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O Movimento das Tecnologias Não Alinhadas contra o colonialismo de dados

As Big Techs estrangeiras têm acumulado fortunas ao coletar e comercializar dados dos usuários nas redes. No Brasil, as privatizações de alguns serviços estatais estão reforçando esta nova forma de exploração colonial. Mas, como outro mundo digital é possível, um movimento global está se organizando para resistir e manter a internet livre.

Por Joyce Souza e Ulises Ali Mejias

Oano de 2020 ainda não acabou, mas já é possível afirmar que este ano o Brasil caminha para uma aceleração sem precedentes da coleta de dados. Nem mesmo a crise humanitária e sanitária que o país enfrenta com a pandemia da Covid-19 foi capaz de frear as fortes e constantes investidas do governo federal para transformar o país em uma colônia de dados, eliminando todo e qualquer conhecimento acumulado em décadas em políticas públicas na área de ciência e tecnologia, nas pesquisas desenvolvidas nas Universidades de todo o país e no trabalho de pesquisadores, ativistas, hackers, makers para a consolidação de uma autonomia nacional digital. 

Em janeiro de 2020, o presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou dois decretos, com a diferença de uma semana entre eles, incluindo a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (DataPrev) e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) no Programa Nacional de Desestatização (PND).   

Ambas as estatais concentram dados pessoais, que permitem a identificação precisa de milhões de brasileiros, como Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), Carteira de Habilitação Digital, endereços, entre inúmeros outros. Privatizar e permitir que empresas tenham acessos a essas informações é tão crítico que, recentemente, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou no estudo “A Caminho da Era Digital no Brasil” um parecer com ressalvas sobre essas privatizações e o papel crítico do acesso privado aos dados dos cidadãos brasileiros.

O processo de privatização dessas duas empresas ainda está em andamento e não se sabe como ocorrerá e qual ou quais corporações terão acessos a essa gama gigantesca de dados dos brasileiros. 

Contudo, o problema não acaba por aí. Há outras privatizações e contratações de plataformas privadas anunciadas ou já efetuadas em 2020 pelo governo federal. Uma delas é a parceria, anunciada em maio deste ano, entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTIC) e a empresa norte-americana Cisco com o objetivo de acelerar a transformação digital do Brasil e “ajudar o país a se preparar para uma nova era de hiperconectividade e economia digital, além de apoiá-lo na recuperação social e econômica, à medida que o Brasil entrar em uma nova realidade pós-pandemia”, com foco em “áreas de educação, saúde, segurança cibernética, agronegócio, segurança pública, energia e manufatura, a partir de parcerias com o setor público, indústria e academia”. Em outras palavras, a Cisco, por meio desse acordo, passará a ter não só acesso como armazenamento dos dados e registros produzidos em todas essas áreas. 

Ainda se tratando do acesso de corporações norte-americanas aos dados produzidos no Brasil, o desmonte de softwares livres e de licenças não proprietárias no governo federal avança desde 2016 e ultimamente tem se aprofundado. De acordo com um estudo que consta numa consulta pública, aberta em outubro deste ano pelo ministério da Economia, a Controladoria Geral da União (CGU) indicou que mais da metade, de um universo de 141 órgãos públicos, utilizam o sistema operacional da Microsoft (Windows 7).

Os ganhos das Big Techs

Orelatório intitulado “Digital Economy Report 2019”, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), aponta que as plataformas digitais estão adotando práticas de otimização tributária que evitam o pagamento de impostos. É neste sentido que surgiram negociações no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para criar um novo regime tributário global para plataformas digitais que, no entanto, não avançaram devido às ameaças de retaliação tarifária por parte dos Estados Unidos, conforme observou Juan Ortiz Freuler

 Para além da questão tributária, o relatório da UNCTAD apresenta preocupações crescentes relacionadas à privacidade e segurança, democracia e ética, bem como o risco de vigilância massiva e de colonialismo digital praticados pelas plataformas, em especial, porque, segundo o estudo, os Estados Unidos e a China detêm 90% do valor de capitalização de mercado das 70 maiores plataformas digitais, ao passo que as setes maiores, a saber, Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet (detentora da Google), Facebook, Tencent/WeChat e AliBaba, possuem dois terços desse mercado. 

Ainda de acordo com o relatório, a China e os Estados Unidos lideram todos os avanços digitais e juntos representam “75% de todas as patentes relacionadas às tecnologias de blockchain, 50% dos gastos globais na Internet das Coisas (loT) e mais de 75% do mercado mundial de computação em nuvem”.

O relatório mostra, ainda, que o modelo de negócios dessas plataformas concentra-se em coleta de dados. Os dados não têm valor econômico até serem coletados, processados e empacotados em forma de “produtos”, que serão vendidos a compradores que buscam atingir um público-alvo específico para a venda de seus produtos ou serviços. Com o indivíduo já categorizado, através do mapeamento que a plataforma fez do seu perfil, o comprador consegue melhor modular suas estratégias para atingi-lo mais rapidamente.  

 Neste cenário, a Google domina 90% do mercado de busca na internet, a Amazon um terço da atividade de varejo online e de infraestrutura de serviços de internet, o Facebook domina 66% do mercado global de mídia social e o WeChat (com 1 bilhão de usuários ativos) e a Aliplay dominam 100% do mercado de soluções de pagamento móvel do mundo.  

As plataformas criadas por essas gigantes da tecnologia produzem um ambiente social voltado para o capital, isto é, uma forma de sociabilidade que está pronta para converter nossas vidas em fontes de renda por meio dos dados, o que sugere uma nova forma de exploração, apropriação e dinâmicas de discriminação e desigualdade, que é denominada de colonialismo de dados.

Saiba mais em:https://jacobin.com.br/2020/12/o-movimento-das-tecnologias-nao-alinhadas-contra-o-colonialismo-de-dados/

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