Eleito presidente em 2016 prometendo massacrar usuários de drogas e criminosos, Rodrigo Duterte chegou a se comparar a Hitler ao liderar repressão que resultou na morte de milhares de filipinos.
Por: Jean-Philip Struck | Crédito Foto: Bullit Marquez/AP Photo/picture alliance. Duterte (à dir.) em 2018. “Esqueçam as leis sobre direitos humanos”, disse político filipino dois anos antes, quando concorreu à Presidência
Quando liderou sua primeira campanha à Presidência das Filipinas, em 2016, Rodrigo Duterte provocou espanto internacional ao se gabar de ter pessoalmente cometido assassinatos e por “lamentar” que não teve a chance de estuprar uma missionária australiana morta em 1989 por presidiários em fuga na cidade de Davao, quando ele ocupava a prefeitura local.
No mesmo ano, Duterte deixou claro que pretendia lançar uma brutal campanha nacional de repressão ao tráfico e ao uso de entorpecentes, chegando a se comparar com o ditador nazista Adolf Hitler, ao afirmar que, assim “como Hitler massacrou milhões de judeus”, ele “seria uma pessoa feliz” se pudesse massacrar “milhões de usuários de drogas”.
“Esqueçam as leis sobre direitos humanos. Se eu chegar ao palácio presidencial, farei exatamente o que fiz como prefeito. Traficantes de drogas, assaltantes e inúteis, é melhor vocês sumirem. Porque eu os matarei”, disse ele durante a campanha, prometendo ainda que seu governo pretendia matar tantas pessoas que as funerárias do país iam prosperar como nunca.
Como prefeito de Davao, a terceira maior cidade das Filipinas, em diversos mandatos entre o final dos anos 1980 e os anos 2000, Duterte já tinha ganho fama no país por governar de forma brutal. Nesse período, segundo organizações de direitos humanos, ele organizou esquadrões da morte contra traficantes, crianças de rua e até mesmo jornalistas críticos do seu mandato.
Ao ser eleito presidente em 2016, Duterte expandiu a fórmula adotada em Davao. Sua “guerra às drogas” nacional que se estendeu até 2022, deixou cerca de 6 mil mortos em operações antidrogas e execuções extrajudiciais, segundo dados da própria polícia filipina, embora organizações não governamentais locais estimem o número em mais de 30 mil.
Agora, já na posição ex-presidente, Duterte, de 79 anos, foi preso nesta terça-feira (11/03) pela polícia do país asiático depois que se tornou alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), que o acusa de crimes contra a humanidade.
Governo marcado por assassinatos
Com sua retórica violenta e provocativa, Duterte foi eleito presidente das Filipinas em maio de 2016, após conquistar 38,5% dos votos. Ele não demoraria para colocar em prática suas promessas. Horas após tomar posse como presidente, Duterte visitou uma favela da capital, Manila, e pediu aos moradores que matassem vizinhos que usassem drogas. “Essa campanha de atirar para matar permanecerá até o último dia do meu mandato. Não me importo com os direitos humanos, acredite em mim”, disse ele.
No mesmo ano, com a ascensão de Donald Trump na corrida presidencial dos EUA, Duterte começou a ser chamado internacionalmente de “Trump do Oriente” por causa da retórica anti-establishment similar a do americano.
No final de 2016, a “guerra às drogas” de Duterte já caminhava a todo vapor no país. Sob sua direção, a polícia filipina matou oficialmente mais de 2 mil pessoas entre a posse do presidente, em 30 de junho, até 31 de dezembro de 2016.
ONGs de direitos humanos apontaram que muitas dessas mortes foram na realidade executadas por esquadrões da morte sob os auspícios do governo e que o número real de mortes era muito maior. Segundo ativistas, a repressão não atingiu apenas traficantes e membros de gangues, mas também milhares de usuários de drogas que morreram em circunstâncias misteriosas.
As famílias de alguns dos mortos mais tarde exumaram os corpos, às vezes acompanhados por jornalistas e compararam os restos mortais com os atestados de óbito emitidos pelas autoridades.
Dezenas de casos eram claramente de mortes violentas, mas os atestados de óbito registraram como causas naturais. Em um caso, o atestado de óbito listou pneumonia como a causa da morte, embora o corpo exumado tivesse um buraco de bala no crânio.
Mas a repressão e o número de mortes não abalaram a popularidade de Duterte. Uma pesquisa de opinião publicada pela Social Weather Stations em dezembro de 2016 mostrou que 77% dos filipinos estavam satisfeitos com o desempenho do então presidente.
Quando Duterte deixou o cargo em 2022, o governo filipino contabilizava oficialmente 6.248 mortes devido à campanha antidrogas, mas ONGs e ativistas apontaram que os números reais podem ter chegado até 30 mil.

