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A cidade que mata o futuro: em 2020, Altamira enfrenta um aumento avassalador de suicídios de adolescentes

Nos quatro primeiros meses do ano, o número de pessoas que tiraram a própria vida na cidade mais violenta da Amazônia já é quase o triplo da média anual do Brasil

ELIANE BRUM|CLARA GLOCK

Ela só lembra que gritou. Foi um grito que tomou conta de tudo, abarcou todo o movimento ao redor, fez com que as pessoas e as coisas em torno dela desaparecessem. E então tudo escureceu. Ela estava indo em direção ao corpo dilacerado do filho para abraçá-lo uma última vez. O adolescente de 17 anos enviara uma mensagem pedindo desculpas por tirar a própria vida, e ela, parentes e amigos corriam pelas ruas de Altamira para tentar impedi-lo. Um tempo sem tempo, como ela lembra, uma corrida contra um relógio desconhecido. E então um corpo fez seu voo vertical para o chão. O adolescente havia se atirado de uma torre construída dentro de uma escola. Quando gritou, a mãe sabia que tinha perdido. O urro de dor emergiu de dentro dela para dar conta da escuridão que desde 9 de fevereiro a acompanha.

Até este momento —27 de abril— nenhuma pessoa morreu por covid-19 em Altamira, no Pará. Mas, de janeiro até hoje, 15 pessoas se suicidaram, segundo o Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, da Secretaria de Segurança Pública do Governo do Estado do Pará: 9 deles eram jovens entre os 11 e os 19 anos, uma tinha 26 anos e os outros cinco variavam dos 32 aos 78 anos. A média no Brasil, segundo o DataSus, é de 6 suicídios a cada 100.000 habitantes. Altamira tem uma população estimada em 115.000. O número de mortes de 2020 coloca a cidade amazônica, em menos de quatro meses, com quase o triplo da média brasileira anual de suicídios —e já é igual ao total de 15 mortes autoinfligidas registradas no município durante o ano inteiro de 2019. Mesmo para um país que tem testemunhado o aumento do número de suicídios na juventude, as estatísticas de Altamira são alarmantes. Sem apoio do poder público, os movimentos sociais fazem um mutirão para impedir mais mortes. A pergunta que atravessa a população é: por quê? E por que agora?

O crescimento do número de suicídios de adolescentes é um fenômeno do Brasil dos últimos anos. Entre 2011 e 2018, houve um crescimento de 10% nas taxas de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no país. O maior aumento ocorreu entre 2016 e 2017, segundo o Perfil Epidemiológico divulgado em setembro de 2019 pelo Ministério da Saúde. Em todo o mundo, a morte por lesão autoinfligida ou autoprovocada intencionalmente, como o suicídio é chamado nas estatísticas, já se tornou a segunda causa de óbitos de jovens, perdendo apenas para acidentes de trânsito, como mostram os dados da Organização Mundial da Saúde.

As razões desse aumento estão sendo estudadas por profissionais da saúde mental. Ao investigar suicídios entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) constataram que, entre 2006 e 2015, a taxa de suicídio entre jovens de 15 a 19 anos aumentou 24% nas seis maiores cidades brasileiras: Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior do país cresceu 13%. O aumento contrasta com a evolução dos índices de suicídios no resto do mundo, que caíram 17% no mesmo período. Os pesquisadores concluíram que indicadores socioeconômicos, especialmente o desemprego e a desigualdade social, podem estar associados a esse aumento.

Em Altamira, conforme pesquisadores ouvidos pelo EL PAÍS, o salto de suicídios de 2020 indica um aumento avassalador. Como comparação, no município paulista de Santana do Parnaíba, que detectou uma evolução preocupante no número de suicídios de adolescentes, houve duas mortes neste ano, nenhuma delas nesta faixa etária. Em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, o suicídio de dois jovens na mesma semana, dentro de um shopping, ganhou o noticiário em março e provocou muito alarme na cidade. Com uma população sete vezes maior do que Altamira, Ribeirão Preto registrou cinco suicídios, de janeiro até hoje, de jovens com menos de 19 anos, contra nove mortes nesta faixa etária em Altamira. Ainda assim, também na cidade paulista os números apontam um aumento significativo, considerando que, em todo o ano de 2019, houve seis suicídios de adolescentes. Durante uma semana, EL PAÍS tentou obter os números de suicídios de outros municípios do Pará em 2020 junto ao Datasus, ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Saúde do Estado do Pará (SESPA). Com a justificativa de sobrecarga devido ao coronavírus, as estatísticas não foram fornecidas.

Em Altamira, a violência é cotidiana. Não por acaso o município paraense foi classificado como de “vulnerabilidade muito alta”, conforme o Relatório do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência de 2017 (que usou como base dados de 2015), desenvolvido pela Secretaria Nacional de Juventude em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o estudo, a vulnerabilidade à violência estaria ligada ao menor acesso à escola e ao mercado de trabalho, e à maior mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito. Altamira ostenta o segundo maior índice de vulnerabilidade, entre jovens de 15 a 29 anos, nos municípios brasileiros com mais de 100.000 habitantes. Como comparação, o Rio de Janeiro, cidade associada à violência extrema, está na 134ª posição.

 Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-04-27/a-cidade-que-mata-o-futuro-em-2020-altamira-enfrenta-um-aumento-avassalador-de-suicidios-de-adolescentes.html

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