Favorito nas eleições de domingo, Gustavo Petro incorporou o espírito plural e insurgente dos protestos de 2019. Reconectou-se com a juventude – e as lutas no campo e na cidade. Oferece novo horizonte político de justiça social e busca da paz
Por: Javier Castro Cruz e Jaime Bordel Gil | Tradução: Rôney Rodrigues
O Pacto Histórico, candidatura de esquerda liderada por Gustavo Petro e Francia Márquez, lidera todas as pesquisas e já começa com a vantagem de ter obtido excelentes resultados nas eleições legislativas de 13 de março. A esquerda nunca esteve tão perto de governar em um país muito conservador, no qual o sangrento conflito entre o Estado colombiano e a guerrilha travou as alternativas progressistas.
Hoje, porém, a sociedade colombiana mudou muito, e o programa da esquerda, centrado na redistribuição, na paz e no combate à corrupção, parece seduzir amplas camadas da população, especialmente os jovens. As acusações de guerrilheiros por parte da direita não têm mais o efeito de outrora e, paradoxalmente, a posição da esquerda em relação ao conflito armado tornou-se um de seus grandes trunfos diante da disputa eleitoral. A esquerda colombiana surgiu como a opção política mais seriamente comprometida com a paz, e seu compromisso com os Acordos de 2016 é o mais firme de todas as candidaturas apresentadas nas urnas neste domingo, 29 de maio.
Do outro lado do espectro político, a direita vive uma profunda crise que faz com que, pela primeira vez em anos, o uribismo não apresente candidato próprio nas eleições. A corrente política liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, à qual pertence o atual presidente Iván Duque, teve um mandato que seria melhor esquecer [para a direita], marcado por agitação social e protestos contínuos contra seu governo. Seus erros no governo da nação, somados a condenação de Álvaro Uribe por suborno de testemunhas e fraude processual, deixaram este espaço político em uma posição mais delicada do que nunca.
Nesse contexto, a candidatura liderada por Petro conseguiu oferecer um horizonte de mudança mais alinhado com as aspirações de paz e as demandas de justiça social que a sociedade colombiana vem reivindicando nas ruas nos últimos tempos.
21 de novembro: uma explosão que mudou tudo
O dia 21 de novembro de 2019 foi um marco na história da mobilização social na Colômbia. O que inicialmente começou como uma greve nacional, convocada pelas centrais sindicais contra as medidas econômicas neoliberais do governo Duque, logo se tornou em símbolo do descontentamento contra o governo. Diferentes movimentos organizados da sociedade, como estudantes, feministas, comunidades afrodescendentes, indígenas e camponeses, tomaram ruas e protagonizaram um ciclo de marchas massivas que duraram três semanas – e acenderiam o estopim de uma explosão social que ressurgiu com muito força em 2021, após os parênteses impostos pela pandemia.
Sanda Borda, autora do livro Parar para avançar, descreve como o caráter histórico das marchas reside na natureza multitudinária, diversa e inusitada da mobilização, fruto da profunda transformação da cultura política e do protesto social na Colômbia, construída durante o processo da Paz. O próprio dinamismo da mobilização permitiu integrar demandas infinitas como o combate à precarização dos jovens, a aplicação integral dos Acordos de Paz de 2016, a denúncia da violência contra lideranças sociais, a luta das mulheres ou os direitos das comunidades indígenas. Todo um mosaico de reivindicações que contribuíram para ativar politicamente a juventude, que já esteve muito presente durante os acordos e nas mobilizações que antecederam a rebelião. Esse fenômeno teve sua tradução na arena política e, como aconteceu no Chile com Gabriel Boric, os jovens são a faixa etária que mais apoia o Pacto Histórico. Um fator que pode ser fundamental para obter um bom resultado já no primeiro turno.
Uma das grandes virtudes do Pacto Histórico foi entender as mudanças que ocorreram na sociedade colombiana nos últimos anos, dando respostas a muitas das novas demandas que surgiram como resultado da insurgência social. De acordo com os últimos relatórios do Centro Latino-Americano de Estudos Geopolíticos (CELAG), a corrupção e a pobreza são os principais problemas do país para os colombianos, enquanto apenas 15% colocam o crime e o tráfico de drogas em primeiro lugar. Um contexto que claramente favorece uma esquerda excluída do poder há décadas e com um programa voltado para a redistribuição das riquezas e a redução das desigualdades sociais, em oposição a uma direita que foi muito desacreditada após o mandato de Iván Duque.
