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O legado de Oswald de Andrade, que virou domínio público

Especialistas avaliam trajetória e escritos do modernista morto há 70 anos, e destacam obras essenciais para conhecê-lo. Em fevereiro, gigante da literatura nacional ganha nova biografia.

Por: Edison Veiga | Crédito Foto: Arquivo Nacional. O escritor Oswald de Andrade foi uma das mentes por trás da Semana de Arte Moderna de 1922

“Este quadro é sensacional. É o homem plantado na terra”, disse Oswald de Andrade (1890-1954) tão logo ganhou, de aniversário, uma tela de Tarsila do Amaral (1886-1973), com quem era casado. Depois, com a ajuda de um dicionário de tupi, encontraram os termos “aba”, homem, e “poru”, que come.

Assim foi batizado aquele que se tornaria o mais importante quadro da história da arte brasileira, “Abaporu”. Esta história, contada por Tarsilinha, sobrinha-neta da artista, no livro Abaporu: Uma obra de amor, ilustra bem a ebulição intelectual de Oswald, uma das mentes criadoras por trás da Semana de Arte Moderna de 1922.

O poeta, escritor, ensaísta, dramaturgo e grande agitador cultural Oswald de Andrade terá sua obra em domínio público a partir de janeiro — pela legislação brasileira, que prevê o fim da incidência de direitos autorais a partir do ano seguinte ao 70º aniversário de morte do autor. Com isso, mais editoras devem republicá-lo e novos holofotes devem ser lançados sobre sua produção.

Será uma oportunidade para que o trabalho dele seja revisitado — muitas vezes sua vida, movimentada e cheia de amores, costuma ser mais destacada do que sua obra.

“[Ele] era um autor essencialmente confessional, que transfigurava a própria biografia em termos de ficção e poesia”, analisa o jornalista e biógrafo Lira Neto, que lança em fevereiro Oswald de Andrade: Mau Selvagem. “Impossível tentar compreender sua obra desligada de sua própria existência. E vice-versa.”

Vida “maior” que a obra?

O sociólogo e crítico Antonio Candido (1918-2017) dizia que a biografia de Oswald havia sido tão importante quanto sua obra. “Mas, na verdade, se conhece muito pouco de sua trajetória”, afirma Lira Neto. “Muito se comenta sobre a Semana de 22, que para mim é um episódio eventual, quase marginal, diante do turbilhão que foi a vida dele.”

Há os notórios romances, principalmente os casamentos com Tarsila e, depois, a escritora e militante comunista Pagu (1910-1962) — mas também mulheres como “Landa, Daisy, Pilar Ferrer, Julieta Barbara, Maria Antonieta d’Alkmin”, enumera o biógrafo.

“Quase não se fala do Oswald pensador, autor de teses originais e atualíssimas sobre a cultura. Quase não se fala do Oswald jornalista, agitador permanente. Quase não se fala do Oswald na intimidade, feroz e lírico, ateu e crente em Nossa Senhora, anjo romântico e incorrigível devasso”, completa.

Em sua biografia, Lira Neto promete não fazer julgamentos morais, apenas apresentar “o homem genial que foi Oswald, com todas as suas ambivalências: virtudes e vícios, qualidades e defeitos, acertos e erros”.

“O inconformismo intelectual e o espírito de rebelião fez com que, por vezes, Oswald tomasse atitudes impensadas e praticasse gestos de exacerbada violência contra amigos próximos. Incapaz de exercer a monogamia, ao mesmo tempo ciumento ao extremo, magoou a grande maioria das mulheres com quem viveu”, destaca.

Capa do livro "Mau Selvagem", biografia de Oswald de Andrade escrita por Lira Neto, estampa modernista com expressão séria e braços cruzados
Capa da nova biografia de Oswald de Andrade, que a Companhia das Letras lança em fevereiro de 2025. Foto: Compania das Letras

Para especialistas, essa conjunção entre vida e obra é que fez de Oswald um gigante da literatura nacional. “A vida dele foi também uma obra, teve plástica, estética, natureza artística”, diz o escritor e professor universitário Miguel Sanches Neto, reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). “Ele foi um homem-arte, como aqueles homens-sanduíches que carregam no corpo as mensagens. Ele foi um homem-reclame, um homem-sanduíche do modernismo.”

Autora do livro Semana de 22: Entre Vaias e Aplausos, a jornalista e escritora Marcia Camargos diz que Oswald “criou um personagem um pouco folclórico”, pela sua “figura cativante, meio histriônica, de um glutão, de alguém sem meias palavras”.

“Mas eu não acredito que isso seja maior do que sua própria obra e nem que abafe parte. Um está imbricado no outro e ele era realmente um artista, um escritor extremamente criativo”, avalia, frisando que ele respondia às questões de seu tempo “de forma genial”. “Não penso que sua personalidade tenha se imposto e obscurecido, feito sombra à sua obra.”

 

Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/agitador-e-genial-o-legado-de-oswald-de-andrade-que-entra-em-dom%C3%ADnio-p%C3%BAblico-em-2025/a-71087261

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