O presidente investe na divisão, enquanto fala de ‘nós’ e ‘deles’ e incentiva a violência. Não à toa, paira o temor de que não aceite a derrota
Por Robert Reich
Qual será a luta central das eleições americanas, em novembro? Nenhuma em particular. Nem mesmo a luta entre democratas e republicanos. Pois a luta central é em torno de Donald J Trump.
Antes de Trump, a maioria dos americanos não era especialmente apaixonada por política. Mas o modus operandi do atual presidente tem obrigado as pessoas a tomar partido fervorosamente – contra ou a favor de Trump. Que se considera presidente apenas daqueles que o apoiam, a quem se refere como “meu povo”.
Trump chegou ao poder sem nenhum projeto senão alimentar seu ego monstruoso. Ele nunca deu nada a sua base. Sua base lhe dá tudo. É a adoração dela que o sustenta.
Da mesma forma que a antipatia de seus detratores. Os presidentes, em geral, tentam apaziguar os seus críticos. Trump faz tudo para ofendê-los. “Eu provoco ira”, ele disse a Bob Woodward em 2016, sem constrangimento algum.
Assim, ele transformou os Estados Unidos em uma enorme projeção de seu próprio narcisismo patológico.
Toda a sua plataforma de reeleição apoia-se no uso dos pronomes “nós” e “eles”. “Nós”: as pessoas que o amam, a nação Trump. “Eles” o odeiam.
No fim de agosto, quase no fim de um discurso modorrento no jardim sul da Casa Branca, ao aceitar a indicação republicana, Trump improvisou: “O fato é que nós estamos aqui – e eles não”. Foi aplaudido de pé.
Em uma recente coletiva de imprensa na Casa Branca, um correspondente da CNN perguntou se Trump condenava o comportamento de seus apoiadores em Portland, Oregon. Ele revidou: “Os seus apoiadores, pois são realmente seus apoiadores, atiraram em um jovem”.
Aos olhos de Trump, a CNN faz parte de um país diferente: a Nação Anti-Trump.
Assim como os supostos desordeiros e saqueadores dos “Estados Unidos de Biden”. E os habitantes dos estados azuis, que tiveram deduções fiscais estaduais e locais cortadas por Trump. E como quem vive nas “cidades democratas”, como ele as chama, e cujo repasse de verbas ele está tentando cortar.
A Califórnia é uma parte importante da Nação Anti-Trump. Ele queria recusar o pedido de ajuda para combater os incêndios florestais no estado “porque estava furioso com a falta de apoio da população da Califórnia”, afirmou Miles Taylor, ex-chefe de gabinete do Departamento de Segurança Interna.
Nova York é a capital da Nação Anti-Trump, o que provavelmente contribuiu para que Trump “minimizasse” a ameaça do Covid-19 em março, quando sua virulência parecia quase toda dirigida àquela cidade. Mesmo hoje, Trump diz que a mortalidade por Covid-19 nos EUA seria baixa “se você tirasse os estados azuis”. Isso não é verdade, mas este não é o ponto. Para Trump, os estados azuis não contam porque são a Nação Anti-Trump.
Para Trump e seus principais auxiliares e apoiadores, as leis da Nação Trump o autorizam a fazer o que bem entender. As leis da Nação Anti-Trump lhe impõem limites, mas elas são ilegítimas porque são feitas e aplicadas por quem o rejeita.
Assim, o telefonema de Trump ao presidente da Ucrânia em busca de ajuda para a eleição (de 2016) foi “perfeito“. Foi bom a Rússia ter ficado ao seu lado na primeira eleição, e é bom que faça isso novamente. E, claro, o Departamento de Justiça, os correios e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças devem ajudá-lo a ganhar a reeleição. Todos eles estariam ajudando a Nação Trump.
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