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Joice Berth: ‘O urbanista do Brasil é o capital. Nossa cidadania é mutilada’

A arquiteta e urbanista explica, em seu novo livro, como a construção das cidades geraram exclusão e continuam tolhendo direitos.

Por: Camila da Silva | Entrevista com: Joice Berth | Créditos da foto: Reprodução/TEDx

Em plena luz do dia, um entregador negro foi chicoteado no Rio. Na capital paulista, moradores de rua tiveram suas barracas removidas das calçadas pela prefeitura. A violência e a inexistência de qualidade de vida são denominadores comuns.

As estruturas que dão base a esta e outras questões que envolve o direito de acesso à cidade, foi pesquisado por mais de dez anos, pela arquiteta e urbanista Joice Berth, e agora exposto em seu novo livro, “Se a cidade fosse nossa”, da editora Paz e e Terra.

 

A obra é a segunda da carreira de Berth, que também é curadora e psicanalista, mas a primeira sobre urbanismo.

“Existe uma linha divisória nas cidades que coloca sim a negritude de um lado e a branquitude do outro, e isso é dado pelo fator econômico, o fator econômico define a cidade”, afirma. “O urbanista do Brasil é o capital que foi definido”

A partir de projetos de grandes nomes do urbanismo, como Lina Bo Bardi e Diébédo Francis Kéré, junto às referências de Milton Santos e Lélia Gonzalez, Berth explica como as raízes históricas de construção da cidade são responsáveis pela exclusão.

“A gente foi construído como sociedade brasileira, a partir da questão racial, da questão de gênero e da questão de classe social. Então se isso está como uma construção da sociedade porque que não estaria no território, na divisão das cidades, na definição do nosso ir e vir?“, questiona a escritora.

CartaCapital, ela conta em primeira mão alguns dos assuntos tratados no livro, que será lançado em 3 de julho.

 

 

 

CartaCapital: Por que a cidade não é nossa? Quem consegue usufruir plenamente do território urbano?

Joice Berth: “Se a cidade fosse nossa”, nós não teríamos problemas históricos que nunca foram abordados com profundidade: questões referentes à raça, ao gênero, que são formadores que a gente vê na sociedade.

Fomos construídos como sociedade a partir da questão racial, da questão de gênero e da questão de classe. Se isso está como uma construção da sociedade porque que não estaria no território, na divisão das cidades, na definição do nosso ir e vir?

Eu parto muito de Milton Santos quando ele fala sobre cidadania mutilada. Milton Santos abre o caminho para esse entendimento de que [no capitalismo] só podemos ser cidadãos ou cidadãs de fato caso sejamos donos da cidade. Se não somos donos, não somos cidadãos e cidadãs, a gente tem uma cidadania mutilada.

CC: Tivemos um projeto em São Paulo que colocou blocos nos viadutos para impedir que a população de rua deitasse ali. Mais recentemente, retiraram as barracas dessas pessoas das calçadas. Esses episódios podem ser vistos como consequência desse processo?

JB: O fato de existir pessoas em situação de rua, já é uma prova cabal que encerraria o assunto. Como pode uma cidade que produz tantas riquezas ter pessoas que não têm onde morar?

Temos de um lado uma pessoa que tem 10 imóveis, ela pode construir 10 casas e não precisa morar em nenhuma dessas casas. Do outro lado você tem pessoas que simplesmente dependem de albergue da prefeitura para poder passar uma noite de sono.

Quando você pensa nessa questão da arquitetura hostil, da pessoa não tem casa e ela tem que se abrigar, tenta encontrar um abrigo e para ela sobrou ali embaixo de um viaduto ou no toldo de um banco, de um estabelecimento comercial qualquer e mesmo assim ela não pode ficar ali, não pode sentar para tomar um copo d’água, para descansar um pouco porque colocam barreiras ali. Então isso sim é com certeza um indicativo de que a cidade de fato não é nossa.

 

Saiba mais em: https://www.cartacapital.com.br/entrevistas/joice-berth-o-urbanista-do-brasil-e-o-capital-nossa-cidadania-e-mutilada/

 

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