Clipping

A agonia de uma civilização forjada no patriarcado

O machismo é sua engrenagem mais visível; a ditadura do mercado, seu estágio atual. Mas, há milênios, esta lógica de controle e dominação dissociou Humanidade da Natureza. Na ideia de Complexidade de Morin, pode estar uma saída

Por Antônio Sales Rios Neto

Deus e Satã não estão fora de nós nem acima de nós: estão em nós. O pior da crueldade e o melhor da bondade do mundo estão no ser humano”
Edgar Morin

Nas últimas décadas e notadamente nos últimos anos, as reflexões de muitos críticos do nosso sistema-mundo têm sido permeadas por um crescente sentimento de que estamos sendo arrastados para um colapso civilizatório. Ao que parece, trata-se do esgotamento de um sistema-mundo que tem funcionado sob a hegemonia do modo de produção capitalista, forjado especialmente a partir do século XVI, e que nos últimos cinquenta anos, sob os auspícios do neoliberalismo, reduziu o modo de viver de quase toda a humanidade à lógica de mercado, na qual tudo vem sendo transformado em mercadoria. Estamos vivendo uma crise de dimensão complexa, uma vez que abrange múltiplas crises entrelaçadas que vêm afetando dramaticamente nosso modo de viver, nas mais diversas instâncias da experiência humana, pois seus desdobramentos têm interferências nefastas nas esferas social, política, ecológica, ética, econômica, institucional, espiritual, afetiva, dentre outras. Essa crise tornou-se mais visível depois que dois fenômenos de escala global foram adquirindo uma crescente e perigosa expressividade nos últimos tempos: 1) as mudanças climáticas que a cada dia apresentam mais evidências e vêm ganhando mais validade no meio científico; 2) o desmoronamento dos regimes democráticos como resultado do experimento do laissez-faire global impulsionado pela doutrina neoliberal, em interação com o fenômeno da algoritmização da vida, desencadeado a partir dos anos 1980.

A face mais preocupante desse cenário tão emblemático talvez seja a rapidez com que essa real possibilidade de colapso parece aproximar-se, sem que haja qualquer política de civilização em movimento que possa fazer frente a gravidade da situação atual, mesmo que para atenuá-la. Como alertou recentemente o respeitado naturalista britânico, David Attenborough, “dentro da vida útil de alguém nascido hoje, prevê-se que a nossa espécie provocará nada menos que o colapso do mundo vivente, precisamente no que se baseia a nossa civilização”, constatação que o faz concluir que “estamos diante da possibilidade real de uma sexta extinção em massa, causada por ações humanas”. A cada dia surgem novos dados científicos para confirmar esse prognóstico de Attenborough. Um desses dados mais recentes está no artigo intitulado “Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis”, publicado em 06/05/2020 na conceituada revista científica Nature, dos físicos Gerardo Aquino, do Alan Turing Institute, e Mauro Bologna, da Universidad de Tarapacá. Eles realizaram um estudo correlacionando a taxa atual de crescimento populacional com a taxa de desmatamento, a partir do qual observaram que “um colapso catastrófico da população humana, devido ao consumo de recursos é o cenário mais provável da evolução dinâmica com base nos parâmetros atuais”. Nas palavras de Bologna e Aquino, “adotando um modelo combinado determinístico e estocástico, concluímos do ponto de vista estatístico que a probabilidade de nossa civilização sobreviver é inferior a 10% no cenário mais otimista”.

Ainda sobre o drama existencial posto pela questão climática, um dos alertas mais contundentes sobre as consequências da intervenção humana no planeta está no livro A terra inabitável – Uma história do futuro (Companhia das Letras, 2019), do jornalista norte-americano especializado em mudança climática, David Wallace-Wells, editor da New York Magazine. A obra reúne as melhores referências científicas sobre o assunto produzidas mais recentemente. Para Wallace-Wells, as mudanças climáticas representam uma real “crise existencial”, em que estamos deixando por conta do acaso possibilidades dramaticamente infernais para um futuro bem próximo, cujo “resultado do melhor cenário é morte e sofrimento numa escala de 25 Holocaustos e o resultado do pior cenário nos deixa à beira da extinção”. Outro que vem, já há um bom tempo, pesquisando e divulgando, sistematicamente, as evidências científicas mais atuais sobre os graves riscos de um colapso climático é o doutor em demografia e pesquisador titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – ENCE/IBGE, José Eustáquio Diniz Alves. Segundo ele, se o processo de degradação dos ecossistemas não for interrompido, “o extermínio das espécies não humanas culminará e reverterá no extermínio dos próprios seres humanos.”

Mesmo entre aqueles não céticos em torno do assunto, as muitas explicações oferecidas para entender quais são as razões que nos trouxeram a este cenário de crise terminal são ainda muito dispersas. Uma parte delas parece convergir para a ideia de que há uma nítida incompatibilidade entre os limites no nosso planeta Terra e a dinâmica de reprodução do sistema capitalista, especialmente a que foi desencadeada a partir da primeira metade do século XIX, quando a Revolução Industrial estava se consolidando na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Atualmente, a quase totalidade da população mundial, que vem crescendo irresponsavelmente de forma exponencial nos últimos duzentos anos, está submetida à dinâmica do capital, cuja lógica se baseia no crescimento econômico ilimitado, que, por sua vez, sustenta-se na extração predatória dos recursos naturais limitados.

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