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‘Foi no Brasil que me senti negro pela primeira vez’: como aprendi a manipular minha identidade

As reflexões de um sociólogo franco-congolês sobre o direito à ancestralidade e as formas de conhecer as origens por meio de um exame de DNA

Serge Katembera

DE ONDE VOCÊ É? Essa é a pergunta mais frequente que me fazem desde que cheguei ao Brasil em 2008. Da minha parte, a resposta a essa pergunta sempre foi negociada. Sou de vários lugares ao mesmo tempo, minha identidade é fragmentada e híbrida, embora não esteja marcada na minha pele.

Sou filho de um casal congolês que migrou para a França nos anos 1980 com sua filha pequena. Logo tiveram outros três filhos, todos nascidos na cidade de Bordeaux. Meus pais são originários do Kivu, província do leste do Congo, antigo Zaire e Congo Belga. Meu pai nasceu em Nyangezi, no Kivu do Sul; e minha mãe nasceu na ilha de Idjwi, no Kivu do Norte. A etnia do meu pai é Shi e da minha mãe é Havu. Sou capaz de fazer esse exercício genealógico até a geração dos meus avós de ambos os lados e isso me basta para determinar exatamente de onde venho.

Mas, olhando com certo distanciamento, penso que talvez nunca tenha me interessado em ir além dessas duas gerações, porque o acesso que tive da história dos meus ancestrais se deu pela tradição oral. Havia esse conhecimento dos locais de pertencimento, mas a comunicação das histórias dos meus antepassados se deu pela oralidade. E talvez isso tenha limitado meu interesse por conhecer algo anterior aos meus avós.

Meu avô materno, por exemplo, era um político relativamente importante no Congo. Ele tinha também uma espécie de autoridade tradicional na sua região natal. Nunca entendi muito bem esse aspecto da vida dele, que me parecia mais uma mística do que algo concreto. Quando se aposentou, decidiu voltar à ilha de Idjwi para descansar e terminar sua vida ali. Lembro perfeitamente dele se reunir comigo e com meus dois irmãos e escrever nossos nomes em seu testamento, no qual deixava parte de suas terras a cada um dos filhos e netos. Para ele, era importante que nós tivéssemos um vínculo com aquele lugar. Ele desejava que, mais tarde, um de nós construísse uma casa lá. Esse vínculo com a terra pode não significar muita coisa para a maioria das pessoas. Mas, para meu avô, representava nossa identidade também.

Paradoxalmente, minha trajetória de vida – e, sobretudo, minha trajetória intelectual – me vincula menos a essas regiões do que à França e ao Brasil. Muitas vezes, quando me perguntam de onde eu sou, costumo responder de maneira instintiva: “De João Pessoa.” Desenvolvi uma relação de pertencimento com essa cidade ao longo dos 12 anos em que vivo no Brasil. Me sinto mais em casa na Paraíba do que em qualquer outro lugar no mundo.

Saiba mais em: https://theintercept.com/2020/10/30/brasil-negro-pela-primeira-vez/

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