Por: Liszt Vieira
Uma tarefa urgente para o início de 2022 será a formação de uma Frente de Esquerda com um Programa Mínimo para pressionar a candidatura Lula e seu vice. Seja ou não Alckmin, será certamente um vice de centro direita, consolidando uma Frente Ampla contra Bolsonaro. O fato de Lula ser a única ou, no mínimo, a melhor possibilidade de derrotar o projeto fascista de Bolsonaro, não nos exime de apresentar pontos programáticos de uma agenda mínima de esquerda. Um desses pontos é a questão da sustentabilidade socioambiental.
Até agora não sabemos nada das propostas políticas da candidatura Lula, a não ser combater o governo fascista de Bolsonaro, o que não é pouco, mas é insuficiente. Sabemos que certamente o futuro governo Lula vai reduzir as desigualdades com projetos sociais como Bolsa Família, fundamental para combater a fome e a miséria. E possivelmente, esperamos, vai retomar o papel do Estado como indutor da política do desenvolvimento.
E a política econômica? Continuará privilegiando o mercado financeiro e o agronegócio? O futuro Ministro da Economia será alguém com o perfil do Meireles? E a política de sustentabilidade ambiental que – para usar um eufemismo – nunca foi prioridade no governo Dilma? Apesar de sua resistência heroica à agenda política da direita, é bom não esquecer que Dilma foi acusada de defender na prática o agronegócio contra a agricultura familiar, o combustível fóssil contra a energia renovável e os megaprojetos, ignorando seus impactos socioambientais.
Além disso, o governo Dilma foi acusado pelos ambientalistas e cientistas de “flexibilizar” as exigências de recomposição das Áreas de Proteção Permanente (APP), expandir para qualquer imóvel rural com até 4 módulos fiscais a dispensa de Reserva Legal (RL), concebida apenas para imóveis de agricultura familiar, e descumprir a lei, remetendo aos Estados, o Programa de Recomposição Ambiental (PRA). E posteriormente nomeou Ministro o comunista Aldo Rebelo que, como Relator do Código Florestal na Câmara dos Deputados, atuou em total sintonia com a bancada ruralista. O texto aprovado na Câmara foi escandaloso, simplesmente acabava com as figuras de APP e RL, como queria o agronegócio.
Depois, no Senado, com Luís Henrique da Silveira e Jorge Viana como relatores, o relatório do Aldo Rebelo foi derrubado em favor de outro texto, resgatando pontos estratégicos do Código Florestal. Ficou o péssimo exemplo de uma esquerda produtivista, aliada ao capitalismo selvagem. Enfim, uma esquerda que, no plano da produção econômica, vai a reboque da direita.
No Chile, entre os temas priorizados por Gabriel Boric em sua campanha eleitoral, encontram-se a questão de segurança, a defesa das mulheres, indígenas e comunidades tradicionais, e a questão ambiental. Boric ressaltou várias vezes a necessidade de descarbonização para combater as mudanças climáticas, bem como levar em conta os apelos dos povos indígenas e das chamadas minorias, além de propor um desenvolvimento com redução da desigualdade e defesa dos direitos humanos.
Do discurso oficial de Boric após a eleição, destacamos o seguinte:
Porque el cambio climático, queridos compatriotas, no es una invención. Está acá, y genera efectos directos sobre nuestras vidas y las de futuras generaciones. No es casualidad que sean los jóvenes del mundo los que hayan alzado la voz, desde Greta a Julieta, ante los poderes irracionales. No podemos mirar para el lado cuando nuestros campesinos y agricultores, cuando localidades enteras no tienen agua o cuando se destruyen ecosistemas únicos pudiendo evitarlo.
No Brasil, temos a maior floresta tropical do mundo, o quarto maior litoral, 13% da água doce do planeta e uma das maiores biodiversidades do mundo. O Brasil perdeu a liderança que já teve na área ambiental. Mas a questão ambiental vai ressurgir com força na agenda internacional a partir de março, com a publicação do segundo volume dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Após o fracasso da COP 26 em Glasgow, em novembro último, o novo relatório do IPCC vai fazer um alerta de vida ou morte que certamente terá impacto na campanha eleitoral de 2022. A crise climática vai exigir não apenas uma transição energética, mas uma transformação ecológica, com um novo modo de vida e de produção.
O modelo capitalista e predatório de crescimento está esgotado. O problema é que uma política de sustentabilidade mexe com interesses econômicos concretos que não estão dispostos a ceder em benefício de um alerta a respeito da sobrevivência da humanidade, ameaçada pela destruição da biodiversidade e pelas crises climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa. O horizonte empresarial no Brasil é de curto prazo. Os empresários não percebem, porque não querem, que estão destruindo os recursos naturais necessários à vida humana, inclusive à sua própria produção econômica. Sem água, por exemplo, acabaria o agronegócio. O desmatamento da Amazônia, como se sabe, vem reduzindo as correntes de umidade, os “rios voadores” responsáveis pelo regime pluviométrico do Sudeste. Sem eles, o Sudeste do Brasil seria um deserto como Atacama, no Chile, situado na mesma latitude.
O novo governo Lula não poderá reproduzir as condições de seus dois governos anteriores. Encontrará um país falido, arrasado por uma política deliberada de destruição. Não será possível, como antes, favorecer os pobres sem prejudicar os ricos que também se beneficiaram com o governo Lula. Para aumentar a receita e fazer face às despesas sociais urgentes, será necessário provavelmente taxar as grandes fortunas e as grandes heranças que, no Brasil, permanecem intocadas. E enfrentar os tabus do neoliberalismo como, por exemplo, o teto de gastos, as reformas trabalhista e da previdência, a política de preços da Petrobras. O novo Governo terá força para isso?
Lula começou a construir uma rede de apoio internacional, como indica sua viagem à Europa. Mas a rede de apoio nacional que está articulando envolve setores econômicos empenhados na manutenção de seus privilégios. E a esquerda não terá maioria no Congresso, longe disso. Daí a importância de uma Frente de Esquerda capaz de mobilizar manifestações populares para apoiar e fazer o futuro governo avançar, com o povo na rua. E o momento de construir a agenda dessa Frente é agora, em 2022, no início da campanha eleitoral.
Comente aqui