Lançamento da Editora UNESP reúne ensaios clássicos do teórico da economia solidária. Nos textos, sua visão do socialismo como “utopia militante” e como colocá-la em prática. Apoiadores de Outras Palavras concorrem a 3 exemplares
Por: Guilherme Arruda
O economista e histórico militante Paul Singer, falecido em 2018, teve toda uma vida de contribuições inestimáveis para a esquerda brasileira. Principal impulsionador da concepção de economia solidária, que deu fundamento teórico à mobilização de milhares de cooperativas rurais e urbanas, fábricas recuperadas e iniciativas de economia popular nas últimas décadas, ele foi um homem de partido que jamais perdeu de vista o horizonte estratégico da política. Da militância no PSB histórico nos anos 40 e 50 às décadas que dedicou à construção do PT, Singer sempre defendeu que os passos que damos nas lutas devem convergir para um objetivo último determinado – a construção do socialismo.
Em comemoração aos 90 anos de seu nascimento, nossos parceiros da Editora UNESP lançam neste ano Uma utopia militante – três ensaios sobre o socialismo, coletânea de escritos de Paul Singer sobre a temática da nova sociedade justa, solidária e democrática que está por ser construída. Organizada por seus filhos, o cientista político e professor da FFLCH-USP André Singer, a jornalista Suzana Singer e a socióloga Helena Singer, a edição abarca o estudo Uma utopia militante: repensando o socialismo, o pequeno livro O que é socialismo hoje e a conferência Economia socialista.
Publicado originalmente em 1998, quando o economista de origem austríaca dava aulas na Faculdade de Economia e Administração da USP, o primeiro texto da coleção opera uma recuperação histórica extremamente abrangente de questões como revolução, capitalismo e socialismo. Inserido no contexto das reformulações de pensamento motivadas por eventos como o fim da maior parte das experiências do socialismo real e o advento do neoliberalismo, Uma utopia militante: repensando o socialismo regride três, quatro séculos para investigar as origens políticas (as primeiras revoluções modernas) e econômicas (as inovações técnicas da Revolução Industrial) do modo de produção capitalista.
Partindo disso, Singer mapeia o desenrolar dos embates entre capital e trabalho desde então, refletindo sobre a eficácia de ferramentas como partidos, sindicatos e, especialmente, cooperativas, na reação dos oprimidos. De forma instigante, o autor aposta nas ocupações – tão próprias da luta de classes do Brasil de hoje – , com vistas à criação de cooperativas e unidades produtivas autogestionárias nelas, como tática para a construção de “uma alternativa viável ao capitalismo”. A partir daí, diz ele, “um novo modo de produção pode se desenvolver, este capaz de competir com o modo de produção capitalista”.
Outro escrito inspirado pelos debates sempre vivos acerca das possibilidades históricas do socialismo é o segundo ensaio da obra, denominado O que é o socialismo hoje. Aqui, Paul Singer se põe em diálogo crítico com as outras concepções de socialismo em voga na época – o texto foi idealizado em 1978, durante uma estadia do autor na Índia –, expondo seus problemas e limitações. Retomando linhas de pensamento de Marx, Engels e Lênin, o autor discute o papel de princípios como a igualdade, a liberdade e o desenvolvimento das forças produtivas na construção da sociedade socialista em seu tempo e nas novas formas de luta pelo socialismo que se mostravam incipientes naquele momento.
Por fim, o novo volume da Editora UNESP transcreve o conteúdo da conferência Economia socialista, proferida por Singer na ocasião dos Seminários Socialismo e Democracia organizados pelo Partido dos Trabalhadores em 2000. Apresentada por Lula e prefaciada por Antonio Candido, sua reflexão confronta as visões clássicas sobre centralização, autogestão, planejamento e mercado no socialismo, terminando por sugerir elementos iniciais para a organização econômica socialista do futuro. A edição se completa com os comentários e intervenções de João Machado, Aldo Fornazieri, Eduardo Suplicy, Max Altman, Arlindo Chinaglia, Fernando Haddad, José Genoíno e, novamente, Lula.
Em medida provisória editada ainda no primeiro dia de seu governo, Jair Bolsonaro extinguiu a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), proposta por Singer e materializada por conquista histórica dos movimentos da área. O próprio havia sido responsável pela pasta durante 13 anos. O legado de sua luta, por outro lado, não pode ser extinto na base da canetada: a bem-vinda reedição da obra singeriana pela Editora UNESP traz novo fôlego para a revisão de seu pensamento, que deve ser de alvo de novas leituras e interpretações que a permitam ser útil para as tarefas de nosso momento histórico.
Veja em: https://outraspalavras.net/blog/em-livro-o-original-socialismo-de-paul-singer/
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