Por: Paulo Kliass | Créditos da foto: (Agência Brasil)
A antecipação das articulações em torno das candidaturas que deverão disputar o pleito presidencial de outubro tem trazido à tona do debate político algumas questões estratégicas para as possibilidades de recuperação da economia a partir de 2023. E aqui me refiro apenas a alguma novidade positiva para o ano que vem, uma vez que as próprias previsões definidas pela nata do financismo tupiniquim já apontam para um crescimento irrisório do PIB ao longo de 2022. Os dirigentes das instituições financeiras agora chutam para um número inferior a 0,3%.
A pesquisa das chamadas “expectativas de mercado” realizada pelo Banco Central a cada semana vem apresentando uma queda sistemática para o desempenho das atividades econômicas em 2022. O otimismo voluntarista, mais parecido com um desejo do que propriamente derivado de uma análise objetiva das informações do ambiente macroeconômico, chegava à irresponsabilidade de apontar para um crescimento de 2,3%, para o ano que acabou de começar, quando das respostas às perguntas da rodada realizada há 6 meses atrás. Trata-se de um erro crasso, uma diferença monumental de mais de 700% entre ambas as previsões.
Ora, esse quadro de estagnação da economia brasileira vem ocorrendo desde 2015, momento em que Dilma Roussef patrocinou uma inacreditável virada nas promessas da campanha de sua reeleição e incorporou o austericídio de Joaquim Levy como programa econômico de seu segundo mandato. Para o período de 2015-2021, o padrão de crescimento de nosso PIB foi negativo, com o registro de – 0,4% na média anual. Já para o período imediatamente anterior, que havia sido colocado sob suspeita e bombardeado pelos meios de comunicação do conservadorismo monetarista, o resultado era exatamente o oposto. O Brasil havia experimentado entre 2003 e 2014 uma média anual de crescimento do PIB de 2,8%.
Austericídio, recessão e desemprego.
Não foi mera coincidência que o início da implementação da política de austeridade rigorosa tenha marcado também o começo do período em que a estagnação e a recessão tenham sido a marca mais significativa de nossa economia. Reforma previdenciária, reforma trabalhista, cumprimento rigoroso da política de superávit primário e teto de gastos foram elementos fundamentais desses sete anos de desastre social e econômico.
No entanto, chama a atenção que uma das questões presentes nesse conjunto de políticas públicas conservadoras tenha sido a recuperação do conceito de “custo Brasil” e a necessidade de redução dos componentes da força de trabalho em mais esta falácia apresentada pelos representantes das classes dominantes de nosso país. A desculpa apresentada para promover políticas de desmonte do arcabouço montado à época da Assembleia Nacional Constituinte em 1986 sempre foi a necessidade de recuperar a capacidade de inserção internacional de nossa economia. Para nossas elites, o cerne do problema residia na elevada carga tributária, na presença excessiva do Estado na economia e no custo elevado da mão de obra.
Aproveitando-se do baixo crescimento verificado no PIB de 2014 e de uma retomada da inflação no início de 2015, teve início uma nova campanha pela austeridade fiscal e pela redução da demanda interna como ferramenta (equivocada) de busca do equilíbrio macroeconômico. A opção pela escalada da taxa oficial de juros levou a SELIC a um patamar absurdo de 14,25% ao ano, uma vez que o objetivo era esse mesmo – reduzir a chamada “demanda agregada” para controlar o crescimento dos preços. O resultado atendeu ao objetivo esperado: foi exitosa a tentativa de promover uma recessão no biênio 2015/6, tendo como resultado os trágicos registros inferiores a -3% no PIB em cada um dos anos. Entre 2017 e 2021, a marca foi uma estagnação média.
Fonte: IBGE
Como costuma acontecer, a redução drástica no ritmo de atividades veio acompanhada de uma elevação nos índices de desemprego e de subemprego. Os índices levantados pelo IBGE vinham em queda desde 2006 até 2014, saindo do patamar de 8% e chegando a 5% do total da população economicamente ativa. Com a implementação da austeridade fiscal combinada com arrocho monetário, os índices voltaram a subir e se estabilizaram em um intervalo em torno de 13%.
