ClippingVideo

Sessenta anos de Cuba

Imagens e entrevistas inéditas retratando a história contemporânea cubana são apresentadas com precisão no documentário ‘Cuba, a revolução e o mundo’

Por Léa Maria Aarão Reis

Sábado passado, dia 17/04, durante o 8o. Congresso do Partido Comunista de Cuba, Raúl Castro, 89 anos de idade, renunciou ao posto de primeiro-secretário da agremiação, cargo que provavelmente será ocupado pelo atual Presidente do Conselho de Estado Miguel Díaz-Canel a quem ele apoiou, dois anos atrás. Deste modo, Raúl continua com o processo de renovação de quadros dirigentes do governo, na ilha que há 62 anos sacudiu o mundo com a revolução liderada por seu irmão Fidel, e ainda hoje objeto de admiração e respeito mundo afora.

É o momento certo para o lançamento do documentário muito especial intitulado Cuba, a revolução e o mundo, produzido pela BBC, distribuído pelo grupo francês Arte e dirigido pelo jornalista, fotógrafo e cineasta britânico Mick Gold. Dividido em duas partes, cada uma com 59 minutos de duração, o filme está no catálogo do NOW*.

A primeira parte tem o título de Os combatentes, e a segunda, Os diplomatas. Na primeira, a sucessão de fatos históricos a partir de 1959 com a insurreição do povo nas ruas de Havana depondo o ditador Fulgêncio Batista e recepcionando os vitoriosos. Fidel Castro, Che Guevara, generais e combatentes de Sierra Maestra. São imagens ainda hoje emocionantes para os que são de mais idade atualmente e acompanharam na época os acontecimentos no calor da hora.

Imagens que retratam a história moderna e contemporânea cubana compiladas com precisão, algumas raras, e bem além do repisado padrão burocrático das utilizadas nas centenas de outros filmes realizados até aqui narrando a saga revolucionária do seu povo.

A segunda parte é batizada Os diplomatas e tem início em 1991 com a desintegração da União Soviética e a queda do comunismo internacional quando começa o penoso período da retirada do apoio à economia da ilha socialista por parte dos russos. O país passa a sofrer, durante décadas, severo bloqueio econômico, o garrote decretado pelos governos americanos que perdura até hoje.

Fascinante nesse segundo momento da narrativa é a coleção de depoimentos, recordações e análises preciosas de diplomatas, ex-conselheiros de governo de Reagan, Bush, Clinton e Obama, e, por outro lado, por parte do governo de Fidel, de vários embaixadores e militares que atuaram nos conflitos do Congo, Angola, acompanharam a era Hugo Chavez, na Venezuela, e também presenciaram diálogos históricos.

Foram testemunhas oculares que acompanharam encontros formais, telefonemas decisivos e reuniões distendidas até com direito a gags entre os chefes de governo dos Estados Unidos e Fidel e Raúl Castro.

Clinton por exemplo é entrevistado especialmente para o documentário. E há imagens (rápidas) de Obama desembarcando em Havana, em 2014, com a mulher, Michele, em viagem de turismo, negociações e assinatura de acordos com o governo cubano, empenhando sua palavra (vê-se no documentário) que em seguida acabou não sendo honrada. Para o próprio desgosto do então presidente americano, conforme se vê no filme.

O esforço diplomático dos cubanos durante os últimos 60 anos com a sua diplomacia externa é ”um ataque de tirar o folêgo”, registrou o onipresente jornal Le Monde.

Para degustação do espectador, pinçamos (abaixo) algumas passagens expressivas deste doc que pretende passar a limpo, na medida do possível, a situação de Cuba e da sua revolução cujos princípios se mantêm os mesmos de 59.

Princípios de resistência e solidariedade postos à prova sobretudo neste momento de pandemia mortal, e evidentes com o recente anúncio da Organização Mundial da Saúde aprovando a Soberana, a vacina criada por cientistas cubanos na ilha bloqueada.

Flashes do documentário:

– Depois da tentativa de invasão dos Estados Unidos com a operação da baía dos Porcos a população cubana viveu durante anos do seu cotidiano em estado de guerra. No filme, imagens de mulheres trabalhando diariamente nas suas oficinas e sempre com um fuzil ao seu lado.

– Um caso pessoal: observações de diplomatas cubanos sobre o quanto de mágoa o rompimento do apoio dos soviéticos a Cuba repercutiu em Che Guevara.

– O telefonema de encorajamento e apoio enfático de Fidel a Hugo Chavez (codinome Índio para os serviços secretos cubanos) durante a tentativa de golpe quase bem sucedida em Caracas, quando o presidente venezuelano se encontrava isolado dentro do palácio presidencial. ”Você não vai se deixar morrer aí dentro, como aconteceu com Allende!” exortava Fidel ao colega. Semanas depois, o presidente Chavez viajou a Havana para agradecer a Castro vendendo petróleo ao governo da ilha a preços abaixo dos valores do mercado internacional.

– As relações que sempre foram difíceis, como observa Fidel, entre o Che e Monje, chefe do Partido Comunista boliviano. E o consequente desastre que culminou com o assassinato de Guevara.

– Início dos anos 2000. Fidel discursa e sublinha o anacronismo da luta armada no mundo após as campanhas mal sucedidas, de apoio às lutas dos povos na África e com contribuição de armas e tropas cubanas. Fidel antevia as guerras híbridas e as ops, as guerras psicológicas.

– Em outro discurso importante, proclama que “a coexistência pacífica não quer dizer coexistência entre desiguais”.

 – E o paralelo enfatizado no filme: 2016 é marcado pela morte de Fidel Castro, ”o último dos grandes ícones do século 20”. No mesmo ano Donald Trump foi eleito presidente.

Resumo: Cuba é uma ilha socialista caribenha especial, com um povo amável e generoso, cenário de grande beleza natural e respeitada pela sua fidelidade aos valores socialistas. Cuba existe e resiste num mundo prosseguindo na sua marcha que lá na frente – se houver um lá na frente – vão com certeza chamar de insensata.

*A segunda parte de Cuba, a revolução e o mundo também disponível na plataforma Curta on!

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/Sessenta-anos-de-Cuba/59/50402

Comente aqui