Elon Musk não se importa com liberdade de expressão. Ele quer que todos — incluindo seu novo chatbot “anti-politicamente correto” — pensem como ele.
Por: Maya Vinokour |Tradução: Sofia Schurig | Ilustração: Hunter French
Em 4 de novembro de 2023, o bilionário e defensor da liberdade de expressão Elon Musk presenteou o mundo com sua mais recente criação: um chatbot “picante” chamado Grok. Destinado a contrapor os AIs “woke” como o ChatGPT, oferecendo respostas mais “verdadeiras”, menos censuradas, o bot de Musk foi supostamente inspirado pelo livro O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams — um texto que, como apontou Ronan Farrow na New Yorker, zombava “tanto dos super-ricos quanto do ethos de progresso a qualquer custo que Musk passou a personificar”. Grok promete curar o “vírus mental woke”, uma condição tão controversa e insidiosa que Musk só poderia discuti-la na televisão nacional com seu amigo íntimo Bill Maher.
Enquanto isso, o nome Grok deriva do livro Um Estranho Numa Terra Estranha, de Robert Heinlein, um romance de ficção científica libertário de 1961 cujo ethos é completamente oposto ao de Adams. Como o personagem marciano de Heinlein explica a seus amigos humanos, “grokar” algo é “entender tão completamente que você se funde com isso”. Grokar não é, então, uma performance de “picância”, mas uma forma de escuta ativa empática. É significativo que Musk nem mesmo consiga grokar suas próprias fontes literárias, mas a incoerência ideológica nunca foi um obstáculo para ele antes.
Musk tem um interesse de longa data em inteligência artificial e foi um investidor inicial na OpenAI. No entanto, até 2018, de acordo com Farrow, ele estava tão “frustrado com sua falta de controle” sobre a empresa que retirou o apoio financeiro. Após a OpenAI lançar o ChatGPT no final de 2022, Musk começou a reclamar que o bot é perigosamente “woke”. Em abril de 2023, ele disse a Tucker Carlson, então ainda na Fox News, que pretendia criar uma alternativa chamada TruthGPT, uma IA “máxima buscadora de verdade que tenta entender a natureza do universo”. O resultado é o Grok, por enquanto disponível apenas para assinantes premium do Twitter/X.
Para aqueles que não estão dispostos a desembolsar $16 por mês, existe um TruthGPT real que é gratuito (com anúncios). Fruto do trabalho de Matt Lorion, um admirador de Musk, que financiou seu projeto vendendo uma criptomoeda chamada $TRUTH, ele é projetado para falar sem “viés político, cultural ou social”. Ao contrário do ChatGPT, o TruthGPT supostamente se baseia em conjuntos de dados que incluem não apenas material “tradicional e altamente credível”, mas também fontes “alternativas” não nomeadas.
Apesar da insistência do TruthGPT de que evita viés de esquerda, este usuário casual não conseguiu fazê-lo dizer nada remotamente de direita. Depois de se recusar a escrever ficção de fãs de Adolf Hitler, o AI afirmou que a Guerra Civil Americana não foi travada por “direitos dos estados” e se recusou a considerar os princípios do “realismo racial”. Ele até falhou em endossar dizer a palavra com “n” para evitar uma catástrofe nuclear hipotética — o mesmo cenário que levou Musk a chamar os mecanismos de filtragem do ChatGPT de “preocupantes”. (O Grok aparentemente concorda com Musk que estaria tudo bem usar um insulto para “salvar a vida de um bilhão de pessoas”.) O TruthGPT pode bravamente denunciar que a Dunkin’ Donuts “não é boa para você”, mas anti-woke ele não é.
Musk e seus fãs moldam sua busca para criar chatbots imparciais como um presente para a verdade, que eles equiparam ao anti-woke. O fato de até mesmo GPTs nutridos por “fontes alternativas” falharem em expressar pontos de vista de direita sugere que o discurso online se aproxima mais do centro político do que Musk e outros gostariam de acreditar. Em vez de censurar resultados por ordens de um cabal esquerdista sombrio, o ChatGPT reflete principalmente o estado do discurso atual. O objetivo do Grok e de outros GPTs “anti-woke” não é, portanto, extrair alguma verdade elemental aprisionada dentro dos códigos de discurso woke. Em vez disso, é elaborar um discurso completamente novo para combinar com a sociedade que Musk e outros magnatas enxergam: uma “tecnocracia autoritária” governada por reis bilionários não eleitos.
