A KKK deve ser entendida não apenas como uma organização supremacista branca, mas como uma organização patronal que resistiu violentamente às conquistas emancipatórias da Guerra Civil e procurou manter as massas trabalhadoras negras submissas.
Por Chad Pearson / Tradução: Marco Túlio / Crédito de fotos: (Archive Photos / Getty Images)
AGuerra Civil revolucionou as relações de trabalho no sul dos Estados Unidos. Pessoas escravizadas fugiram das plantações, pegaram em armas contra seus brutais exploradores e forjaram novos horizontes políticos. O futuro parecia promissor.
Para os proprietários de plantações, no entanto, essa transformação foi um pesadelo – os trabalhadores que mantiveram em cativeiro realizaram uma “greve geral,” como W. E. B. Du Bois lembrou, deixando-os financeiramente vulneráveis e intensamente agitados. Este grupo racista e revanchista não se limitou a lamentar as suas derrotas — eles se organizaram.
Ao longo dos anos da Reconstrução, a maior parte da classe dominante dos donos de plantação sulistas resistiu ferozmente ao florescimento da liberdade entre os pretos. Leis restritivas, as políticas pró-latifundiários de plantações do presidente Andrew Johnson, motins racistas em Memphis e Nova Orleans, e, acima de tudo, o terrorismo generalizado da Ku Klux Klan demonstraram brutalmente os limites da emancipação. Liderada pelos ex-proprietários de escravos, a Klan usou várias formas de violência para impedir que os negros votassem ou frequentassem escolas, intimidar “carpetbaggers” [oportunistas, aventureiros] do norte e assegurar, de acordo com um documento sem data da Klan, que pessoas libertas “continuassem no seu trabalho apropriado.”
Ramos da Klan, distribuídos desigualmente em muitas partes do sul do país, prometeram abordar os problemas trabalhistas mais prementes dos donos de plantações. Depois de aprender sobre a organização, Nathan Bedford Forrest – ex-comerciante de escravos, líder do massacre na batalha de Fort Pillow em 1864, e o primeiro Grand Wizard [líder] da Klan — expressou sua aprovação acerca dos segredos, atividades e objetivos da organização: “Isso é uma coisa boa; isso é uma coisa muito boa. Podemos usar isso para manter os negros no lugar deles.”
Não foi uma tarefa fácil “mante-los em seu lugar” — os negros abandonavam avidamente as fazendas e plantações, causando uma escassez generalizada de força de trabalho. Alfred Richardson, um negro da Geórgia, observou que os donos de plantações permaneceram profundamente frustrados porque eram incapazes “de fazer a colheita.” No entanto, a KKK provou ser um dos melhores instrumentos para os patrões no sul imporem violentamente sua vontade.
Os problemas trabalhistas dos donos da plantações
Durante décadas, os historiadores debateram a melhor forma de caracterizar a KKK, uma organização terrorista supremacista branca criada por veteranos confederados que surgiu pela primeira vez em Pulaski, Tennessee, em 1866, antes de se espalhar pelo sul dos EUA. Centenas de milhares de latifundiários passaram a fazer parte, embora obter um número exato de membros efetivos é praticamente impossível devido ao hiper-sigilo da organização.
No entanto, muitas informações são conhecidas: os membros da Klan eram intimamente ligados ao Partido Democrata e usaram a violência — chicoteamentos, enforcamentos, afogamentos, violência sexual, campanhas de expulsão – contra negros “insubordinados” e republicanos de todas as cores. Membros da Klan usavam também formas de repressão “mais leves”, incluindo a queima de livros e denúncias de professores vindos do norte do país. Às vezes eles se mobilizavam para impedir que os negros tivessem acesso à educação formal. De acordo com Z. B. Hargrove, da Geórgia, os membros da Klan ocasionalmente chicoteavam pessoas libertas “por parecerem inteligentes.”
O racismo unia os membros brancos da Klan independentemente das diferenças de classe, mas nem todos tinham o mesmo papel na organização. A liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações, advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados do sul e com uma tendência a queda da posição social.
Esses homens estavam enfurecidos com a sua posição econômica em declínio e a ascensão de homens negros em posições com poder político. O líder da Klan na Carolina do Norte, Randolph Abbott Shotwell, reclamou que homens negros recém-empoderados ajudaram o governo federal a derrubar “os direitos dos mestres” e a “prejudicar” uma grande proporção dos “melhores e mais hábeis homens da raça naturalmente dominada.”
Elites ressentidas como Shotwell e Forrest estavam determinadas a restabelecer o seu poder. Evidências abundantes sugerem que a Klan da era da Reconstrução funcionava como uma associação de patrões com objetivos que, de alguma forma, se assemelhavam aos objetivos de outras organizações empresariais anti-sindicato.
Os líderes da Klan exigiam que as massas negras desempenhassem apenas uma função: trabalhar de formas cansativas e brutalmente intensas que se assemelhavam à vida nas plantações pré-Guerra Civil. A organização buscava impedir que os negros abandonassem os locais de trabalho, participassem de reuniões políticas, fossem atrás de educação formal, tivessem acesso a armas de fogo ou participassem de organizações destinadas a desafiar seus exploradores. Como um observador da Geórgia disse a um comitê de investigação do Congresso em 1871, “eu acho que seu propósito é controlar o governo do Estado e controlar o trabalho dos negros, o mesmo que eles faziam sob a escravidão”.
A liderança da Klan consistia principalmente de proprietários de plantações, advogados, editores de jornais e proprietários de lojas — os mais prejudicados pela transformação radical da economia e das relações de trabalho nos Estados do sul e com uma tendência a queda da posição social.
Enquanto os membros da Klan insistiam que as massas negras gastassem todas as suas horas de vigília plantando e colhendo, muitos se recusaram a acreditar que esses mesmos trabalhadores mereciam os benefícios financeiros de seus esforços. De acordo com Relatório de 1871 do Tennessee, frequentemente “o empregador cria alguma desculpa e falha com o trabalhador, que é forçado a deixar sua colheita e abandonar seu salário pelo terror da Ku Klux Klan, que, em todos os casos, simpatiza com os empregadores brancos”. Esse casos assemelhavam-se mais à escravidão do que o sistema de trabalho livre prometido pela emancipação.
A Klan como uma associação de patrões
Poucos estudiosos rotulam a Klan como uma associação de patrões e a maioria dos historiadores ignoram a Reconstrução no sul dos EUA. O importante livro de Clarence Bonnett em 1922, Associações patronais nos Estados Unidos: um estudo de associações típicas [Employers’ Associations in the United States: A Study of Typical Associations], não cita a Klan, se focando exclusivamente nas organizações do final do século XIX no norte do país que buscavam conter o crescentemente e rebelde movimento sindical.
No entanto, a definição de Bonnett é flexível, permitindo-nos aplicá-la às ações das organizações milicianas da Reconstrução: “Uma associação de empregadores é um grupo que é composto ou fomentado pelos empregadores e que promove o interesse dos empregadores em questões trabalhistas. O grupo é, portanto, ou (1) uma organização formal ou informal dos empregadores, ou (2) uma coleção de indivíduos cujo agrupamento é fomentado pelos empregadores.”
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/08/a-ku-klux-klan-era-uma-associacao-patronal/
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