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A nova disputa pelos mares do mundo

Trinta anos após o fim da Guerra Fria, domínio da US Navy já não é completo. China a Rússia avançam; Washington amplia exercícios de guerra. Surge cenário similar ao que gerou a longa “guerra hegemônica” que sacudiu o mundo entre 1914 e 1945

Por José Luís Fiori e William Nozaki

Quem tem o mar tem o comércio do mundo, tem a riqueza do mundo; e quem tem a riqueza do mundo tem o próprio mundo”

Sir Walter Raleigh (1552-1618), conselheiro econômico e militar da Rainha Elizabeth I, da Inglaterra1

Dois terços da superfície “terrestre” estão cobertos pela água dos mares; a maior parte dessas águas internacionais são “livres” e não obedecem a nenhum tipo de soberania que não seja a do “poder naval” das grandes potências marítimas de cada época e de cada região do mundo. Dois mil anos antes da “Era Comum”, foi o poder naval da Ilha de Creta que conquistou e submeteu o Mar Egeu à civilização cretense, da mesma forma que a marinha fenícia submeteu o Mar Mediterrâneo ao seu império comercial. E o mesmo aconteceu durante a Antiguidade Clássica, com o poder naval de Atenas e do Império Romano, e mais tarde, com o poder marítimo de Veneza, Gênova sobre as rotas comerciais do mesmo Mar Mediterrâneo, que se transformou no cenário da guerra secular entre o Império Otomano e o Império Habsburgo, que culminou com a Batalha de Lepanto, em 1571.

No entanto, todos esses casos e também na expansão marítima chinesa do século XV, não havia uma “autonomia logística” ou separação clara entre as frotas comerciais e os navios de guerra desses povos, impérios e civilizações. Tampouco havia no caso dos navios árabes que dominaram as rotas comerciais do Mar da Índia e do Sul da China, nos séculos XIV e XV. Tudo indica que foram os primeiros Estados nacionais europeus que acabaram desenvolvendo e aperfeiçoando navios preparados para a guerra naval, as famosas “canhoneiras” que abriram o caminho da dominação eurocêntrica dos mares do mundo, que começou com Portugal em 1415, e alcançou seu ápice com a dominação global da marinha dos EUA, depois de 1991, sobre todas as “água livres” dos cinco oceanos e de todos os mares estratégicos do mundo.

Por isso talvez tenham sido os europeus, e em particular os anglo-saxões, que formularam melhor a tese de que o poder naval era uma condição indispensável para a conquista do “poder internacional” por parte de qualquer Estado que se propusesse a se transformar em grande potência. Sir Walter Raleigh, (1533-1603), que também foi marinheiro, financista e pirata inglês, condensou esta ideia em poucas palavras, olhando para o Oceano Atlântico e afirmando que, “quem tem o mar… tem o próprio mundo”. Muito tempo depois, do outro lado do Atlântico, o almirante norte-americano Alfred Mahan – conselheiro do presidente Theodoro Roosevelt – ecoaria esta mesma tese ao propor que os Estados Unidos fortalecessem seu poder naval olhando para o Oceano Pacífico, como primeiro passo do projeto de construção de um poder global norte-americano. Na mesma linha, os grandes geopolíticos anglo-americanos, Halford Mackinder e Nicholas Spykman, contribuíram para este mesmo projeto, sublinhando a importância também do controle do Mar Báltico e do Mar Negro, e dos Golfos Pérsico e Arábico.

Depois das potências ibéricas, a supremacia do poder naval britânico se impôs em todo o mundo durante os séculos XVIII e XIX, e só foi superada pelo poder naval norte-americano na segunda metade do século XX. Assim mesmo, foi só depois do fim da Guerra Fria que a marinha dos EUA logrou estender seu controle monopólico sobre todas as “águas livres” do mundo. Foi o momento em que a Marinha Americana redefiniu seus próprios objetivos no novo contexto internacional, em dois documentos datados de 1992 e 19942, onde consta que “nossa estratégia mudou seu foco de uma ameaça global para um foco nos desafios e oportunidades regionais. No momento em que desapareceu a perspectiva de uma guerra global, entramos num período de enormes incertezas em regiões críticas para nossos interesses nacionais”.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/a-nova-disputa-pelos-mares-do-mundo/

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