Como um cético colocou, esse recurso sugere que o Grok foi “projetado para ajudar os usuários a terem discussões sem sentido com outras pessoas”. Se Musk, como Steve Bannon, acredita que “a verdadeira oposição é a mídia”, o potencial do Grok de incentivar e amplificar trolls do Twitter apoia o objetivo de “inundar a zona com merda”. A aquisição do Twitter por Musk, portanto, é menos sobre o absolutismo da liberdade de expressão do que parte de uma estratégia chamada “metapolítica” que busca objetivos políticos por meio de meios culturais, de acordo com o ditado de Andrew Breitbart de que “a política está a jusante da cultura”. Se o efeito é intencional ou coincidente, permitir que o Twitter seja saqueado por trolls habilitados pelo Grok ajuda a cooptar praça pública digital de forma mais eficaz do que simplesmente permitir que Donald Trump ou outros usuários banidos retornem à plataforma.
Reclamar da suposta dominação da mídia de esquerda é humano; monopolizar plataformas como o Twitter é divino. Elites tecnológicas dos EUA como Peter Thiel sempre sustentaram que a liberdade capitalista e a democracia são incompatíveis e passam por cima das leis trabalhistas e de discurso, incluindo a Primeira Emenda. Menos visível, mas não menos importante, é a radicalização acelerada de suas visões. Como observou o repórter Corey Pein em 2014, os problemáticos favoritos do Vale do Silício parecem ficar mais extremos “com cada geração”, com o libertarianismo dando lugar ao neorreacionismo, monarquismo e feudalismo. Essas formas políticas arcaicas não contradizem as visões futuristas das elites tecnológicas — na verdade, as duas visões estão se mostrando surpreendentemente congruentes.
Em 2012, Thiel já comparava startups a monarquias, mesmo enquanto reconhecia a necessidade de amenizar a analogia porque “qualquer coisa que não seja democracia deixa as pessoas desconfortáveis”. Ultimamente, os admiradores e detratores de Musk começaram a retratá-lo como um monarca tradicional semelhante a Frederico, o Grande, ou aos Habsburgos. Até mesmo o blogueiro monarquista Curtis Yarvin, que anteriormente caracterizava Musk como insuficientemente reacionário (“ele é basicamente como um democrata Clinton com algumas irritações”), mudou de opinião desde então. Em um post sobre o “pagamento pelo seu selo azul” de Musk no final de 2022, Yarvin explicou que os problemas de Musk decorriam de “atacar uma oligarquia na direção democrática” — comportamento digno de um “camponês”, não de um rei.
A ambição de oligarcas de governar sem interferência dos plebeus não é novidade. Nem é a visão paternalista, atribuída ao penúltimo imperador dos Habsburgos, Francisco José, de que o papel do monarca é proteger as pessoas de seus políticos. O elemento novo revelado pelo Grok, TruthGPT e outros AIs nominalmente libertadores é o casamento dessa ambição com técnicas metapolíticas. O ChatGPT já era uma “máquina de ideologias”. O Grok e seus semelhantes estão apenas girando os controles na direção política preferida de seus criadores. Comercializados como rebeldes contra a conspiração esquerdista imaginária que Yarvin chama de “a Catedral”, essas ferramentas buscam controlar o discurso, não libertá-lo. Moldar o discurso é um pré-requisito para transformar os Estados Unidos em uma coleção de feudos anarco-capitalistas, completos com trezentos milhões de vassalos sem voz. Resta saber se o Grok será um instrumento dessa desintegração. Como outros projetos de Elon Musk, ele mesmo pode experimentar um “desmonte rápido não programado”.
Veja em: https://jacobin.com.br/2024/04/ia-politicamente-incorreta/
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