A crise da direita
A reativação da greve nacional em abril de 202,1 após o anúncio da reforma tributária, acabou consolidando duas tendências: a capacidade da esquerda de ampliar sua base eleitoral e o descrédito da direita uribista. Por um lado, a esquerda foi capaz de ampliar seu espaço, agregando as demandas socioeconômicas surgidas da mobilização dos setores populares; e por outro, a direita afundava cada vez mais em uma crise de projetos e de liderança que ainda não conseguiu resolver.
Esta crise se expressa na candidatura de Federico “Fico” Gutiérrez, um candidato sem partido que, apesar de receber o apoio do partido de Álvaro Uribe, tentou ser visto o menos possível junto com o ex-mandatário. Nessa linha estão alguns gestos como a eleição de Rodrigo Lara, eleitor do Sim no plebiscito [para o processo de paz com a guerrilha], como fórmula vice-presidêncial. E, paradoxalmente, a adesão de setores próximos ao ex-presidente Uribe poderia colocar em risco um dos principais objetivos da candidatura de Gutiérrez: conquistar o centro político. Se a direita quer ter alguma opção para governar, isso passa seduzir o esse centro que, em 2018, temeu votar em Petro e optou por Iván Duque.
O problema é que esta é uma missão mais complicada do que nunca para uma candidatura apoiada pelo uribismo, que não só teve um mandato econômico desastroso, mas também colocou todos os obstáculos que pôde à implementação dos Acordos de Paz de 2016. Os Acordos são uma questão complexa e recorrente à direita, pois foram um dos principais pontos de ruptura entre a corrente mais moderada e próxima ao ex-presidente Santos, que os impôs em seu governo, e outra que os considerava uma capitação à guerrilha, liderada por Álvaro Uribe. Portanto, esta será, sem dúvida, uma das questões em que Fico Gutiérrez se distanciará de Uribe e de seu clã, como se viu há algumas semanas quando declarou que seu governo cumprirá os Acordos de Paz.
A reta final da campanha, espera Fico Gutiérrez, será marcada por certo equilibrismo com o Centro Democrático, partido de Álvaro Uribe. Tentar não entrar na foto sem chutar esses setores — os quais ele também precisa para vencer — não será tarefa fácil. Terá também pela frente uma esquerda mais unida do que nunca, que busca romper um ciclo histórico e iniciar uma etapa de mudança no país.
Um pacto histórico
A construção de uma candidatura unitária não foi uma tarefa fácil para a esquerda colombiana. O Pacto Histórico nasceu de uma heterogeneidade imperfeita, como indica Luciana Cadahia, incluindo diferentes partidos e movimentos com o objetivo de assumir as aspirações de mudança na Colômbia. Longe de constituir um programa revolucionário, a coalizão liderada por Petro busca articular um bloco social capaz de consolidar a democracia e a paz no país. A reforma do modelo previdenciário, a promoção das reformas agrária e tributária, a melhoria da educação pública, o retorno ao sistema público de saúde ou o afastamento da indústria extrativa são alguns dos desafios em termos de igualdade e justiça social que enfrentará um possível governo progressista.
O desenvolvimento de lideranças sociais e étnicas, forjadas durante os acordos de paz nos territórios, foi outra das chaves para o sucesso do Pacto Histórico. O protagonismo concedido a essas figuras permitiu que a coalizão pudesse articular inúmeros setores e deixar de estar continuamente associada à guerrilha. Talvez o exemplo mais evidente seja o de Francia Márquez. A candidata a vice-presidente de Gustavo Petro tornou-se um verdadeiro fenômeno político após seu incrível resultado nas consultas interpartidárias. Embora sua liderança social e política tenha sido fortalecida na luta pelos direitos ambientais de sua comunidade sobre o território e na oposição às remoções forçadas, sua candidatura também conseguiu dar representatividade à luta dos movimentos feministas e antirracistas colombianos.
Esta heterogeneidade é hoje o grande trunfo que o Pacto Histórico possui. Poder representar uma série de lutas que vão desde a esquerda clássica até os movimentos feministas, antirracistas e ambientalistas. O Pacto Histórico aspira ser a voz das mil sensibilidades que anseiam por uma mudança pacífica na Colômbia.
Veja em: https://outraspalavras.net/estadoemdisputa/colombia-como-esquerda-reacendeuesperancas/
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