Em Laudelina Melo, pioneira na luta pelos direitos das domésticas, elementos para refletir sobre trabalho e segregação. Após a regulamentação de 2013, 75% delas permanecem na informalidade. Hoje, é urgente fazê-las prioridade na fila da vacina
Por CFEMEA, na coluna Baderna Feminista
O primeiro dia de maio é um símbolo da luta por direitos das trabalhadoras e trabalhadores de todo o mundo e remete a greves que ocorreram no final do século XIX. Além disso, para a população brasileira, o mês de maio também é marcado pelo dia treze, data da abolição da escravatura no Brasil, em 1888. Embora seja celebrado como Dia da Lei Áurea, os livros didáticos ressaltando o papel da Princesa Isabel, ele é na verdade o resultado de muita luta, pressão política e sobretudo popular. A confluência de datas no mês de maio nos faz pensar sobre como, a despeito de diversos direitos terem sido conquistados no mundo do trabalho, a marginalização de mulheres e homens negros até hoje é a herança colonial que ainda precisamos enfrentar. E dessa herança, o retrato mais triste é o trabalho doméstico, agravado pelo não reconhecimento dos direitos já conquistados e pelas consequências da Pandemia.
O Brasil é um país racista, cravado em desigualdades sociais, raciais e de classe. Não à toa, a formação da categoria do trabalho doméstico é de maioria feminina e negra. Na formação colonial do Brasil, mulheres negras estavam nas lavouras, na cozinha, nos trabalhos de cuidado, limpeza e às vezes (nas cidades mais urbanizadas) sustentando famílias inteiras por meio do seu trabalho. No entanto, na transição do regime de escravidão para o remunerado, houve uma mudança econômica, mas não social. Apesar da obrigatoriedade da remuneração, não houve nenhuma política no sentido de romper com a percepção de inferioridade do trabalho desempenhado pelas mulheres negras e nem o reconhecimento dos seus direitos políticos. Pelo contrário, o Brasil do início do século XX se alinhou com políticas eugenistas, de embranquecimento da população e até fascistas. Apesar da luta de lideranças negras, como Luiz Gama, o trabalho doméstico se manteve invisibilizado.
Quando se trata de trabalho doméstico, é impossível não se sobressair os elementos da divisão racial e sexual do trabalho, que relegam às mulheres a responsabilidade quase que exclusiva pela limpeza e cuidado com a família. A desvalorização da atividade profissional do trabalho doméstico está diretamente relacionada a quem o realiza (mulheres, na maioria das vezes negras), e à categoria de trabalho que se faz (doméstico).
Se atentarmos para a herança colonial, não fica difícil entender os motivos para que a conquista de direitos caminhem a passos lentos para essas trabalhadoras, apesar de toda a luta da categoria e dos movimentos feministas aliados. A categoria ficou de fora dos direitos conquistados na Constituinte e só em 2013, com a PEC da isonomia de direitos, elas tiveram abono salarial, jornada de trabalho e FGTS reconhecidos. Embora a PEC esteja valendo há oito anos, seu cumprimento ainda é difícil. “A nossa luta tem mais de 80 anos e começou com Laudelina de Campos Melo. Hoje temos direitos, mas essa luta sempre foi desigual, exatamente pela herança maldita que recebemos, que se chama escravidão. Temos direitos, mas continuamos às margens de direitos”, reforça a presidenta da Fenatrad — Federação Nacional de Trabalhadoras Domésticas, Luiza Batista.
Com trabalho pago, mal pago e poucos direitos, milhares de trabalhadoras domésticas viram a situação ficar ainda pior no período de pandemia, como o desemprego, a precarização das relações de trabalho e de dignidades para esta categoria. “Nesse momento de pandemia milhares de trabalhadoras domésticas foram demitidas, milhares de diaristas também estão sem conseguir fazer nenhuma diária e consequentemente essas mulheres estão muito prejudicadas nesse momento de pandemia”, aponta Luiza Batista.
É o caso de Francis, que trabalha como doméstica desde os 16 anos, tem 2 filhos e está desempregada em razão da Pandemia. A realidade de Valdelice também é similar, sem direito ao Auxílio Emergencial repassado pelo Governo Federal em meados de 2020, ela depende da ajuda de familiares para não passar fome. Essas duas mulheres representam um cenário das condições concretas de vida de uma grande parcela das trabalhadoras desta categoria que com a pandemia viram o desemprego chegar à porta, como mostrou o vídeo da campanha Cuide de quem cuida de você, organizada pela Fenatrad.
Segundo OIT – Organização Internacional do Trabalho, a categoria é uma das mais afetadas pela pandemia. Em 2020, a ONU Mulheres, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apresentaram o documento “Trabalhadoras Domésticas Remuneradas na América Latina e no Caribe em face da crise da COVID-19”, com uma visão geral da situação de vulnerabilidade que as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos enfrentam na região, destacando os impactos da atual crise causada pela covid-19. A publicação revela que entre 11 e 18 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico remunerado na América Latina, destes 93% são mulheres. Mais de 77,5% destas mulheres trabalham na informalidade, ou seja, sem carteira assinada e, portanto, sem direitos trabalhistas.
Saiba mais em:https://outraspalavras.net/feminismos/trabalho-domestico-origem-racista-e-perspectivas/
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