Estudo aponta: uma reforma tributária solidária, que taxe grande fortunas e acabe com a desoneração à megaempresas, geraria justiça fiscal – e uma receita anual de R$ 270 bilhões ao país, que poderia ser usada para a Renda Básica…
Por Maria Regina Paiva Duarte, do Instituto de Justiça Fiscal
Entre todas as incertezas trazidas pela pandemia do Covid-19, uma certeza, ao menos, emergiu com força no cenário brasileiro: o aumento da pobreza. Não que isso já não estivesse acontecendo, a precarização e a perda de empregos e postos de trabalho, a diminuição da renda, o aumento da miséria. Mas, no momento, a crise econômica e a sanitária estão causando efeitos ainda mais devastadores em nossa população mais vulnerável.
Assim, é urgente mitigar os efeitos perversos destas crises e distribuir renda, literalmente entregar renda às pessoas mais atingidas e mais necessitadas. Como fazer essa distribuição de renda? Teria chegado, finalmente, a hora de escutar de verdade Eduardo Suplicy em sua luta de décadas por uma renda cidadã?
Na pandemia, a renda básica emergencial é mandatória. Ficar em casa, sim, quem pode; ficar sem renda, não. A sobrevivência exige um mínimo de renda, especialmente agora, com toda a emergência que decorre da crise. No entanto, se pensarmos bem, em emergência já se encontram 6 milhões de pessoas vivem em casas sem banheiro, 11 milhões que moram em domicílios com mais de três pessoas por dormitório, 53 milhões que não dispõem de rede coletora de água e 76 milhões que ganha abaixo de R$ 534,00, só para citar alguns exemplos.[1]
Portanto, é preciso pensar em uma distribuição de renda de forma mais duradoura. Há iniciativas louváveis e fundamentadas neste sentido. Segundo estudo publicado pelo Cedeplar-UFMG (Centro de Desenvolvimento e Planeamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais), estender a renda básica emergencial até o final do ano de 2020, além de atenuar os impactos nas famílias mais vulneráveis, geraria impactos positivos na economia e evitaria o aprofundamento da recessão e da depressão econômica.[2]
A questão que surge, então, é como financiar esse pagamento da renda básica. Uma das formas é o governo gastar mais, aumentando a dívida com a colocação de títulos no mercado ou emitindo moeda. Contrário ao equivocado senso comum de que “acabou o dinheiro”, o governo pode e deve gastar nesse momento, endividando-se e emitindo moeda, e socorrer as famílias. Mas existe uma outra forma de financiar esses gastos, que é a tributação das grandes fortunas, dos altos rendimentos, da grande propriedade e não se deve esperar o fim da pandemia para tornar viável, ainda que em parte.
Apesar das reações contrárias que afirmam que tributar os muito ricos não compensa, que os valores serão muito abaixo do desejado, ou que é difícil e complicado de cobrar, que estaremos tributando duplamente o patrimônio, vez que a renda já foi tributada, que o dinheiro vai embora do Brasil e outras tantas falácias, é possível, sim, tributar os que estão no andar de cima.
Segundo a Revista Forbes, em 2012 tínhamos 74 bilionários com patrimônio declarado de R$ 346 bilhões; em 2019, eram 206 que detinham mais de R$ 1,2 trilhão[3]. Um pouco mais de duas centenas de pessoas têm o que muitos milhares de brasileiros não conseguiriam ter nem vivendo muitas vidas. Se estes bilionários forem tributados conforme sua capacidade de contribuir, certamente haverá deslocamento substancial de recursos para políticas públicas de redução de desigualdade. E certamente eles não carregarão suas mansões, iates e fazendas nas costas para escapar da tributação.
O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) poderia ser uma fonte de recursos para combater essa crise e também uma forma de corrigir a regressividade tributária histórica em nosso país, praticamente não enfrentada até agora. Afinal, se fosse tributada a renda de forma mais justa, a acumulação e a riqueza seriam menores.
Uma das propostas discutidas atualmente para implementação do IGF, apresentada pelo Instituto Justiça Fiscal, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e o coletivo Auditores Fiscais pela Democracia[4] e que vem na esteira do projeto da Reforma Tributária Solidária[5], prevê a incidência de alíquotas progressivas de 1%, 2%, 3% incidindo sobre as faixas de patrimônios acima de 10, 20 e 50 milhões de reais, respectivamente.
De acordo com os dados publicados pela Receita Federal, referentes às declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas de 2018, somente 0,2% dos contribuintes (60 mil pessoas) declararam bens e direitos maior do que R$ 10 milhões. Estimativa conservadora aponta que, aplicado o IGF apenas sobre a riqueza que ultrapassar esse limite, seria possível arrecadar aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano.
Outra medida que pode gerar recursos e contribuir para reduzir a injustiça tributária é modificar as faixas de alíquotas da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), introduzindo alíquotas de 35%, 40% e 45% para rendas superiores a 40, 80 e 100 salários mínimos mensais e aumentar o limite inferior de isenção de 2 para 3 salários mínimos mensais, desonerando mais de 10 milhões de contribuintes.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/o-que-o-brasil-perde-por-medo-de-tributar-os-ricos/
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