Ocorre que o ímpeto do Ministério da Fazenda e do governo ultrapassou as fronteiras de “apenas” ter colocado em marcha uma recessão desejada. Com isso, foi aberto o caminho para a introdução de propostas de redução de direitos previdenciários e trabalhistas, mesmo depois da saída de Joaquim Levy da equipe ministerial. O resultado veio sob a forma do pacote de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apresentado ainda no final de 2016, já sob o governo de Temer & Meirelles, com a intenção de institucionalizar a precariedade e a redução dos direitos dos trabalhadores. O argumento surrado de sempre era o de abrir caminho para a volta do crescimento da economia e para a recuperação do nível geral de emprego. Balela! A aprovação deu-se em 2017 e nada melhorou nos quesitos em que se propunha.
Fonte: IBGE
Desde então, as estatísticas oficiais insistem em desmentir o intento do patronato e do financismo. A reforma trabalhista reduziu direitos históricos das camadas da base de nossa pirâmide da desigualdade, diminuiu a renda média dos trabalhadores e institucionalizou, com o amparo de “força de lei”, a precariedade e a informalidade no mercado de trabalho. E, ao contrário da narrativa que fazia a unanimidade dos comentaristas de economia dos grandes meios de comunicação, nada disso contribuiu para retomar o crescimento da economia ou para promover a incorporação de novos contingentes de mão de obra ao mercado formal de trabalho.
Lula e as mudanças na Espanha.
Assim, torna-se naturalmente compreensível que o debate acerca da efetividade e da necessidade de tais medidas volte à cena política. A candidatura de Lula parece interessada em rever esse percurso. O ex presidente tem afirmado que seu programa de governo não deve satisfação à chamada “Faria Lima” e sim à maioria do povo brasileiro. Dentre outros recados implícitos em tal manifestação, é razoável supor que uma revisão das últimas medidas na área da legislação trabalhista esteja em vista. O mote para tal estratégia reside na decisão recente tomada pelo novo primeiro ministro da Espanha de promover uma revogação das medidas adotadas naquele país ao longo da última década. O novo governo liderado pelo PSOE, com Pedro Sanchez no cargo de Primeiro Ministro, articulou o restabelecimento de direitos trabalhistas que haviam sido suprimidos. O principal argumento apresentado foi também a necessidade de assegurar mínimas condições para a população trabalhadora e o reconhecimento oficial do fracasso da legislação restritiva, apresentada pelo governo conservador do Partido Popular (PP) em 2012, em promover a recuperação do nível de emprego.
Logo depois do “golpeachment” que retirou Dilma do Palácio do Planalto, Temer procurou ancorar a necessidade de sua reforma nas experiências daquele país europeu. Ele aproveitou, inclusive, a vinda do Primeiro Ministro espanhol, Mariano Rajoy, ao Brasil em 2017 para reafirmar que aquelas medidas eram a fonte inspiradora das propostas de flexibilização da CLT que seu governo havia encaminhado ao Congresso Nacional.
Ora, se não deu certo por lá e tampouco por aqui, nada mais natural do que acompanhar a mudança verificada na Espanha. E não se trata apenas de reparar uma injustiça histórica e restabelecer os direitos subtraídos ao conjunto da população assalariada e aos trabalhadores de forma geral. Revogar as mudanças perversas patrocinadas pelo financismo é também abrir as portas para a recuperação da demanda interna e permitir que o Brasil reencontre o caminho de um crescimento continuado e sustentado das atividades econômicas. Ao que tudo indica, parcelas crescentes do próprio empresariado estão aos poucos percebendo que não é mais possível apenas dar continuidade a modelos perpetuadores de exclusão e de desigualdade.
OIT alerta para necessidade de maior empenho dos governos.
Além disso, a própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), integrante do sistema das Nações Unidas, também tem alertado para a necessidade de os países adotarem políticas públicas mais incisivas para auxiliar no processo de recuperação do nível de emprego. De acordo com as informações constante no mais recente relatório apresentado pela entidade, o “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo – Tendências 2022”, a maioria dos países do mundo está enfrentando um momento de maiores dificuldades para retornar aos níveis pré-pandemia no que se refere à criação de postos de trabalho. A situação brasileira não é nada confortável e a entidade prevê que apenas em 2024 voltaríamos ao patamar de 2019. Para tanto, a implementação de políticas públicas de geração de emprego e um maior nível de articulação com entidades de empregados e empregadores torna-se essencial.
As eleições de outubro serão um bom momento para sinalizar na direção das mudanças necessárias. A realidade demonstrou que as “soluções mágicas” levadas a cabo desde 2015 revelaram-se uma verdadeira tragédia social e econômica. O resultado veio sob a forma de recessão, desemprego, aumento da miséria e da fome. Basta!
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