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O novo senhor da guerra e sua missão inglória

Joe Biden herda de Obama e Trump dois grandes conflitos, que os EUA não podem vencer. Se abandoná-los, deterá o rastro de caos e mortes. Mas as tentações imperiais de Washington não cessam, nem sob os golpes da pandemia e da crise

Por Medea Benjamin e Nicolas J. S. Davies, no Counterpunch | Tradução: Gabriela Leite

Joe Biden assumirá o comando da Casa Branca em um momento em que os norte-americanos estão mais preocupados em enfrentar o coronavírus do que em guerras além mar. Mas a guerra continua de qualquer maneira, e as políticas de contraterrorismo militarizado que o novo presidente apoiou no passado — baseadas em ataques aéreos, operações especiais e o uso de exércitos subalternos — é precisamente o que mantém a continuidade dos conflitos.

Biden se opôs ao aumento de tropas no Afeganistão, executado por Barack Obama em 2009. A ação fracassou, e então Obama voltou à política defendida por seu vice desde o início. Ela se tornou marca registrada da política de guerra também em outros países. Em círculos internos, era conhecida como “contraterrorismo”, em oposição a “contrainsurgência”.

No Afeganistão, significou abandonar a presença em larga escala de soldados norte-americanos, e contar, ao invés disso, com ataques aéreos, ataques por drones e operações especiais de invasões para “matar ou capturar”. Enquanto isso, tropas afegãs era treinadas para realizar quase todas as ações de luta terrestre e posse do território.

Na intervenção sobre a Líbia, em 2011, a coalizão formada pela OTAN e as monarquias árabes incorporou centenas de combatentes de esquadrões especiais do Catar e mercenários ocidentais aos rebeldes líbios, para atiçar ataques aéreos da OTAN e treinar milícias locais, incluindo grupos islâmicos com ligações com a Al Qaeda. Essas grupos ainda lutam pelos despojos nove anos depois.

Hoje, Joe Biden recebe créditos por ter se oposto à intervenção desastrosa na Líbia, mas naquele momento ele se apressou em saudar os sucessos enganosos e de curto prazo, bem como o terrível assassinato do coronel Kadafi. “A OTAN fez o certo”, disse em um discurso no Plymouth State College em outubro de 2011, precisamente no mesmo dia em que Obama anunciava a morte de Kadafi. “Nesse caso, os EUA gastaram 2 bilhões de dólares e não perderam nenhuma vida. Essa é a receita correta de como lidar com o mundo à medida que avançamos — não a receita do passado.”

Apesar de Biden lavar suas mãos a respeito do fiasco na Líbia, a operação foi de fato emblemática para compreender a doutrina de guerra secreta e por procuração sustentada por ataques aéreos que ele apoiava, e que ele ainda tem que negar. Biden ainda diz que apoia operações de “contraterrorismo”, mas foi eleito presidente sem ter nenhuma vez que responder publicamente a qualquer pergunta direta sobre seu apoio ao uso maciço de ataques aéreos e por drones, que são parte integrante dessa doutrina.

Na campanha contra a organização terrorista Estado Islâmico, no Iraque e na Síria, as forças lideradas pelos EUA jogaram mais de 118 mil bombas e mísseis, reduzindo grandes cidades como Mossul e Raqqa a destroços, e matando dezenas de milhares de civis. Quando Biden disse que os EUA “não perderam nenhuma vida” na Líbia, ele claramente quis dizer “nenhuma vida norte-americana”. Se “vida” quer dizer simplesmente vida, a guerra na Líbia custou obviamente incontáveis vidas, e zombou da resolução do Conselho de Segurança da ONU, que aprovou o uso de forças militares apenas para proteger civis.

Rob Hewson, o editor do jornal de comércio de armas Jane’s Air-Launched Weapons, disse à agência de notícias AP, no momento em que os EUA lançavam seu bombardeio de “choque e pavor” no Iraque, em 2003: “Em uma guerra que está sendo travada pelo benefício do povo iraquiano, não podemos aceitar a morte de nenhum deles. Mas não é possível jogar bombas sem matar ninguém. Há uma dicotomia real aí”. O mesmo obviamente se aplica aos povos da Líbia, Afeganistão, Iêmen, Palestina e em qualquer lugar onde as bombas norte-americanas vêm caindo nos últimos 20 anos.

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