Em seguida à catástrofe de inundação do Vale do Ahr, que causou morte e destruição, o Estado prometeu ajudar as vítimas de forma rápida e sem burocracia. A repórter da DW confere o que aconteceu de fato neste um ano.
Por: Tessa Clara Walther |Créditos da foto: Tessa Walther/DW. Assim como para outros atingidos, trauma do desastre ainda pesa sobre Julia Heinrichs
Julia Heinrichs tem lágrimas nos olhos enquanto escuta a filha Marie-Daniela, de dez anos, contar sobre a noite da inundação no vale do rio Ahr, no oeste da Alemanha: “Por toda parte havia água escura. Quando chove agora, muitas vezes eu tenho medo. Aí as lembranças todas voltam.”
Ambas estão sentadas em cadeiras de acampamento no cascalho diante de sua casa na cidadezinha de Schuld. A onda que se abateu sobre o lugarejo na noite de 14 para 15 de julho de 2021 tinha mais de dois metros. O andar térreo de sua casa foi totalmente inundado. Heinrichs, sua filha e o primo desta se salvaram subindo no telhado da casa do vizinho.
Desde então, muito aconteceu. A mãe solteira de 31 anos e Marie-Daniela ficaram hospedadas com amigos, algumas localidades mais adiante. Desde maio, voltaram a morar em sua casa, com o pai de Julia. Ela reformou quase tudo sozinha: calafetagem do chão, assoalho laminado, placas de gesso.
“Aprendi um montão no último ano”, orgulha-se, acrescentando que a ajuda do Estado não foi muita, apesar de os danos da casa terem sido orçados em 175 mil euros. “Era para ser tudo sem burocracia, mas não é”, queixa-se.
Adeus à creperia
“Sem burocracia”: essa expressão não costuma provocar mais do que um riso cansado entre os habitantes do Vale do Ahr. Um ano após a catástrofe natural que provocou 180 mortes e destruiu milhares de casas nos estados de Renânia-Palatinado e Renânia do Norte-Vestfália, muitos se sentem abandonados com a própria desgraça.
Na cidade de Ahrweiler, com seu pitoresco centro histórico, antes polo turístico da região, as ruas podem ter sido liberadas da lama e destroços, mas muitas casas e estabelecimentos continuam desocupados. Um deles é a antiga Crep’chen.
O dono Charly Schafgans-Gülker abre a porta do que já foi uma creperia em estilo francês e mostra o chão de cimento puro. “Aqui ficava antes o balcão, com uma super máquina de café francesa. Agora foi tudo embora.”
Durante 13 anos ele manteve o local no coração de Ahrweiler, e no início estava cheio de esperanças de poder reabri-lo. Juntamente com o proprietário do prédio, apostou na ajuda estatal para poder reformar tudo. Porém pouco aconteceu: pelo lado de dentro, só há as estruturas nuas.
Nesse meio tempo, o gastrônomo desistiu: ele ainda tem 20 mil euros de dívidas para pagar, mas a Crep’chen não voltará a funcionar. Aos 71 anos, está vendo como juntar dinheiro, pois sua pensão de aposentado será modesta.
Ajuda in loco para os necessitados
Katharina Kläsgen conhece esses apuros bem demais. Ela é funcionária do banco de investimentos ISB da Renânia-Palatinado e dirige um dos centros de informações do Vale do Ahr para assistir os atingidos pela inundação a solicitarem ajuda e obterem subvenções.
Ela assegura que “em comparação com outros processos, por exemplo, para o auxílio na pandemia de covid-19, aqui é tudo mantido bem simples”. Claro que é preciso apresentar certificados e atestados, em nome da segurança, pois, afinal, trata-se de muito dinheiro.
Kläsgen pediu licença do emprego expressamente para poder colaborar no centro de informações. Ela calcula: uma família sem seguro que tenha perdido todo o mobiliário pode obter auxílio de 28.500 euros do ISB. Caso não baste, é possível pedir ajudas adicionais da organização católica Cruz de Malta ou da Diaconia luterana.
Como não se trata de um empréstimo, as quantias não terão que ser reembolsadas. Tudo é financiado com verbas públicas: pouco após a catástrofe, as duas câmaras do Legislativo alemão estabeleceram um fundo extraordinário de 30 bilhões de euros para apoiar a recuperação de municípios e famílias.
No entanto, para muitos, sobretudo os mais idosos, o processo de requerimento exclusivamente online é complicado demais. No momento, um aposentado se encontra no escritório da funcionária de 30 anos, no salão da congregação da igreja de Schuld: seu trailer se perdeu na enchente e ele gostaria de solicitar ajuda, mas não tem computador.
Persistência e sonhos transformados
Segundo o website do ISB, o banco de investimentos aprovou cerca de 10 mil pedidos de ajuda de pessoas físicas para recuperação, com ajuda do fundo extraordinário. Isso equivale a mais de 90% dos requerimentos, chegando a quase 350 milhões de euros. Para pessoas jurídicas, foram mais de 200 milhões de euros.
No entanto, apenas uma fração desses totais foi transferida aos solicitantes, pois só os primeiros 20% são pagos sem apresentação de comprovantes. Esse é um grande problema para Julia Heinrichs e família: logo após a enchente ela recebeu ajuda imediata, depois, pelo ISB, os primeiros 20% dos danos. Agora precisa que operários e peritos lhe apresentem orçamentos e faturas, para pouco a pouco receber o resto da quantia.
Contudo no momento é difícil encontrar mão de obra especializada na região. O trauma pessoal que ela ainda sofre – assim como muitos atingidos – também dificulta a busca de ajuda financeira e de trabalhadores.
No último ano ela funcionou, movida pela adrenalina. Mas agora, com a aproximação do primeiro aniversário da catástrofe, as emoções tomam conta: “De noite estou deitada na cama, as imagens voltam, e também as lágrimas.”
Apesar de tudo, não pretende desistir, e acaba de obter a licença para dirigir caminhões: “Sempre foi o meu sonho transportar pedras e entulho”, afirma, apontando para os muitos prédios ainda abandonados à volta. Um sonho que, após a tragédia do ano passado, ganhou todo um outro significado.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/um-ano-ap%C3%B3s-a-enchente-no-oeste-da-alemanha-o-que-se-fez/a-62462694
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