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“As táticas da revolução” segundo Rosa Luxemburgo

Neste artigo de 1906, publicado pela primeira vez em português, a revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo se baseou na revolução em curso no Império Russo para explicar como o poder da classe trabalhadora pode derrubar a ordem capitalista.

Por Rosa Luxemburg / Tradução Coletivo Leia Marxistas

Este artigo, que aparece pela primeira vez traduzido em inglesa e português graças a revista Jacobin, foi publicado originalmente na edição de 23 de março de 1906 de Czerwony Sztandar (Bandeira Vermelha), a publicação do partido de Rosa Luxemburgo, a Social Democracia do Reino da Polônia e Lituânia.

Neste período, “Social Democracia”, como Luxemburgo usou o termo, referia-se ao marxismo revolucionário, e este artigo foi elaborado enquanto ela participava diretamente da Revolução de 1905 na Polônia ocupada pela Rússia. O artigo faz parte de uma série de escritos nos quais Luxemburgo procurou generalizar as lições dessa revolução para outras revoluções que viriam.

Este texto é apenas uma das várias dúzias de peças publicadas em inglês pela primeira vez no quarto volume de The Complete Works of Rosa Luxemburg (Os Trabalhos Completos de Rosa Luxemburgo). Ele foi traduzido do polonês por Joseph Muller.

— Peter Hudis


Ao considerar como educar a Social Democracia sobre as atividades eleitorais da burguesia neste país [Polônia], deparamo-nos com a questão geral das táticas proletárias para a presente temporada. O curso e o resultado da luta revolucionária dependem, em grande parte, de quão conscientemente a classe trabalhadora faz a guerra, e de quão bem ela percebe a natureza, as condições e o propósito de suas táticas.

Ou seja, é importante que as fileiras de frente que lideram a luta tomem plena consciência da diferença nas táticas do proletariado entre os tempos de paz e os tempos de revolução. A ignorância desta diferença pode explicar porque se ouve certas declarações repetidas em alguns círculos social-democratas, como em uma parte de nosso partido irmão na Rússia [ou seja, dividido entre bolcheviques e mencheviques].

Tais declarações incluem a afirmação de que atrasar os partidos burgueses enquanto se preparam e tentam realizar as eleições para a Duma do czar é adotar táticas “não social-democratas” – que tais táticas são uma espécie de “terror” que as massas trabalhadoras não entendem. Se este fosse o caso, a única razão seria que as massas trabalhadoras ainda não entendem suficientemente o que é revolução e como ela coloca certas obrigações no proletariado em luta.

As táticas da Social Democracia são sempre revolucionárias, tanto em sua essência quanto em seu significado. Isto surge do objetivo final, o próprio programa da Social Democracia, que ilumina o caminho para cada passo da luta. O objetivo é um completo golpe social – a completa derrubada do atual sistema capitalista e o estabelecimento de uma ordem totalmente nova, uma ordem socialista. E este é o caminho para a tomada do poder político pela classe trabalhadora – ou seja, o caminho para a ditadura do proletariado.

Com isto em mente, a típica reunião popular na Alemanha, na qual os trabalhadores ouvem calmamente os oradores, enquanto tomam um copo de cerveja, para se conscientizarem dos objetivos e do programa da Social Democracia, é um ato não menos revolucionário do que a última revolta coletiva em Moscou. As táticas da Social Democracia, ou seja, as formas que sua luta diária toma, são sempre de natureza revolucionária na medida em que aspiram conscientemente a realizar o programa do partido, já que o próprio programa da Social Democracia é revolucionário.

Entretanto, no que diz respeito à forma, os modos proletários de luta devem ser e são diferentes em tempos de revolução e em tempos de paz. Certamente, esta diferença não consiste em haver “surras e sangue correndo nas ruas” durante a revolução, enquanto os tempos de paz veem formas marcadamente mais “civilizadas” de luta de classes, como pensam a burguesia e a polícia. A diferença é muito mais profunda. 

Tanto em tempos de paz quanto em períodos de sublevação revolucionária, a essência das táticas social-democratas se constitui na luta de classes do proletariado. Mas em tempos de paz, esta luta se dá no âmbito do domínio político da burguesia. Em cada caso, as leis existentes em um país determinam limites e formas à luta dos trabalhadores. Assim, por exemplo, na Alemanha, quando a classe trabalhadora agita e trava uma luta política, ela deve permanecer dentro dos limites das leis existentes que regem as eleições, a assembléia e a imprensa; em sua luta econômica, ela deve se ater às leis existentes que regem coalizões como os sindicatos; e assim por diante.

Ela deve fazê-lo mesmo que todas as leis, regulamentos e restrições que impõem certas limitações e formas vindas de cima à classe trabalhadora  e que constroem muros em torno de sua atividade sejam obra dos parlamentos burgueses, frutos dos esforços legislativos nos quais a burguesia tem maioria, e efeitos das leis aplicadas, sem exceção, de modo a manter o domínio político da burguesia. Voltando ao exemplo da Alemanha, a Social Democracia está reconhecidamente lutando incansavelmente para ampliar as leis eleitorais, as leis sindicais, etc., em benefício do proletariado, além de fazer uso dos direitos políticos já existentes, mas mais uma vez, não coloca esta oposição ao controle político da burguesia através de meios que não estão basicamente de acordo com as leis já existentes.

Desta forma, a “legalidade burguesa” – ou seja, a lei que cuida do poder burguês – forma uma espécie de gaiola de ferro na qual a luta de classes do proletariado deve ocorrer. É por isso que o resultado da luta em tempos de paz consiste principalmente em acumular consciência e organizar o proletariado; a luta em tempos de paz só muito raramente pode alcançar resultados positivos na ordem de novos ganhos e direitos políticos. A Social Democracia alemã, por exemplo, conseguiu reunir mais de três milhões de homens adultos em torno de sua bandeira, mas nenhuma dessas forças está em condições de avançar na legislação de proteção ou de coalizão, já que o parlamento e o governo estão atualmente, como sempre, nas mãos da burguesia. Sob o czar, antes da revolução, a jaula “legal” em torno da luta proletária era o reino onipotente da “lei do czar” – ou seja, o chicote.

Tempos de revolução deixam a gaiola da “legalidade” aberta como vapor reprimido que rompe sua chaleira, permitindo que a luta de classes se desabroche, nua e livre. Claro que, econômica e socialmente, a burguesia ainda reina durante a revolução, como antes, já que os meios de produção permanecem em suas mãos e toda a vida pública ainda gira em torno dela. Política e juridicamente, porém, o domínio da autoridade governamental até aquele momento – o absolutismo – é destruído, e a luta do proletariado pode manifestar todo o seu poder.

A revolução pode parecer um choque entre a força física bruta do poder governante e o povo rebelde. Na realidade, enquanto o poder físico do proletariado revolucionário é apenas um resultado e expressão de sua consciência política, esta consciência e poder político emergem durante a revolução sem terem sido deformados, amarrados e dominados pelas “leis” da sociedade burguesa. O poder de classe do proletariado choca-se com o poder das autoridades e das classes dirigentes, e os interesses do proletariado, com os interesses dos opressores. O confronto é simples e direto, livre de muros e limites de “legalidade” para bloqueá-lo.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/04/as-taticas-da-revolucao-segundo-rosa-luxemburgo/

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