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O naufrágio da operação anticorrupção ‘Lava Jato’

Um magistrado considerado ‘tendencioso’, às vezes ilegal e à sombra dos Estados Unidos: a maior operação anticorrupção da história do Brasil tornou-se seu maior escândalo jurídico. Meses de investigação foram necessários para que o ‘Le Monde’ traçasse o outro lado dessa cena

Por Gaspard Estrada e Nicolas Bourcier | Créditos da foto: (Miguel Schincariol/AFP)

Existe algo podre no Reino do Brasil. Todo o país é atingido por uma série de crises simultâneas, uma espécie de tempestade perfeita – recessão econômica, desastres ambientais, polarização extrema da vida política, Covid-19… A isso deve ser adicionado o naufrágio do sistema judicial. Um trovão adicional em um céu já pesado, mas carregado de esperança há sete anos, quando um jovem magistrado chamado Sergio Moro lançou, em 17 de março de 2014, uma vasta operação anticorrupção chamada “Lava Jato”, envolvendo a gigante do petróleo Petrobras, construtoras e um número expressivo de lideranças políticas.

De uma só tacada, dizia-se, o requerente e sua equipe de investigadores, apoiados pelo judiciário e pela mídia, iam limpar e salvar o Brasil, finalmente! Foram emitidos 1.450 mandados de prisão, apresentadas 533 denúncias e 174 pessoas foram condenadas. Nada menos que 12 chefes ou ex-chefes de Estado brasileiros, peruanos, salvadorenhos e panamenhos foram implicados. E a colossal soma de 4,3 bilhões de reais (610 milhões de euros) foi recuperada dos cofres públicos de Brasília. Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, adorado pela maioria de opinião, não resistiu à onda, e foi parar atrás das grades.

E então, de repente, quase nada. Em menos de dois meses, a extensa investigação desmoronou como uma explosão. No início de fevereiro, o Ministério Público Federal deixou estourar o anúncio do fim do “Lava Jato” , desmontando-a com uma frieza que não se conhecia sequer a principal equipe de promotores. Em seguida, um juiz do Supremo Tribunal Federal ordenou a anulação das acusações contra Lula. Quinze dias depois, em 23 de março, foi a vez da mais alta corte brasileira decidir que o juiz Moro foi “tendencioso” durante sua investigação.

Irregularidades e confusões

A maior investigação anticorrupção do mundo, como a chamou um magistrado sênior, tornou-se o maior escândalo jurídico da história do país. Depois de mais de sete anos de processos, o próprio cerne da Justiça brasileira acaba de se retrair tanto na substância quanto na forma, abrindo um abismo de questionamentos sobre seus métodos, seus meios e suas escolhas.

É certo que o site de notícias The Intercept – criado por Glenn Greenwald, jornalista americano radicado no Rio de Janeiro e o bilionário do Vale do Silício Pierre Omidyar – não parou, nos últimos dois anos, de apontar irregularidades e equívocos à investigação. Cento e oito artigos publicados até o momento, por sua vez, levantaram o véu sobre as mensagens comprometedoras trocadas entre promotores e o juiz Moro, lançando luz sobre os vínculos mantidos, às vezes fora de qualquer quadro legal, por investigadores brasileiros com agentes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), ou mesmo sublinhou o viés político de alguns integrantes da “Lava Jato”, obcecados com a ideia de bloquear o Partido dos Trabalhadores (PT).

A independente Agência Publica, agência de jornalismo investigativo, fundada em São Paulo por repórteres mulheres, também mostrou como o processo foi marcado por irregularidades e inúmeras confusões. Após essas revelações deslumbrantes, no entanto, permanece um forte gosto pelo inacabado, a sensação de um julgamento fracassado e uma bagunça ontológica para uma investigação que queria ser um modelo de seu tipo.

Para compreender essas voltas e reviravoltas sucessivas, temos que voltar às origens desta novela político-jurídica. Estabelecer o arcabouço e distinguir como seus principais atores encontraram subsídios e arcabouço jurídico com juristas e personalidades influentes, primeiro no Brasil, depois com agentes de uma administração norte-americana que desejam continuar seu trabalho de aproximação com seu grande vizinho do sul.

Quando assumiu a Presidência da República em 2003, Lula sabia que era esperado na virada, principalmente no combate à corrupção.

Lula em entrevista na prisão (Isabella Lanave/AFP)

Meses de investigação, entrevistas e pesquisas foram necessários para que o Le Monde desenhasse o outro lado dessa cena. Se algumas áreas permanecem nas sombras, alguns episódios de Lava Jato evidenciam cumplicidades vergonhosas. Outros, ao contrário, revelam como certos juízes e investigadores têm por vezes aproveitado a sua independência – muito real – a serviço de um projeto político, embarcando numa corrida louca, estabelecendo os motivos, os meios e os desmentidos. “Foi como uma bola atirada em um jogo de boliche”, admite, em condição de anonimato, um ex-assessor próximo ao governo Obama, responsável por questões jurídicas em relação à América do Sul. Um “jogo” que virou armadilha.

Quando assumiu a Presidência da República em 2003, Lula sabia que era esperado que mudasse. Principalmente no que diz respeito ao combate à corrupção, antigo demônio da vida política brasileira e um de seus principais argumentos de campanha. Assim, confiou ao seu novo ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, a tarefa de reformar o sistema judiciário, aceitando a nomeação como chefe de acusação de um procurador nomeado pelos seus pares, enquanto os seus antecessores costumavam escolher quem fosse mais complacente com o poder.

Uma das primeiras traduções concretas desse compromisso é a criação de cursos dedicados ao combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Sergio Moro seria um dos primeiros juízes indicados para presidir esses tribunais. Ao mesmo tempo, uma estratégia nacional de luta contra a lavagem de dinheiro e a corrupção foi posta em prática com o objetivo assumido de “facilitar as trocas informais” dentro da administração, e tornar mais eficiente o exame dos casos.

O jovem magistrado radicado em Curitiba, responsável à época do caso Banestado, investigação sobre lavagem de dinheiro em banco público regional, está entre os mais fervorosos adeptos dessa estratégia, que permite obter com mais rapidez o fornecimento de impostos e ativos informações e compartilhá-las com várias autoridades, inclusive estrangeiras.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Que-Justica-e-essa-/O-naufragio-da-operacao-anticorrupcao-Lava-Jato-/62/50338

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