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Colômbia: a insurreição desmortifica as cidades

Em mais um país latino-americano sublevado, arte e política encontram-se. Medellin: multidões pintam muros gigantes com grafittis contra a extrema-direita. Exército reage atônito, apenas para desmoralizar-se ainda mais. Rebelião avança

Por Santiago Rodas | Tradução: Simone Paz

Os blocos com mensagens pintadas surgiram nas ruas como uma reação à violência policial. O primeiro, em setembro de 2020, em plena pandemia, dizia: “Estão nos matando”, em um muro de mais de duzentos metros de comprimento. As cores amarelo, preto e vermelho quebravam a paisagem cinza de um muro de contenção. A mensagem era potente.

Dias antes, a polícia havia assassinado um homem em Bogotá; então, nas noites seguintes, as pessoas se manifestaram nas ruas contra o homicídio e a força pública; e, em resposta, veio um massacre. Oito pessoas perderam a vida protestando contra a morte de Javier Ordóñez. Policiais armados, atuando como paramilitares, reprimiram o protesto e dispararam contra os manifestantes, cujas armas se limitavam a pedras encontradas pelo caminho.

Os muros também protestaram, havia desde bombas e frases rápidas até peças mais elaboradas nas paredes. Formaram-se grupos e equipes, as diferenças entre os pintores de rua foram esquecidas e a mensagem foi dada ao norte da cidade de Medellín. Com essa ação, um precedente foi semeado. Uma passagem foi aberta: era possível gerar mensagens gigantescas em resposta às atrocidades cometidas pelas forças do estado. Mais tarde, toda a Colômbia respondeu com muros em outras cidades: Bogotá, Cali, Manizales.

Essas ações foram se organizando organicamente, mediante um sentimento cidadão, uma responsabilidade que põe sob pressão o presente necropolítico do governo, chefiado por aquele que exerce a presidência. Essa atitude lembra a das brigadas muralistas do Chile nos anos setenta; no entanto, as dimensões dos murais de mensagens feitos na Colômbia são monumentais, de maior alcance e tamanho. Provavelmente, isso se deva à experiência dos grafiteiros e muralistas no campo das letras da tradição norte-americana, ao estilo Blockbuster.

Com essas duas vertentes, a gringa e a chilena, feito um estuário, essas peças colossais surgiram nas ruas de Medellín e, posteriormente, no resto da Colômbia. A greve nacional que começou em 28 de abril de 2021 também teve uma reação pictórica nas ruas. No dia 3 de maio, pintaram “ESTADO ASSASSINO” num viaduto, uma mensagem precisa, em consequência do que estava acontecendo em meio aos protestos. Desaparecimentos, estupros de mulheres pela polícia, uso excessivo da força em protestos.

Novamente, houve tiros contra os manifestantes; novamente, a noite como o lugar da tragédia; novamente, os corpos, o sangue, as feridas. A Comunidade de Pintores de Rua de Medellín voltou a se reunir, com uma mensagem precisa. Eles pintaram a cabeça de um porco e a do atual presidente, fundidas em um único sorriso macabro. Alguém se sentiu aludido e apagou a figura do porco com tinta branca; em seguida, outra pessoa — que também se sentiu atacada — escreveu mensagens minúsculas, em spray, sobre as letras amarelas.

De madrugada, alguns dias depois, um grupo de soldados escoltados por outros militares armados com rifles, tentaram encobrir o ESTADO ASSASSINO com baldes de tinta, alguns rolos e até cabos de vassoura; porém, a intervenção foi tão grosseira, e a inexperiência tão absurda, que a mensagem ficou censurada com uma espécie de pintura abstrata deformada em tons de cinza e branco — e que lembra uma enorme pintura de Rothko, como fica evidente num vídeo que a própria Comunidade de Pintores da Rua de Medellín trouxe à luz. O governo respondeu de maneira militar a uma parede pintada. A mensagem chegou aonde tinha que chegar.

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