Na mira do TPI
Em abril de 2017, uma queixa foi apresentada por um advogado perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) acusando Duterte e 11 outras autoridades de crimes contra a humanidade no âmbito da “guerra às drogas”. Em resposta, no início de 2018, a então procuradora-chefe do TPI, Fatou Bensouda, começou a examinar as acusações. Isso fez com que Duterte, em março de 2018, iniciasse a retirada das Filipinas do TPI, que entrou em vigor um ano depois, em março de 2019.
No final de 2021, o governo de Duterte fez movimentações para suspender a investigação, alegando que as autoridades filipinas estavam investigando as mesmas alegações e dizendo que o TPI não tinha jurisdição. No entanto, em julho de 2023, os juízes do TPI decidiram que a investigação poderia ser retomada e rejeitaram as objeções do governo Duterte, argumentado que a jurisdição do tribunal se mantinha para o período em que as Filipinas foram signatárias do TPI.
Com sede em Haia, na Holanda, o TPI pode intervir quando os países não querem ou não podem processar os suspeitos dos crimes internacionais mais graves, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. No momento, outros líderes também são alvos de ordens de prisão pelo tribunal, notadamente o presidente russo, Vladimir Putin, e o premiê israelense, Benjamin Netanyahu.

Pós-Presidência e briga com dinastia rival
Duterte deixou a Presidência filipina em 2022, com índices de aprovação superiores a 70% em diversas pesquisas. De acordo com a Constituição filipina, ele não poderia concorrer à reeleição.
Na reta final do seu governo, ele formou uma aliança política com a dinastia política dos Marcos, que havia governado com mão de ferro as Filipinas entre 1965 e 1986. Na eleição daquele ano, Sara, sua filha que ocupava a prefeitura de Davao, se lançou como candidata a vice-presidente na chapa liderada por Ferdinand Marcos Jr., conhecido como “Bonbong” e filho do ex-ditador e cleptocrata Ferdinand Marcos.
A chapa foi bem-sucedida e conquistou 58,8% dos votos. Bongbong Marcos e Sara Duterte assumiram a Presidência em 30 de junho daquele mesmo ano. Sara ainda passou a acumular o cargo de ministra da Educação. Paralelamente, Duterte conseguiu emplacar outro filho, Sebastian, como prefeito de Davao.

Mas o convívio entre as duas dinastias políticas não seria calmo, e logo os Marcos e Dutertes começaram a se desentender publicamente, especialmente em temas como o orçamento destinado ao escritório da vice-presidência. No poder, Marcos Jr. também começou a reverter várias políticas do seu antecessor, notadamente criticando publicamente a “guerra às drogas” e se reaproximando dos EUA, quando Duterte havia favorecido uma política pró-China.
Em abril de 2024, o rompimento começou a se desenhar quando Rodrigo Duterte chamou publicamente Marcos Jr. de “viciado em drogas”. Em junho do mesmo ano, Sara se demitiu do cargo de ministra, mas permaneceu como vice. No mesmo ano, a disputa tomou um rumo dramático quando, em uma entrevista coletiva transmitida ao vivo, Sara disse que havia conversado “com uma pessoa” para “matar” o presidente Marcos e a primeira-dama do país caso ela fosse vítima de uma tentativa de assassinato. Mais tarde, ela disse que não estava de fato planejando assassinar o presidente, mas a fala rendeu uma intimação pela polícia – que ela ignorou.
Em dezembro de 2024, com o rompimento entre as dinastias solidificado, Sara passou a ser alvo de uma série de pedidos de impeachment no Congresso filipino, sob a acusação de desvios de verbas da vice-presidência, conspiração para cometer assassinato, enriquecimento ilícito e envolvimento na campanha de execuções da “guerra às drogas” de seu pai. Em fevereiro, a Câmara aprovou a instauração do processo para destituir a vice. O deputado Sandro Marcos, filho do presidente, foi o primeiro a assinar o pedido. Por enquanto, Sara permanece no cargo até uma votação final no Senado.
Prisão
Em meio à erosão da influência da sua filha no governo, Rodrigo Duterte também entrou novamente na mira do TPI. Rumores de que ele seria preso começaram a circular em Manila antes mesmo da divulgação oficial da ordem do TPI.
Duterte acabou sendo preso nesta terça-feira pela polícia filipina no Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Manila, ao chegar de Hong Kong. A prisão ocorreu depois que o escritório da Interpol em Manila recebeu na manhã desta terça a cópia oficial do mandado de prisão do TPI, segundo informou o gabinete do atual presidente filipino, Ferdinand Marcos Jr., em comunicado.
A prisão provocou tumulto no aeroporto, onde advogados e assessores de Duterte protestaram contra o fato de que eles, juntamente com um médico e advogados, terem sido impedidos de se aproximar do político depois que ele foi levado sob custódia policial.
Ao ser detido, Duterte alegou que foi transferido para a base “contra” sua própria vontade e questionou os motivos de sua detenção pela polícia filipina, dizendo que não lhe foram informadas as razões de sua prisão. “Qual é a lei e qual é o crime que cometi?”, perguntou Duterte da Base Aérea de Villamor, para onde foi levado após ser preso.
Analistas apontaram que a prisão de Duterte só foi possível graças ao distanciamento entre o atual presidente e sua vice, Sara, filha do ex-presidente Duterte. Após a prisão, Sebastian, o filho de Duterte que atualmente ocupa a prefeitura de Davao, chegou a acusar o governo Marcos de fazer uma “manobra política” para destruir seu pai com a detenção.
Após a prisão, fontes policiais disseram que o ex-presidente será levado para Haia, cidade sede do TPI.
Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/quem-%C3%A9-duterte-e-como-foi-a-guerra-%C3%A0s-drogas-nas-filipinas/a-71888377
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