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Davos 2022 e a crise do sistema

 

Por: Edgar Isch | Créditos da foto: (Reuters) |Tradução: Victor Farinelli

Sabe-se que o Fórum Econômico Mundial de Davos permite descobrir quais são as preocupações das grandes fortunas e potências, embora de vez em quando haja convidados que queiram apresentar outra natureza. Não surpreende, portanto, que diante da crise multilateral do sistema, seu foco de atenção seja como salvar o capitalismo e ajustar as condições de exploração do ser humano e da natureza como um todo.

Há dois anos, instalaram o discurso de que os maiores problemas surgiram com a pandemia de covid-19, e começaram a preparar o “Grande Reset”, nome tecnológico que se referia à oportunidade que encontraram, ou pensaram encontrar, de ajustar e reiniciar o sistema capitalista em seu conjunto. Em todas as medidas propostas, considerou-se que era necessário atuar em conjunto, com propósitos que iam além dos interesses das transnacionais e do imperialismo. Desse anseio, claro, só podem ser cumpridos alguns objetivos específicos, em um mar crescente de ondas de disputa daqueles que tomariam o poder no mundo.

Em contrapartida ao Fórum de Davos, costumava ser apresentado o Fórum Social Mundial, que em 2021 comemorou 20 anos de existência, mas não como uma organização com um claro norte ideológico. A hegemonia das posições social-democratas e reformistas, que se mostram presas da crítica aos efeitos do capitalismo, sem propor uma saída do sistema que vá além do discurso, enfraqueceu essa instância e sua própria estrutura está em xeque.

Diante dessas realidades, a impossibilidade do Grande Reset não veio de forças que se opunham a ele, mas sim daquelas que promovem as lutas sub imperialistas, que se acentuam e até mostram músculos bélicos em territórios alheios. Quando estas entram em acordo, é mais uma demagogia em escala global, como as novidades nos discursos e acordos em torno das mudanças climáticas, enquanto se acentua a exploração de novas fontes de combustíveis fósseis.

Mas isso não significa que o uso prioritário do receituário neoliberal – embora, às vezes, em combinação com certas medidas keynesianas obrigatórias, como títulos de ajuda diante dos efeitos sociais da covid-19 – fará com que a concorrência global seja reduzida ou controlada, e que surja uma redefinição que considere interesses da maioria da população.

Perigos globais

Em janeiro deste ano, o Fórum de Davos foi realizado em sessões virtuais, para adiar sua reunião presencial por seis meses, devido à pandemia. No entanto, o que é dito lá é inquestionavelmente importante.

A expressão principal é a 17ª edição do “Reporte Global de Riscos 2022”. O documento informa que as situações mais graves estão em: eventos climáticos extremos, crise de emprego e desigualdade social, doenças infecciosas, deterioração da saúde mental, ataques cibernéticos e endividamento das nações. Também salienta que alcançar a coesão social, recuperar o emprego e alcançar a prosperidade serão tarefas que tardarão vários anos.

Como se vê, há uma multiplicidade de fatores que, se quiséssemos ir à raiz comum, encontraríamos o modo de produção e de vida capitalista. Isso, claro, não consta no relatório, em que a pandemia é considerada origem de todos os problemas mais importantes, enquanto qualquer outro problema, segundo os eufemismos neoliberais, não passa de mera distorção de mercado.

Mas a questão da coesão torna-se urgente, e quando esta não funciona, quando os trabalhadores e setores populares deixam de assumir como suas as mentiras do sistema, quando deixam de considerar que os interesses dos milionários são interesses sociais, aí o sistema vacila. Eles sabem bem que sem essa coesão só resta usar a repressão, mas inúmeras revoltas populares nos últimos anos mostram que suas capacidades de dominação também estão diminuindo nessa área.

