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O potencial de tensão entre a agenda progressista de Biden e Bolsonaro

Temas como direitos humanos, multilateralismo e proteção ambiental, defendidos durante a campanha de Biden, podem criar atrito com o Planalto. China pode ser fator decisivo.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, estruturou suas propostas de campanha de forma a agradar, além do establishment da sua legenda, as alas mais à esquerda do Partido Democrata, com o objetivo de atrair simpatizantes de lideranças como Bernie Sanders ou a jovem congressista Alexandria Ocasio-Cortez.

Isso deu à sua plataforma de governo um tom mais progressista do que a dos últimos candidatos democratas à Casa Branca, com propostas que incluem fortalecer os direitos humanos, apoiar políticas de direitos LGBTQ sobre gênero e sexualidade, valorizar organismos multilaterais e apoiar sindicatos e direitos trabalhistas, além de colocar a economia de seu país na rota da sustentabilidade, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

São temas que entram em choque com a linha política do governo Jair Bolsonaro e podem criar atrito com o Palácio do Planalto. O apoio americano à entrada do Brasil na Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) deve se reduzir, os Estados Unidos tendem a se opor à posição do governo brasileiro em temas relativos a democracia e direitos humanos, a negociação de novos acordos comerciais entre os dois países deve incluir também cláusulas sobre regras trabalhistas e a pressão para que a Floresta Amazônia seja preservada deve aumentar.

O potencial de esses conflitos escalarem para sanções graves, como o bloqueio de investimentos e transações comerciais com o Brasil, porém, é baixo, devido à prioridade americana de conter o avanço da China pelo mundo, inclusive na América Latina. Uma posição muito dura em relação a Bolsonaro poderia forçar o país a se abrir ainda mais a Pequim.

Direitos humanos e organismos multilaterais

Uma das propostas do programa de Biden é colocar os direitos humanos “no centro” de sua política externa e interna, assim como dar tratamento digno aos imigrantes e proteger pessoas LGBTQ de discriminação e violência.

São perspectivas diversas das da gestão Donald Trump. No começo do mandato do republicano, os Estados Unidos se retiraram do Conselho de Direitos Humanos da ONU e implementaram uma política de separação forçada de crianças de pais que tivessem sido detidos por imigração ilegal. 

O atual presidente dos Estados Unidos também bloqueou o funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos, em casos relacionados a liberdade de expressão e a povos indígenas, e fez seguidos ataques à imprensa americana, ressalta Felipe Pereira Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos.

Ameaças e decisões semelhantes foram adotadas pelo presidente brasileiro. Em agosto de 2018, quando ainda estava em campanha, Bolsonaro afirmou que retiraria o Brasil do Conselho de Direitos Humanos da ONU , “por sempre estarem ao lado de tudo que não presta”, mas não o fez até o momento.

Em junho de 2020, o Brasil apoiou uma resolução para que o órgão deixasse de ter a função de monitorar violações e se tornasse apenas um fórum de cooperação, uma proposta apresentada por China, Cuba, Venezuela, Irã e Síria. No mesmo mês, ajudou os Estados Unidos a bloquear a abertura de uma comissão internacional de inquérito para apurar o racismo sistêmico, após a morte do americano George Floyd, estrangulado por um policial branco em Minneapolis.

O comportamento de Trump em relação aos direitos humanos “criou um espelho para que Bolsonaro reproduzisse essa imagem internamente”, diz Pedro Brites, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV.

A mudança de orientação prometida por Biden fará com que Bolsonaro perca a retaguarda americana para adotar posições contrárias aos direitos humanos em fóruns internacionais e fique mais isolado caso mantenha essas posturas.

Biden propõe repor a credibilidade dos Estados Unidos na política externa, retomando alianças tradicionais e apoiando organismos multilaterais, em articulação com a defesa de direitos humanos. Isso deve reduzir ou extinguir o apoio da Casa Branca à adesão do Brasil a fóruns e a órgãos internacionais relevantes, como a OCDE, da qual o governo Bolsonaro tenta obter o status de membro efetivo para o Brasil.

“Não vejo o governo Biden defendendo que o Brasil seja aceito como membro da OCDE. Além de uma preocupação com transparência e accountability dos Estados que a integram, a OCDE tem um elemento que é a garantia de uma democracia liberal, com respeito mínimo às liberdades, inclusive à liberdade de imprensa. E a forma como Bolsonaro atua nesse aspecto vai muito além do que o governo Biden consideraria como razoável”, diz Loureiro.

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