Retrato de uma universidade quase desconhecida no Brasil. Nas fachadas, as cores dos grandes muralistas do México. Na alma, uma rara fusão entre Ciência, Arte e Política – e o ambiente onde se gestou a grande crítica à colonização do continente
Por Roberta Traspadini
Esa noche volvieron a suceder los sueños
Por que esse recordar intenso de tantas cosas?
Por que no simplemente la muerte o no esa música tierna del pasado?
(Juan Rulfo)
O vídeo acima fala de uma das mais importantes experiências de educação pública e gratuita latino-americana: a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Ao mergulhar neste ambiente entre 2000 e 2004 compreendi sua dimensão educativa, no sentido mais amplo da palavra: a educação como práxis da dignidade rebelde em movimento.
Nascida no mesmo ano da Revolução Mexicana (1910), a UNAM efetivou um processo de produção do conhecimento em que a ciência, a arte e a política eram indissociáveis. Além disso, no passado-presente desta Universidade, o mundo indígena, camponês, entrelaçado à história pré-colombiana, pulsam vida.
A UNAM foi/é o espaço-tempo da produção intelectual latino-americana mais refinada. Ela tornou-se possível graças a diversos encontros entre sujeitos políticos exilados de seus países entre a década de 1930 e de 1980. Uma universidade constituidora de um pensamento crítico latino-americano enraizado em um ser-sentir-se-pertencer latino, mesmo quando estes sujeitos vinham da Europa ou da África.
A UNAM (de 1930-1980), foi hospedeira solidária dos nossos e das nossas exiladas. Uma universidade à altura dos dilemas daquele então, capaz de gerir e brotar a efervescência do pensamento crítico no continente. Na contramão da expulsão do totalitarismo, do fascismo e dos diversos processos de ditaduras militares vivenciados na América Latina e Caribe, esta Universidade latina abrigou e promoveu uma potência política do pensar-implementar outros caminhos possíveis para a práxis latino-americana.
A UNAM foi o ambiente físico e político dos teóricos marxistas da dependência, brasileiros com uma longa trajetória histórica de exílio pelo continente (Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra e Theotônio dos Santos). E do encontro destes com o melhor que há na batalha das ideias: Andre Gunder Frank, Agustin Cueva, Leopoldo Zea, Sergio Bagu, Enrique Dussel, Bolívar Echeverría, Pablo Gonzalez Casanova, entre tantos outros.
A batalha das ideias não produzia, como tende a ser comum no Brasil atual, a mesquinhez do fechar portas egoico e da autoproclamação como um grupo de vanguarda que, na sua hegemonia restrita como esquerda, anula e apaga as diferenças, anunciando a morte política dos que divergem. Divergir, na esquerda intelectual e partidária daquele então, era potência educativa para o pensar-agir com mais rigor. Não abria passo, como forma-conteúdo hegemônicos à perversa produção de inimigos no interior da classe, de um grupo sobre e contra o outro.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/unam-aqui-a-america-latina-nunca-deixa-de-pulsar/
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