Meu coração tropical está coberto de neve mas
Ferve em seu cofre gelado, a voz vibra e a mão escreve: Mar!
(Aldir Blanc)
Por José Trindade
Em 1920 num casebre da periferia da São Paulo, nascia um formidável pensador da dignidade brasileira. Florestan Fernandes nunca foi parte das elites ou classes de mando, sua história registra uma sina fantástica: um engraxate no terminal da Vila Euclides consegue vislumbrar a sociedade e se mantém permanente fiel ao mundo do trabalho e não se rende a qualquer hipocrisia. Afinal quem foi esse genial e revolucionário indivíduo do futuro que nos visitou.
Antes de tudo quero defender a tese de que temos sim viajantes do futuro e considero que este fantástico humano “Vicente” foi um desses viajantes. Bem provável que Florestan fosse um desses viajantes espaciais que se integrou a espécie humana para pensa-la e ajuda-la nessa longa trajetória do devir. Infelizmente boa parte desses homens do amanhã é cuspida pelos tristes homens do presente.
Um dos primeiros trabalhos de Florestan versava sobre o que será a condição permanente do Brasil, a ideia da marginalidade, aspecto central da evolução da nação e até mesmo da sua destruição histórica como agora colocado. Nosso autor expunha que o “marginal é um homem que se situa (…) na margem de duas culturas, sem pertencer a nenhuma delas”.[1]
Nosso “Gramsci” moreno já identificava no trabalho de 1959 que três aspectos marcavam essa sociedade dependente e de suprema desigualdade: “i) a instabilidade da sociedade de classes repousa nas incongruências existentes entre os fundamentos morais e a organização social da vida humana nela importante; ii) a desigualdade econômica, social e política impede a percepção, a explicação e a avaliação (…) da ordem social (…); iii) as reações de classe social obedecem a (…) conjuntura histórico –social”. Essa lógica e metodologia de ver o mundo possibilitaram a Florestan se tornar uma árvore de saber e construir um mundo interpretativo[2].
Florestan não pensava sólido, suas ideias eram gasosas. Como Marx, esse viajante dos tempos, concebia as dinâmicas sociais como parte evolutiva das contradições do capitalismo. Concebia o Brasil como parte dessa economia mundo capitalista. Em “a Ditadura em Questão”, livro publicado em 1982, nosso invencível intérprete desse Brasil permanentemente autoritário e classista, feroz antipovo proclama: ” Ainda aqui o cerco ditatorial reduz o campo de atuação contestadora (…) (o) combate a ditadura transcenda ao equacionamento ultraconservador e utópico da “democracia burguesa”‘.
Como pensar a ditadura civil-militar de 1964 sem estabelecer os componentes de subordinação a ordem do capitalismo mundial, naquele momento e hoje estadunidense. Florestan comungava com a percepção dos “radicais” da POLOP (Política Operária) de que o subdesenvolvimento não era uma situação de tempo, mas era uma condição do capitalismo: o desenvolvimento desigual.[3]
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Memoria/Florestan-Fernandes-Cem-anos-e-a-alma-do-Brasil/51/47441
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