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Produzir pragas, uma das essências do capitalismo

Agronegócio voraz, favelização das cidades e saúde fragilizada proliferaram novos vírus entre espécies. Mas epidemias são mais um dos meios do sistema sobreviver — às custa do sacrifício humano. Foi assim com as gripes “espanhola”, aviária e suína…

Por Coletivo Chuang

A produção de pragas

O vírus por trás da epidemia atual (SARS-CoV-2) foi, como o antecessor de 2003 SARS-CoV, bem como a gripe aviária e gripe suína antes dele, gestado no nexo entre a economia e a epidemiologia. Não é por acaso que muitos desses vírus assumiram o nome de animais: a disseminação de novas doenças para a população humana acontece através da chamada transferência zoonótica, que é uma maneira técnica de dizer que essas infecções saltam dos animais para os humanos. Esse salto de uma espécie para outra é condicionado por questões como proximidade e regularidade do contato, que constroem o ambiente em que a doença é forçada a evoluir. Quando essa interface entre humanos e animais muda, também mudam as condições nas quais essas doenças evoluem.

Para além das quatro fornalhas, então, encontra-se uma fornalha mais fundamental subjacente aos centros industriais do mundo: a panela de pressão evolutiva criada pela agricultura e urbanização capitalistas. Isso fornece o meio ideal através do qual pragas cada vez mais devastadoras nascem, transformam-se, são induzidas a saltos zoonóticos e, em seguida, agressivamente vetorizadas através da população humana. A isso se soma processos igualmente intensivos que ocorrem nas margens da economia, onde cepas “selvagens” são encontradas por pessoas pressionadas a incursões agroeconômicas cada vez mais extensivas sobre os ecossistemas locais. O coronavírus mais recente, em suas origens “selvagens” e sua súbita disseminação por um núcleo fortemente industrializado e urbanizado da economia global, representa as duas dimensões da nossa nova era de pragas político-econômicas.

A ideia básica aqui é desenvolvida mais minuciosamente por biólogos como Rob Wallace, cujo livro de 2016 Big Farms Make Big Flu aponta largamente para a conexão entre o agronegócio capitalista e a etiologia de epidemias recentes que variam da SARS ao Ebola12. Essas epidemias podem ser fracamente agrupadas em duas categorias, a primeira originada no núcleo da produção agroeconômica e a segunda nas fronteiras agrícolas. Ao traçar a disseminação do H5N1, também conhecido como gripe aviária, ele resume vários fatores-chave geográficos para aquelas epidemias que se originam no núcleo produtivo:

As paisagens rurais de muitos dos países mais pobres são agora caracterizadas pelo agronegócio desregulamentado pressionado contra as favelas periurbanas. A transmissão descontrolada em áreas vulneráveis aumenta a variação genética com a qual o H5N1 pode evoluir características específicas para a infecção em humanos. Ao se espalhar por três continentes, o H5N1, em rápida evolução, também entra em contato com uma variedade crescente de ambientes socioecológicos, incluindo combinações localmente específicas dos tipos de hospedeiros prevalecentes, modos de criação de aves e medidas de saúde animal13.

É claro que essa expansão é impulsionada pelos circuitos globais de mercadorias e pelas migrações regulares de trabalho que definem a geografia econômica capitalista. O resultado é “um tipo de seleção demoníaca crescente”, através da qual o vírus apresenta um número maior de caminhos evolutivos em um tempo mais curto, permitindo que as variantes mais bem-adaptadas superem as demais.

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