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Três projetos para o pós-pandemia

Neoliberais querem “voltar ao normal”, mas terão enorme dificuldade. Agora, além de crise, há ressentimento e ira. Na Europa, ultradireita veste máscara “social”. Uma jovem esquerda pode vencê-la, mas precisa evitar muitos erros do passado

Por Walden Bello, no Common Dreams | Tradução: Antonio Martins

Em resposta ao cataclismo provocado pelo coronavírus, três linhas de pensamento emergem.

Uma é de que a emergência requer medidas extraordinárias, mas a estrutura básica de produção e consumo é sã, e o problema está apenas em determinar o momento em que as coisas podem voltar ao “normal”.

É possível dizer que esta é a opinião dominante entre as elites empresariais e políticas. Uma expressão deste ponto de vista é a infame teleconferência patrocinada pelo banco Goldman Sachs, com um punhado de aplicadores nas bolsas de valores em meados de março. O evento concluiu que “não há risco sistêmico. Ninguém sequer está falando sobre isso. Os governos estão intervindo nos mercados para estabilizá-los. O setor dos bancos privados está bem capitalizado. A situação parece mais com o 11 de Setembro que com 2008”.

Um segundo olhar sustenta que estamos num “novo normal”, e embora o sistema econômico global não esteja totalmente fora de ordem, importantes mudanças devem ser feitas em alguns de seus elementos. É preciso por exemplo redesenhar os locais de trabalho, para satisfazer a necessidade de distanciamento social; e fortalecer os sistemas de Saúde (algo que até o primeiro ministro conservador britânico, Boris Johnnson reconhece, depois de o Sistema Nacional de Saúde – NHS – ter salvo sua vida).

Uma terceira resposta é que a pandemia oferecer uma oportunidade de transformar um sistema marcado por profundas desigualdades políticas e econômicas e ambientalmente devastador. Não basta falar de acomodação a um “novo normal” ou na expansão das redes de segurança social. É preciso lutar decisivamente por um novo sistema econômico.

No Norte global, a transformações necessárias são frequentemente articuladas na forma da reivindicação de um “Green New Deal” [Virada Sócio-Ambiental]. Significa não apenas “esverdear” a economia, mas promover uma socialização significativa da produção e do investimento; uma democratização da tomada de decisões econômicas; e reduções radicais na desigualdade de renda e riqueza.

No Sul global, as estratégias propostas dialogam com a crise climática, mas sublinham a oportunidade de enfrentar desigualdades econômicas, sociais e políticas há muito estabelecidas. Um exemplo eloquente é o “Manifesto Socialista pelas Filipinas pós-covid”, proposto pela coalizão Laban ng Masa. O documento inclui uma lista detalhada de iniciativas de curto e longo prazo. Sua introdução proclama:

“As respostas caóticas do atores hegemônicos à crise provam que a velha ordem não pode ser restaurada e as classes governantes tornaram-se incapazes de administrar as sociedades à velha maneira. O caos, as incertezas e os temores resultantes da covid-19, ainda que desoladores, estão grávidos de oportunidades e desafios para desenvolver e oferecer ao público uma nova maneira de organizar e gerir a sociedade, nos aspectos social, político e econômico. Como o socialista Albert Einstein gostava de dizer, ‘não podemos resolver nossos problemas com a mesma forma de pensar que nos levou a criá-los’”.

Desta vez é mesmo diferente

As duas primeiras perspectivas desprezam as possibilidades de mudança radical. Alguns preveem que a resposta popular será muito semelhante à da crise financeira de 2008 – ou seja, as sociedades irão sentir-se deslocadas, mas sem apetite para muita mudança, menos ainda mudanças radicais.

Esta visão apoia-se num olhar falso sobre o estado das pessoas, nas duas crises.

As crises nem sempre resultam em mudanças significativas. O fator decisivo está na interação, ou sinergia, entre dois elementos – um objetivo (a própria crise do sistema), outro subjetivo (a resposta psicológica das sociedades).

Em 2008, houve uma profunda crise do capitalismo, mas o elemento subjetivo – o afastamento popular diante do sistema – não havia formado massa crítica. Endividadas, diante do boom criado nos anos anteriores por uma espiral de consumo via crédito, as pessoas chocaram-se, mas não se distanciaram das relações econômicas tradicionais. Desta vez é diferente.

O nível de descontentamento e desconexão diante do neoliberalismo já era muito alto, no Norte global, antes do coronavírus. Devia-se à incapacidade das elites para reverter o declínio dos padrões de vida e a desigualdade galopante na década que sucedeu a crise anterior. Nos EUA, este período fico marcado, no imaginário popular, como aquele em que as elites preferiram salvar os grandes bancos, em vez de proteger milhões de pessoas falidas e de enfrentar o desemprego em larga escala. Em boa parte da Europa, especialmente no Sul, a experiência popular com a última década pode ser resumida em uma palavra: “austeridade”.

E em boa parte do Sul global, a crise crônica de subdesenvolvimento sob o capitalismo periférico, exacerbada pelas “reformas” neoliberais desde os anos 1980, já havia abalado, antes de 2008, a legitimidade de instituições-chave da globalização, como o Banco Mundial, o FMI e a Organização Mundial do Comércio.

A pandemia do coronavírus, em resumo, incidiu sobre um sistema econômico global já desestabilizado e em profunda crise de legitimidade. A sensação de que as coisas haviam saído de controle – certamente do controle das elites políticas tradicionais e dos gestores econômicos – foi a primeira percepção chocante. Esta visão coletiva sobre a espantosa incompetência das elites agora começa a se conectar com as sensações de ira e ressentimento, que eclodiram após o período da crise financeira anterior.

Por isso, o elemento subjetivo, a massa crítica psíquica, está presente. É um furacão à espera de ser capturado pelas forças políticas em disputa. A questão é: quem poderá colhê-lo?

establishment global tentará, é claro, levar as coisas de volta ao “velho normal”. Mas há muita ira, muito ressentimento e insegurança no ar. E não há como forçar o gênio de volta à garrafa. Ainda que muito abaixo das expectativas, as intervenções fiscais monetárias maciças dos Estados capitalistas, nos últimos meses, mostraram às pessoas o que é possível sob outro sistema, com distintas prioridades e valores

O neoliberalismo está morrendo. Trata-se apenas de saber se sua morte será súbita ou lenta.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/tres-projetos-para-o-pos-pandemia/

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