do primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014.

Ao final da eleição, Modi acabou conseguindo se manter como premiê, mas o pleito teve um sabor amargo. Seu partido, o BJP, acabou perdendo a maioria no Parlamento e foi obrigado a formar uma coalizão com uma aliança de 15 partidos menores.

África do Sul: enfraquecimento histórico do partido de Mandela: Com o país marcado por uma persistente crise econômica, alto desemprego e índices de violência e sucessivos escândalos de corrupção envolvendo figuras do partido, a hegemonia do Congresso Nacional Africano (CNA), no poder desde o fim do regime racista do Apartheid, em 1994, foi colocada à prova.

Pela primeira vez em 30 anos, o partido não conseguiu superar a marca de 50% dos votos. No final, recebeu 40% – 17 pontos a menos que em 2019. Ainda assim, o CNA conseguiu se manter no topo, mas acabou obrigado pela primeira vez a formar um governo de coalizão com outras duas legendas menores.

O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e o premiê indiano Narendra Modi
O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e o premiê indiano Narendra Modi. Seus partidos não se saíram tão bem nas urnas em 2024. Foto: Sergei Bobylev/Imago Images

Japão: governistas perdem maioria pela primeira vez em 15 anos: O Partido Liberal Democrata do Japão, que governa quase continuamente desde 1955, perdeu em outubro sua maioria parlamentar pela primeira vez em 15 anos. Foi um revés para o novato primeiro-ministro Shigeru Ishiba.

Analistas apontaram que o resultado representou a frustração dos eleitores com o aumento da inflação e um escândalo de financiamento político que afetou o partido. Ainda assim, Ishiba sobreviveu como premiê e passou a liderar um governo de minoria.

França: a aposta fracassada de Macron: Em junho, o presidente Emmanuel Macron pegou de surpresa até mesmo aliados ao convocar eleições legislativas antecipadas. O objetivo era romper impasse que vinha marcando a Assembleia Nacional desde a eleição de 2022, quando o grupo parlamentar do presidente perdeu sua maioria.

A aposta acabou saindo pela culatra. O impopular Macron viu seu grupo diminuir ainda mais, e as bancadas oposicionistas da esquerda e da ultradireita cresceram, provocando ainda mais turbulência na Assembleia.

Macron e Scholz
Macron e Scholz. O primeiro viu aposta em eleições antecipadas sair pela culatra. O segundo vai enfrentar pleito difícil em fevereiro. Foto: Filip Singer/EPA.

Onde a extrema direita mostrou força

Eleições Europeias: “O centro permanece firme”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, após a divulgação dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu em junho.

No entanto, os resultados mostraram que o centro se tornou mais conservador e menos social-democrata. E a fatia de eurodeputados ultradireitistas ou nacionalistas subiu de 22% para 24%. O impacto foi mais forte em alguns países. Nas europeias na França, a ultradireita elegeu o maior número de eurodeputados – superando o bloco centrista de Macron. O mesmo aconteceu na Áustria e na Itália. Na Alemanha, a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) elegeu a segunda maior bancada, superando os social-democratas de Olaf Scholz.

Leste alemão: Eleitores dos estados alemães de Brandemburgo, Saxônia e Turíngia – todos no leste do país – compareceram às urnas em setembro para escolher seus governos locais. O triplo pleito foi encarado como um teste de força para a AfD.

Na Turíngia, a AfD obteve a primeira vitória estadual de um partido ultradireita em território alemão desde a Segunda Guerra Mundial. O partido também avançou em Brandemburgo e na Saxônia. Mas a AfD não conseguiu traduzir os resultados em poder, já que todos os outros os partidos se recusaram a formar coalizões de governo com a legenda, que continuou na oposição.

Propaganda eleitoral da AfD no estado alemão da Turíngia
“Verão, sol e remigração”, diz propaganda eleitoral da AfD no estado alemão da Turíngia. Foto: dts-Agentur/dpa/picture alliance

Áustria: O ano também marcou um resultado histórico para a ultradireita da Áustria, onde o FPÖ conquistou 28,8% dos votos, contra 26,3% do conservador ÖVP, liderado pelo chanceler Karl Nehammer.

Essa foi a primeira vez que o FPÖ venceu as eleições parlamentares, tendo crescido 13 pontos percentuais em relação aos resultados de 2019. No entanto, ainda não está claro se o FPÖ vai liderar ou integrar um novo governo. No momento, Nehammer tenta formar uma coalizão alternativa com outras legendas.

