Por Luiz Marques |Créditos da foto: (Jan Vasek/Pixabay)
Em 2002, o padre Pedrinho Guareschi (PUC/RS) traduziu para o português a obra que conquistou a láurea cobiçada na Europa, na área de Ciências Sociais, o Prêmio Amalfi, conferido antes a intelectuais como Serge Moscovici, Richard Sennet, Zygmunt Bauman e Norberto Elias. Pedrinho é conhecido pelo trabalho acadêmico sobre as relações entre ética e mídia, no Brasil. John B. Thompson, é o laureado autor do Reino Unido que ganhou uma edição pela Editora Vozes: O Escândalo Político: Poder e Visibilidade na Era da Mídia.
Eis a chave para compreender por que não geraram comoção as reportagens sobre o Pandora Papers (2021), que revelaram as contas em offshores dos expoentes da desastrosa Economia, Paulo Guedes, e do autonomizado Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Haver declarado os procedimentos à Receita Federal (RF) não exime-os de penalidades. O Código de Conduta da Alta Administração Pública proibe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras na órbita da especulação e do rentismo, que possam ser afetadas pelas políticas governamentais. Sim, a ideia era tirar as raposas do galinheiro.
Para agravar as suspeitas, o artigo da nova cobrança do Imposto de Renda que taxava os lucros de empresas controladas por brasileiros, em paraísos fiscais, foi retirado do Projeto de Lei encaminhado à Câmara dos Deputados. Reputava, ainda, como ganho de capital passível de taxação, os dividendos com a variação do dólar na prestação de contas ao Fisco. O Chicago Old foi beneficiário direto do conveniente eclipse, no parecer do gentil relator que recém trocou de pele, do PSDB para o PSL. O projeto fora idealizado pela RF em consonância com a luta travada, nos hemisférios Norte e Sul, para fisgar os sonegadores que escondem tesouros nas paradisíacas ilhas sem lei, nas quais os fracos não têm vez.
A comprometedora investigação assemelhou-se à realizada pelo LuxLeaks (2014), pelo Panamá Papers (2016), com dados da Sociedade de Advogados panamenha, a quarta maior na hierarquização do jornal britânico The Guardian, e pelo Paradise Papers (2017). No grosso imbróglio, apareceram empresários, políticos, jogadores de futebol, animadores de programas de TV e, para não dizer que não falamos em flores, os probos irmãos Marinho.
As denúncias decorreram do esforço coletivo do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), que analisou doze milhões de arquivos confidenciais por dois anos em mais de cem países, com a colaboração de centenas de profissionais para a conferência dos dados. As informações são fruto das descobertas desentranhadas pelo jornalismo independente. O modus operandi para a ocultação de patrimônio não sofreu alterações, nos escândalos que não viraram escândalos. Por que a mídia não lhes deu visibilidade? Por que calou-se, fazendo caras de paisagem morta?
O silêncio hipócrita dos culpados
Para o insuspeito colunista do UOL, Marco Antônio Villa, a revelação sobre a imoralidade antirrepublicana encerra conflitos de interesses que justificariam a exoneração imediata dos responsáveis. Todavia, o historiador conhecido pelas posições conservadoras avalia que a bombástica notícia logo sairá de pauta: “A poeira vai baixando com os dias e, na semana que vem, ninguém mais se interessa pelo assunto. Esse é um problema sério no país, esquecer os escândalos.” Ninguém, quer dizer os vultosos patrocinadores dos veículos comunicacionais (bancos, planos privados de saúde) com idêntica pertença de classe social a dos denunciados. A burguesia não gosta de ver seus infames segredos no espelho público.
Em especial, nos casos em que os fatos vindos à tona estampam a “hipocrisia dos salões”, despida pela crítica rousseauniana em priscas eras. A diferença é que, agora, as acusações vêm embasadas nos números em lugar dos comentários filosóficos sobre os rituais de aparência nos costumes. Os medias não puderam impedir a publicidade inicial. Não obstante, podem empurrar o apurado para debaixo do tapete, como em outros carnavais. Não espanta, os donos da opinião também têm dinheiro além-fronteiras. Para detalhes, acessar a entrevista do repórter de Economia, Luís Nassif na Focus Brasil (18/10/2021).
“Em nenhum – repito, em nenhum – jornal se viu manchete de capa com menção a Paulo Guedes e muito menos uma foto dele. Os pesos e as medidas são antípodas, ao incriminar um agente público de esquerda”, comparou um parlamentar do PT. Pudera, os progressistas assistem à repetição do filme persecutório desde que as circunstâncias conduziram o “pai dos pobres” (Getúlio Vargas) ao desfecho trágico. Apenas trocaram os atores no teatro manipulado pela mídia facciosa (Juscelino Kubitschek, João Goulart, Lula da Silva). A criatividade midiática na solapa de lideranças autênticas nunca ultrapassou o limite das falsas convicções. Já, aos comparsas de dogmas neoliberais pegos com a mão na botija (red-handed), nem com o estrepitoso cabedal de provas os malfeitos servem às condenações.
A sonegação fiscal é uma prática ilegal autoindulgente das elites econômicas, no capitalismo. No Brasil, calcula-se em R$ 400 bilhões ao ano a evasão de divisas. Evidentemente, as classes dominantes nativas optam pelas desigualdades sociais e regionais, o desemprego, o achatamento salarial, a precarização dos serviços públicos, o abandono da ciência, da pesquisa e das universidades – ao invés de cumprir com as obrigações tributárias. Carregam no recôndito d’alma o discurso anarcocapitalista “contra todos os impostos”, disfarçado sob uma cortina de fumaça com proposições de “simplificação”, a rigor, mais regressivas. No fundo e no raso, ambicionam aumentar seus privilégios. A utilização egóica da “desobediência civil”, o conceito formulado por Henry Thoreau para iniciativas individuais avessas às leis do Estado, escancara o perfil predatório das camadas dirigentes que não têm compromissos com o país, sequer empatia com o povo. Que vão para Miami.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FOffshores-o-separatismo-dos-gra-finos%2F4%2F51899
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