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A pobreza é uma escolha política

Um relator da ONU acaba de fazer uma crítica fulminante ao sistema internacional

Por Stephen McCloskey

O relator das Nações Unidas para a pobreza extrema e os direitos humanos, Philip Alston, acaba de lançar seu relatório final, uma crítica fulminante aos esforços internacionais para eliminar a pobreza, que ele descreve como resultado de “negligência de longa data” por “muitos governos, economistas e defensores dos direitos humanos”.

No centro de seu relatório estão as falhas institucionais do Banco Mundial em lidar com a escala da pobreza global, que o banco subestima, persistentemente, ao usar uma ferramenta de medição defeituosa de uma linha de pobreza internacional, ou LPI. A LPI, argumenta Alston, define o índice de pobreza em um nível muito baixo para sustentar uma vida digna, condizente com os direitos humanos básicos.

Com base na média das linhas nacionais de pobreza adotadas por alguns dos países mais pobres do mundo e calculadas usando a ‘paridade do poder de compra’ (ou PPP), a linha da pobreza é ridiculamente baixa, atingindo, por exemplo, apenas US$ 1,90 por dia nos Estados Unidos. E € 1.41 em Portugal. Mas, mesmo usando esse “padrão de vida incrivelmente baixo” como um barômetro da pobreza, o relatório identifica 700 milhões de pessoas que vivem com menos de 1,90 dólar por dia.

Criticando uma “imagem enganosamente positiva” que sustentou uma “década de triunfalismo equivocado”, Alston propõe abandonar a LPI por “um amplo painel de indicadores multidimensionais” que ofereçam uma imagem mais sutil e precisa da pobreza, nacional e internacionalmente.

Desempenho da China

O relatório aceita que “foram feitos grandes progressos na melhoria da vida de bilhões nos últimos dois séculos”, mas questiona a manchete do Banco Mundial de que a pobreza extrema caiu de 1,895 bilhão de pessoas em 1990 para 736 milhões em 2015. Esses números ocultam o desempenho excepcional da China, que colocou mais de 750 milhões acima da linha de pobreza do Banco naquele período.

O que distingue a China da maioria dos outros países do Sul global, argumenta o economista Jason Hickel, é que ela não foi submetida à ‘terapia de choque’ do Banco Mundial e aos Programas de Ajuste Estrutural (PAE) do FMI. Os PAEs eram ‘reformas’ neoliberais frequentemente associadas às condições de empréstimos do FMI a países pobres, incluindo a remoção de tarifas sobre importações, priorizando a produção para exportação, privatizando serviços e serviços públicos e removendo os controles de preços. “Em vez de ser forçado a adotar um modelo único para o capitalismo de mercado livre”, sugere Hickel, “a China se baseou em políticas de desenvolvimento lideradas pelo Estado e gradualmente liberalizou sua economia em seus próprios termos”.

A sustentabilidade do impressionante desempenho econômico da China tem sido questionada porque é impulsionada por uma economia de baixos salários e um setor de manufatura intensiva em recursos, que o tornou o maior emissor mundial de gases de efeito estufa. A desigualdade de renda na China permanece relativamente alta, com 373 milhões de chineses vivendo abaixo da linha de pobreza de renda média-alta de US$ 5,50 por dia. Para os Programas de Ajuste Estrutural do FMI, esta não é uma alternativa baseada em direitos, no entanto, a abordagem da China tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza.

De fato, Alston argumenta que, sem a “grande contribuição da China” para o desenvolvimento, o quadro de pobreza global “mal teria mudado”, questionando as “contas comemorativas” das realizações do Banco Mundial e outros. Hickel também sugere que “é falso … construir uma narrativa de redução da desigualdade que se apoie nos ganhos da China e a considere uma vitória da abordagem de Washington à globalização do livre mercado”. Ele argumenta que os PAEs foram projetados para estimular o crescimento e facilitar o pagamento da dívida, mas enfraqueceram a mão do Estado em termos de supervisão econômica e aprofundaram o ônus da dívida dos países pobres.

Hoje, 64 países do Sul global gastam mais em pagamentos de dívidas do que em saúde, algo que enfraqueceu sua capacidade de combater a pandemia de coronavírus. Esse problema é agravado pelo fato de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – uma iniciativa da ONU lançada com grande alarde em 2015 para “acabar com a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares” – também estão dando sinais de angústia.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Sociedade-e-Cultura/A-pobreza-e-uma-escolha-politica/52/48111

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