Sem dúvida, foi isso que levou um grupo de cerca de 100 bilionários a fazer uma petição a Davos, pedindo que fossem mais tributados, imediata e permanentemente. Eles o fazem com certos argumentos “éticos”, mas respondem essencialmente à necessidade de unir a sociedade, de garantir que as pessoas tenham confiança no sistema. “A confiança – na política, na sociedade e uns nos outros – não se constrói em pequenas salas acessíveis apenas aos mais ricos e poderosos. Não é construída por viajantes espaciais bilionários que fazem fortuna com a pandemia, e que não pagam quase nada em impostos, além de fornecer baixos salários aos seus trabalhadores”, diz o texto da petição.

Aliás, eles não propõem deixar de ser extremamente milionários ou enfraquecer seu poder, apenas distribuir um pouco melhor a renda, para que o povo não exija tudo o que lhe pertence. Assim, podem esconder o fato de que 1% da população mundial possui mais de metade da riqueza do planeta.

Estados à beira do colapso

Por meio de uma extensa pesquisa de figuras de alta potência, o relatório também descreve, país por país, quais são os riscos imediatos mais visíveis. Destaca-se a existência, seja como ameaça número um ou número cinco, a possibilidade de colapso de certas áreas socioeconômicas e até o colapso total de alguns Estados. Isso seria fruto do conflito interno, da violação legal, da erosão das instituições, da possibilidade de um golpe militar ou da instabilidade regional ou global.

Um alerta claro de que não há tranquilidade nos fundamentos do sistema, mas também um chamado aos poderes para que cuidem de seus quintais – ou jardins de entrada, como disse recentemente Joe Biden ao se referir à América Latina, como se estivesse tentando dar ao subcontinente uma promoção na escala da servidão e da dependência.

Na América Latina, o colapso do Estado é visto como um problema de primeira ordem em vários países, entre eles: Bolívia (risco nível 5, o de menor perigo), Chile (nível 4º), Colômbia (nível 4), Costa Rica (nível 4), El Salvador (nível 2), Guatemala (nível 2), Honduras (nível 1), Nicarágua (nível 1), Paraguai (nível 5), Peru (nível 1), Venezuela (nível 1). Os gigantes Argentina, Brasil e México estão empatados no nível 3, o nível de risco médio.

Mas há outros fatores de riscos que não são menores e podem provocar o que chamam de colapso por conflitos sociais, como o colapso da previdência, que seria o principal risco no horizonte do Equador, por exemplo.

Os culpados do mal não podem curar o mundo

Nada, então, parece ser estável, nenhum país como ponta de lança de um capitalismo sem conflitos muito graves. O Fórum de Davos mostra que, embora existam opiniões diversas dentro dele, dificilmente gerará uma ação comum e abrangente. Para Xi Jinping, presidente da China e quem iniciou as intervenções dos chefes de Estado, há riscos específicos como inflação e os problemas de abastecimento, mas que a receita é mais globalização neoliberal, e que as outras potências não cruzem seu caminho para se tornar a nova grande potência.

Grandes corporações e países imperialistas estão na ofensiva para ganhar a corrida das grandes potências. Davos, seus relatórios e a maior parte das intervenções não dizem nada sobre isso, e sugerem que se trata de corrigir direções erradas. Em outras palavras, eles esperam que as soluções venham da “boa vontade” dos poderosos ou da “consciência” da gravidade de situações, como as mudanças climáticas. Isso é, pelo contrário, um caminho seguro para o agravamento das condições de vida, diminuindo as esperanças para o futuro da humanidade.

As ondas de greve nos países desenvolvidos, os protestos e a busca de alternativas políticas nos países dependentes, a polarização de classes no mundo, o ressurgimento do fascismo como última linha de defesa do sistema, entre outros indicadores, tudo isso mostra que não se pode esperar muito das pequenas mudanças. É no campo da luta de classes que se disputará o futuro dos povos e da humanidade.

 

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Davos-2022-e-a-crise-do-sistema/7/52597

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