Clipping

A ostentação através dos séculos

Comparando os jovens ricos do Instagram com as pinturas à óleo das elites europeias de séculos passados.

Por Adam Stoneman | Tradução: Everton Lourenço

Aostentação (ou o “consumo conspícuo”) – a exibição de riquezas como uma expressão de poder econômico – não é um fenômeno novo, mas é possível argumentar que ela nunca foi tão fácil de ser praticada. As redes sociais ajudaram a normalizá-la, fornecendo um quadro de individualismo competitivo e de empreendedorismo do ego no qual a experiência de riqueza precisa ser documentada e compartilhada online. Diante do deleite de emoção com uma boa compra, o primeiro instinto é compartilhá-la com seus amigos e seguidores online.

Na linha de frente desse desfile de riquezas está uma nova classe – os filhos e filhas do 1% no topo, que adotaram para si a missão de exibir as fortunas de seus pais no Instagram e no Snapchat. Suas fotos posteriormente têm sido selecionadas e divulgadas em blogs populares, como Rich Kids of Instagram (“Jovens Ricos no Instagram”) e Private School Snapchats (“Snapchats de Escola Particular”).

Em 2012, uma série de reportagens na mídia apresentou – com uma mistura de indignação e inveja – uma vitrine dos piores excessos de ostentação de riqueza e, nos anos seguintes, o casamento entre consumo conspícuo e redes sociais só floresceu, gerando até versões regionais como Rich Kids of Tehran (“Jovens Ricos de Teerã”).

Relógios Rolex, jatos particulares, iates, sapatos Louboutin, carros esportivos de luxo, cartões de crédito exclusivos, bolsas de grife, recibos de comandas com milhares de dólares gastos em champanhe – esses são os significantes culturais dos filhos dos “indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto” mundo à fora.

As imagens são sabidamente grosseiras e descaradas; capturadas pelas câmeras dos celulares, geralmente são compostas de maneira apressada, fazendo uso de filtros predefinidos do Instagram antes de serem carregadas e compartilhadas nas redes sociais com uma sequência de hashtags previsíveis como #YOLO (“You Only Live Once” ou “Só Se Vive Uma Vez”), #blessed (“#Abençoado”) ou #donthateappreciate (“#NãoOdeieAprecie”) .

Embora o meio de transmissão das imagens seja uma novidade, as imagens e as relações sociais que elas representam fazem lembrar representações de riqueza anteriores, em particular a pintura a óleo popular entre as elites europeias durante os séculos XVII e XVIII.

Essas pinturas a óleo foram produzidas em um período marcado pela consolidação da burguesia mercantil, uma classe emergente que se beneficiava da expansão das rotas comerciais com as colônias. Essa foi a época do “Grand Tour”, quando os filhos dos nobres do norte da Europa realizavam uma jornada pela França e pela Itália em busca da antiguidade e das origens da cultura européia – e em seu caminho encontravam arte, música e comida, e desfrutavam de ocasionais surtos de orgias sexuais e de embriaguez selvagem. Essas viagens podiam durar alguns anos e frequentemente dependiam de recursos aparentemente ilimitados enviados por suas famílias.

Como as fotos compartilhadas no Instagram, as pinturas a óleo desse período chamam a atenção para o prestígio e status dos sujeitos retratados – e ilustram o papel da representação na afirmação e no reforço dos privilégios sociais.

Em “Ways of Seeing” (“Formas de Se Ver”), uma inovadora série da BBC de 1972 que mais tarde se tornou um livro, o crítico de arte e escritor inglês John Berger desafiou a pretensão de neutralidade no cânone de arte ocidental ao apontar as funções ideológicas dessas imagens. Ele argumentava que todas as imagens, desde as pinturas dos antigos mestres até os outdoors de propaganda, podiam ser entendidas em termos de seu significado social e político. A grande contribuição de Berger não foi nos mostrar como ler imagens políticas, mas sim como ler imagens politicamente.

Os breves comentários a seguir, que reúnem uma seleção de pares de exemplares de imagens de duas espécies distintas (pinturas a óleo europeias de 1650 a 1750 e fotos do Instagram de 2012 a 14), baseiam-se nas sacadas de Berger. Um trabalho mais de análise visual do que de história da arte, as comparações conectam uma cultura do presente com outra do passado – tanto para entender melhor as seleções em si, quanto para compreender o mundo desesperadamente desigual que as produziu.


Oquadro O Senhor e a Senhora Andrews, de Thomas Gainsborough (que ilustra o topo deste artigo) é um retrato icônico da pequena nobreza da Inglaterra do século XVIII. A pintura celebra o casamento entre Robert Andrews de Auberies e Frances Carter da Casa de Ballingdon. Sua união, arranjada por seus pais, combinou duas propriedades familiares adjacentes em Sudbury, Suffolk.

A pintura retrata o poder da perspectiva e a perspectiva do poder – Andrews é o senhor de tudo o que avista. É um exemplo da “peça de conversa ao ar livre”, um retrato de um grupo em um cenário de paisagem. A paisagem de Essex domina a imagem. Feixes de trigo recém-colhido estão empilhados no primeiro plano, enquanto no fundo, cercados separados de ovelhas e de vacas sinalizam as técnicas agrícolas progressistas pelas quais Andrews era conhecido.

Sua camisa desabotoada e sua inclinação casual no banco de madeira rococó da moda da época poderiam ter sido tirados dos livros de etiqueta que aconselhavam os cavalheiros sobre como parecer “à vontade”. Seu olhar é confiante e possessivo. A Sra. Andrews, ela própria nascida de uma rica família do setor têxtil de origem huguenote, está sentada usando um chapéu rústico no estilo pastor, enquanto seus delicados pés em sandálias de cetim rosa confirmam sua posição social.

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Foto por @carlosestini (2013)

A riqueza novamente está se tornando cada vez mais concentrada nos mais altos escalões da sociedade. Em seu livro Capital no Século XXI, Thomas Piketty afirma que o período de relativa igualdade econômica desfrutado no Ocidente nas poucas décadas após a Segunda Guerra Mundial (o Estado de Bem-Estar Social da Social-Democracia) foi uma anomalia histórica improvável de se repetir. Uma vez mais, a herança está se tornando a principal rota para os escalões superiores no Ocidente, e estamos retornando aos níveis de desigualdade da época do Sr. e da Sra. Andrews.

O jovem casal de braços dados na foto acima é Carlo Sestini Branca e sua meia-irmã, Oona Ortmans. Seu tio, o Conde Branca, é um nobre italiano que chefia a famosa destilaria da família em Milão. Atrás do casal está um campo verde em St Tropez, mas o objeto sendo exibido é o helicóptero particular, e não a terra no qual ele está pousado. Este, junto do jato particular, é o seu meio de transporte preferido, que os carrega da propriedade no interior ao bar de coquetéis, da cobertura à ilha particular.

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Jovem Bebendo, quadro de Bartolomé Esteban Murillo (1700–1750)

O casal sorri para a câmera, suas roupas confortáveis e casuais – falando sobre uma cultura mais informal do que o Sr. Andrews jamais poderia ter imaginado – nos dizem que eles têm lugares para ir: afinal, obedientemente à postos ao lado do helicóptero ao fundo está o piloto, esperando para levá-los dali.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/06/a-ostentacao-atraves-dos-seculos/

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