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”Novo” ciclo longo da infraestrutura, o BNDES e a continuidade da neoliberalização no Brasil

Por Marta Cerqueira Melo |Créditos da foto: (Marcelo Fonseca/Alamy Stock Photo)

Na esteira do atual “boom” de ativos no setor de infraestrutura no país, a economia brasileira está iniciando um novo ciclo de longa duração. Esta afirmação foi feita pelo CEO do BNDES, Gustavo Montezano, durante opainel “Explosão da infraestrutura no Brasil Privatizações e Concessões”, realizado em modalidade presencial pelo Banking and Trading Group Pactual (BTG Pactual), no dia 08 de junho de 2021. O objetivo do evento foi promover discussões sobre o considerável aumento dos investimentos em infraestrutura nos últimos anos no Brasil e suas implicações para os processos de privatização e concessões.

De acordo com Montezano, esteve reunida neste evento a elite brasileira, à qual ele conclamou a acolher e levar adiante esta nova agenda apresentada pelo BNDES durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, e a lançar um olhar que seja tridimensional para o atual ambiente de negócios no Brasil, capaz de conjugar economia, sociedade e meio ambiente. Foram abordados temas como os subsetores de energia solar e eólica, critérios para alocação de capital, parâmetros de gestão e governança públicas, financiamentos de longo prazo, projetos e visões de futuro.

Também foram convidados Marco Cauduro, CEO daCCR – companhia brasileira de infraestrutura que está entre as maiores da América Latina –, e Rodrigo Limp, CEO daEletrobras –holding estatal cujaprivatização foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 21 de junho e atualmente aguarda sanção presidencial. Na oportunidade, Montezano falou sobre a atuação do BNDES durante o governo Jair Bolsonaro, enquanto agente inovador, empreendedor e indutor de novos mercados, trabalhando em estreita parceria com as agências reguladoras estatais e o setor privado. Este novo dinamismo do setor de infraestrutura no Brasil é consequência, na sua visão, de três elementos básicos: do compromisso do Estado com a disciplina fiscal, do bom ambiente regulatório e do bom portfólio de projetos já estruturado pelo Banco público.

O termo neoliberalização é empregado por Brenner, Peck e Theodore (2012) para caracterizar os processos de reestruturação regulatória, disciplinados pelo mercado, desencadeados no sistema capitalista internacional a partir dacrise do final dos anos 1960, e que adquirem nova atualidade após a crise de 2008. Tais processos resultam em grande medida da chamada globalização financeira (FRENKEL, 2001), processo inaugurado com o abandono pelos Estados Unidos do padrão monetário internacional acordado em Bretton Woods (padrão dólar-ouro) e a adoção do padrão dólar flexível, entre 1971 e 1973.

De acordo com Frenkel (2001), isto deu lugar a uma sequência de liberalizações e desregulamentações dos movimentos internacionais de capital e dos sistemas financeiros nacionais, que envolveu e envolve especialmente os países desenvolvidos. Porém, as maiores economias nacionais latino-americanas também passam a formar parte desta dinâmica desde seus primeiros tempos, convertendo-se em importantes receptores de capital na década de 1970 – como foi o caso do Brasil, inicialmente, seguido por México, Venezuela, Argentina e Chile.

Desde este período, mas sobretudo entre as décadas de 1980 e 1990, foram disseminadas novas reformasneoliberalizantes nos países da América Latina, fortemente apoiadas em processos de desestatização da economia – através de privatizações e concessões –, combinados com a abertura comercial, e de descentralização do Estado, por meio do estabelecimento de órgãos administrativos orientados à promoção de maior participação da sociedade civil e à diminuição da corrupção no seu interior (MELO, 2012). Estas reformas ensejaram um novo ciclo longo das economias latino-americanas, isto é, ensejaram um novopadrão de reprodução do capital (SOUZA, 2013).

Trata-se do padrão exportador de especialização produtiva, que substitui até a atualidade o padrão industrial que prevaleceu na região, com diversas etapas, desde os anos 1940, chegando até os anos 1970 nas principais economias regionais. O novo padrão surge do abandono da industrialização como projeto estratégico nacional, implicando a destruição significativa de indústrias ou seu reposicionamento no projeto geral de reprodução do capital. Apenas no caso de algumas economias de maior complexidade, como Brasil e México, permanece um segmento industrial relevante – embora muitas vezes integrado ou subordinado ao novo projeto estratégico exportador –, no qual os eixos exportadores são via de regra uma parcela industrial de grandes cadeias globais, comandadas por empresas transnacionais (OSORIO, 2012).

Do ponto de vista dos impactos destes processos sobre o sistema financeiro federal brasileiro, tem-se que a crise da dívida externa da década de 1980 não conduziu a crises bancárias graves, de modo que mesmo com a neoliberalização do ingresso dos bancos estrangeiros na década de 1990, os bancos privados nacionais puderam manter o controle do mercado. Ao mesmo tempo, os processos de neoliberalização econômica e redefinição do papel do Estado não implicou em privatização ou debilitamento do conjunto complexo e diversificado de instituições financeiras públicas federais. Nesta dinâmica, o BNDES se inscreve como banco de fomento orientado ao financiamento de capital fixo e de projetos de infraestrutura de alto custo, criado no bojo do esforço desenvolvimentista no início da década de 1950 (CARVALHO e TEPASSÊ, 2010).

Este viés de atuação do Banco, todavia, se esgota com o próprio esgotamento do modelo desenvolvimentista no Brasil, ao que se segue a adaptação da instituição ao modelo econômico neoliberal que é inaugurado pelo governo Collor de Mello, combinando privatizações com abertura comercial e financeira (COSTA et al., 2016). Assim, na contramão da visão de Montezano – a mesma que parece predominar no mercado –, argumentamos que o atual ciclo longo da infraestrutura no Brasil remonta ao contexto de ajustamento do país às transformações da economia internacional e nacional a partir do final dos anos 1970, assumindo contornos concretos apenas nos anos 2000, com a criação da iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

Este novo ciclo da infraestrutura foi impulsionado a partir do momento em que o arauto do neoliberalismo e do capitalismodependente brasileiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso, fala em globalização assimétrica e move o Estado para a recuperação do planejamento estratégico do desenvolvimento. Mais precisamente, o novo ciclo da infraestrutura remonta à instituição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no âmbito da retomada da política industrial no Brasil, e do fortalecimento da convenção neodesenvolvimentista, durante o governo Lula (2003-2010).

A novidade que se depreende do atual governo Bolsonaro, nesses termos, reside na emergência de uma nova onda neste ciclo longo da infraestrutura no Brasil, estimulada pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI) que foi instituído na gestão do presidente Michel Temer, após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff em 2016. Dita onda tem a sua institucionalidade fortalecida no governo Bolsonaro a partir de 2019, quando então o BNDES reorienta sua atuação para os processos de privatização e concessões no setor de infraestrutura. Ela substitui a onda anterior – surgida do ensaio neodesenvolvimentista realizado pelo Banco ao longo do governo Lula –, recuperando os aspectos de sua atuação nos anos 1990 que lhe renderam a alcunha de “banco das privatizações”.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-Novo-ciclo-longo-da-infraestrutura-o-BNDES-e-a-continuidade-da-neoliberalizacao-no-Brasil/4/50965

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