Outros avanços da ultradireita: Na Bélgica, a eleição parlamentar de junho terminou com dois partidos eurocéticos elegendo as duas maiores bancadas do Parlamento. Em Portugal, o partido anti-imigração Chega! viu sua bancada aumentar de 12 para 58 deputados.

Eleições controversas

Rússia: Ninguém esperava uma eleição livre e justa na Rússia em 2024 – ainda mais em um período em que o país trava uma guerra contra a Ucrânia e a oposição ao Kremlin permanece silenciada, presa, morta ou no exílio.

Não havia na prática candidatos que pudessem, de fato, representar um desafio significativo a Vladimir Putin, no poder desde 1999. De maneira previsível, o Putin obteve oficialmente mais um mandato. Segundo o Kremlin, com 88,5% dos votos. Três outros candidatos dóceis ao regime não superaram a marca de 5%.

Maduro e Putin
Maduro e Putin em outubro deste ano. Autocratas não se deixaram ser desafiados pelas urnas. Foto: Alexander Nemenov/AFP/AP/dpa/picture alliance

Venezuela: A esperança de que o regime chavista, no poder desde 1999, finalmente fosse permitir eleições justas na Venezuela este ano já começou a ser colocada à prova antes mesmo da votação, quando candidaturas da oposição foram barradas. Ainda assim, opositores conseguiram se agregar em torno de Edmundo González.

Após o pleito, a Justiça Eleitoral, controlada pelos chavistas declarou Nicolás Maduro como vencedor, num processo sem transparência e sem divulgação de dados detalhados. A oposição denunciou fraude e vários países se recusaram a reconhecer a proclamação da vitória de Maduro – incluindo o Brasil.

Outras eleições sob suspeita: Em Ruanda, Paul Kagame, que governa o país com mão de ferro há 30 anos, foi reeleito com espantosos 99,2% dos votos num pleito que barrou oposicionistas. Na Geórgia, o partido governista Sonho Georgiano, simpático à Rússia, foi declarado vencedor nas eleições parlamentares, provocando acusações de fraude por parte da oposição pró-europeia. Na Romênia, o primeiro turno presidencial foi anulado após um candidato independente pró-Rússia surpreender ao liderar a votação, levantando acusações de interferência externa.

Contra a maré: governos que saíram vitoriosos ou elegeram sucessor

México: Andrés Manuel López Obrador chegou ao fim do seu mandato conseguindo transferir sua popularidade para a candidata governista Claudia Sheinbaum. Ex-prefeita da Cidade do México, Sheinbaum foi eleita com 61% dos votos e se tornou a primeira mulher a vencer à Presidência do país.

A nova presidente do México, Claudia Sheinbaum
A nova presidente do México, Claudia Sheinbaum. Foto: Alfredo Estrella/AFP/Getty Images

Taiwan: A disputa entre os EUA e a China foi refletida no pleito de Taiwan em janeiro. Com a presidente Tsai Ing-wen impedida de concorrer a um novo mandato, seu partido, o DPP, apresentou como candidato o vice-presidente Lai Ching-te, considerado próximo dos EUA. Seu principal rival foi Hou Yu-ih, do Kuomintang, que defendia uma aproximação com a China. No final, o DPP garantiu a vitória de Lai Ching-te por cerca de 40% dos votos.

El Salvador: No poder desde 2019, Nayib Bukele não poderia concorrer à reeleição. Mas uma decisão polêmica da Suprema Corte de El Salvador o autorizou a se candidatar novamente. Em fevereiro, foi reeleito por 84,6% dos votos.

Embora a votação presidencial não tenha despertado desconfiança, o mesmo não ocorreu com na legislativa, que ocorreu paralelamente, com opositores acusando o governo de fraudar o resultado para manter sua supermaioria na Assembleia Legislativa.

Indonésia:  Na terceira maior democracia do mundo, Prabowo Subianto, foi declarado vencedor do pleito presidencial com 58,6% dos votos. Subianto era apoiado pelo antecessor, Joko Widodo. O pleito não foi livre de controvérsias, especialmente por causa da biografia de Subianto, um ex-militar que já foi acusado de ordenar o sequestro de ativistas nos últimos anos da ditadura de Suharto (1967-1988).

 

Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/superano-de-elei%C3%A7%C3%B5es-foi-marcado-por-derrotas-em-s%C3%A9rie-de-governistas/a-71138718

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