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Haverá indivíduo pós-neoliberal?

Um filósofo francês aposta que sim. Mas crê num “indivíduo aberto”, rompido com o egoísmo e próximo da simpatia: a capacidade que temos de enxergar a presença do outro em nós, e de nele nos projetar

Dany-Robert Dufour, entrevistado por Eduardo Febbro no Página/12 | Tradução: Simone Paz e Rôney Rodrigues | Imagem: Ernst Ludwig Kirchner

Alguns o consideram destruído; outros, prestes a despencar no abismo, em plena decadência, ou em risco de extinção. Outros analistas avaliam o oposto: que apesar de o liberalismo atravessar uma crise séria, seu modelo está longe, muito longe do fim. Para além das crises e de suas consequências profundas, o liberalismo continua em pé, produzindo seus insensatos lotes de benefícios e desigualdades, suas políticas de ajuste, sua inabalável impunidade. Porém, embora permaneça vivo, a crise escancarou como nunca antes os seus perversos mecanismos — e, acima de tudo, pôs os holofotes não mais no sistema econômico no qual é articulado, mas no tipo de indivíduo que o neoliberalismo acabou criando: hedonista, egoísta, consumista, frívolo, obcecado por objetos de consumo e pela imagem fashion que projeta. A trilogia da modernidade liberal é muito simples: produzir, consumir e enriquecer. Em seu último livro, O indivíduo que virá depois do liberalismo, o filósofo francês Dany-Robert Dufour traz uma questão pouco comum: como vai ser o indivíduo que surgirá após os cataclismos e intervenções globais do liberalismo?

O liberalismo, que se apresentava como o salvador da humanidade, acabou levando o ser humano a um caminho sem saída. O senhor projeta o seu fim e se pergunta que tipo de ser humano irá surgir após o ultraliberalismo.

No século passado, chegamos a conhecer dois grandes caminhos históricos sem saída: o nazismo e o stalinismo. De certa forma, entre aspas, depois da II Guerra Mundial nós fomos “libertados” desses caminhos sem saída pelo liberalismo. Mas essa libertação acabou se tornando uma nova alienação. Em seus formatos atuais, isto é, ultra e neoliberal, o liberalismo é plasmado como um novo totalitarismo porque pretende gerir o conjunto das relações sociais. Nada deve fugir à ditadura dos mercados, e isso faz do liberalismo um novo totalitarismo que descende dos dois anteriores. É um novo caminho histórico sem saída. O liberalismo fez com que o ser humano explodisse. O historiador húngaro Karl Polanyi, num livro publicado após a II Guerra Mundial, demonstrou como antes a economia era incluída numa série de relações: sociais, políticas, culturais, etc. Mas, com a irrupção do liberalismo, a economia emergiu desse círculo de relações para se tornar a entidade que procuraria dominar todas as outras. Dessa forma, todas as economias humanas foram enquadradas na lei liberal, ou seja, na lei do lucro, onde tudo deve ser rentável — incluindo atividades que, antes, não existiam sob o mandato da lucratividade.

Por exemplo, neste exato momento, você e eu estamos conversando, mas não procuramos o lucro, e sim a produção de sentido. Neste instante, estamos numa economia discursiva. Mas, hoje em dia, até a economia discursiva é sujeita ao “quem ganha mais”. Todas as economias humanas existem sob a mesma lógica: a economia psíquica, a economia simbólica, a economia política… por isso, o afundamento da política. O político só existe para acompanhar o econômico. A crise que a Europa atravessa demonstra que, à medida em que a crise se aprofunda, a política delega a gestão para as mãos da economia. A política renunciou perante a economia, e esta tomou o poder. Os circuitos econômico-financeiros assumiram a política. A crise é, portanto, geral.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/havera-individuo-pos-neoliberal/

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