Clipping

Seis experiências recentes da esquerda na América Latina

As experiências com a nova onda progressista já incluem enormes esperanças, grandes desilusões e múltiplas incertezas

Por: Claudio Katz

A existência de um novo mapa político na América Latina marcado pelo predomínio de governos progressistas é um fato indiscutível. A predominância de administrações deste tipo em 80% da região suscita grandes debates sobre o perfil de um ciclo renovado de centro-esquerda.

A dinâmica deste processo é mais compreensível pela substituição do termo rígido “ciclo” pela noção mais flexível de “onda”. Este conceito conecta o tipo de governo predominante com os resultados da luta popular. A primeira sequência progressista de 1999-2014 foi sucedida pela restauração conservadora de 2014-2019, que, por sua vez, levou, nos últimos três anos, ao reinício do processo anterior (García Linera, 2021).

 

Inimigos de maior voltagem

A novidade do cenário atual é a participação de um protagonista centroamericano de peso (México), e outro de grande influência política (Honduras), numa direção que se localizava exclusivamente na América do Sul na fase anterior. Em alguns casos, os novos líderes tomaram posse como resultado de insurreições populares, que tiveram tradução eleitoral imediata. Os governos da Bolívia, Peru, Chile, Honduras e Colômbia emergiram no calor destas revoltas de rua.

Em outras situações, o descontentamento social convergiu com a crise, o despropósito dos presidentes de direita e a incapacidade do establishment em posicionar seus candidatos (Brasil, Argentina, México). Por sua vez, em dois contextos de enorme resistência popular, a mobilização de rua não desembocou nas urnas (Equador), nem permitiu a superação de um cenário caótico (Haiti).

O fracasso de todos os governos neoliberais ordena esta variedade de contextos. A restauração conservadora que tentou enterrar a experiência progressista não conseguiu concluir essa sepultura. Mas, ao contrário do ciclo anterior, os direitistas perderam um round, sem ficarem de fora do ringue por tempo duradouro. Seguem na corrida, redobrando suas apostas, com formações mais extremas e projetos mais reacionários. Estão competindo lado a lado com o progressismo pela futura primazia governamental. Continuam sendo referenciados no trumpismo estadunidense, enquanto a vertente de Joe Biden começou a jogar suas cartas com alguns expoentes do progressismo.

A vitalidade desta contraofensiva latente da direita regional introduz uma diferença ubstancial em relação ao ciclo anterior. Basta observar a polarização da maior parte das eleições entre o progressismo e a extrema-direita para perceber este novo cenário. A primeira força derrotou (até agora) por estreita margem a segunda nas eleições presidenciais, mas não nas eleições subsequentes ou nas eleições intermediárias. Prevalece apenas um equilíbrio frágil, o que induz à cautela na avaliação do alcance da onda progressista atual.

Esta prudência estende-se a outros níveis. Os porta-vozes da direita desqualificam obviamente o ciclo atual devido ao seu interesse óbvio em oporse ao adversário. É por isso que falam de uma “maré rosa fraca e pouco profunda” (Oppenheimer, 2022). Mas os apoiadores deste processo também destacam a ausência de liderança comparável à fase anterior (Boron, 2021) e enfatizam o caráter fragmentado de um processo sem homogeneidade na economia e na política externa (Serrano Mancilla, 2022).

As fortes respostas de Nicolas Maduro aos questionamentos de Gabriel Boric sobre o regime venezuelano ilustram a ausência de um bloco unificado. Alguns analistas vêem nesta brecha a estreia de uma “nova esquerda antipopulista”, que emergiria superando a imaturidade do período anterior (Stefanoni, 2021). Mas, com maior realismo, outros avaliadores salientam a continuidade de um antigo perfil social-democrata em tensão duradoura com os processos radicais (Rodríguez Gelfenstein, 2022).

A centro-esquerda moderada deu até agora o tom para a onda em curso. Repete mensagens de harmonia e conciliação, face a uma direita extrema e brutal, que procura canalizar o descontentamento social com discursos e ações mais contundentes. Este progressismo light tende a ficar deslocado, num cenário distante de suas expectativas e práticas atuais (Aharonian, 2022).

Os dois líderes progressistas mais recentes chegam ao governo com trajetórias diferentes, mas cercadas pelas mesmas expectativas. Gustavo Petro é o primeiro presidente desse tipo na Colômbia e Lula inicia seu terceiro mandato, após a terrível noite sofrida no Brasil com Jair Bolsonaro.

Outra figura de grande peso regional como López Obrador – que já ultrapassou boa parte de sua administração à frente do México – mantém sua credibilidade. No lado oposto, o governo de Alberto Fernández é sinônimo de fracasso na Argentina, as políticas de Gabriel Boric suscitam frustração no Chile, e antes de sua derrubada, Pedro Castillo acumulou um recorde de fracassos no Peru. Estas seis experiências ilustram os problemas do novo progressismo na América Latina.

 

Saiba mais em: https://katz.lahaine.org/b2-img/SeisexperinciasrecentesdaesquerdanaAmric.pdf

 

 

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