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Brasil: regressão que devia nos encher de vergonha

Relatório mundial de direitos humanos reconstitui as ações de retrocesso civilizatório promovidas pelo governo Bolsonaro em 2020

Por César Locatelli

No dilúvio de informações destes tempos, tendemos a esquecer ou deixar de unir fatos para uma avaliação mais apurada. Ao listar atos contrários aos direitos humanos em cada país, o Relatório Global de Direitos Humanos de 2021 da Human Rights Watch tem o mérito de registro histórico, mas principalmente de possibilitar a análise do conjunto do que ocorreu no ano.

Embora o relatório não seja sobre a atuação de governos, mas especialmente sobre violações de direitos humanos no país, o atual presidente brasileiro é mencionado nominalmente em 19 ocasiões, nesta edição referente aos fatos de 2020.

As violações aos direitos humanos atribuídas a ele vão do boicote a medidas para conter a Covid-19 à ameaça de socar um jornalista; do enfraquecimento das leis ambientais à responsabilização de indígenas e pequenos agricultores pelos incêndios na Amazônia; dos elogios à ditadura à demissão de funcionários que advogavam pela manutenção dos serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia.

No entanto, muito além de refrescar nossas mentes, o conjunto permite perceber que várias medidas e vetos presidenciais foram bloqueados, ora no Judiciário, ora no Legislativo. Podemos dizer, desse modo, que os mesmos que o mantêm no cargo limitam alguns dos excessos de sua caneta presidencial. Não limitam todos os excessos, obviamente, só aqueles que dão muito na vista.

A impressão é que a sabotagem a medidas de contenção do surto, que levou a mais de 206 mil mortos, não constitui motivo suficiente para impedi-lo. O lema dos outros poderes parece ser “vamos tocando, cortando no varejo, aqui e ali”.

Segue nossa tradução do capítulo referente ao Brasil do Relatório Global de Direitos Humanos de 2021, com eventos de 2020, da organização não-governamental Human Rights Watch.

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Brasil

O presidente Jair Bolsonaro tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter a disseminação da Covid-19, mas o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e os governadores mantiveram as políticas para proteger os brasileiros da doença.

A administração de Bolsonaro enfraqueceu a aplicação da lei ambiental, efetivamente dando luz verde às redes criminosas que se engajam no desmatamento ilegal na Amazônia e usam a intimidação e a violência contra os defensores da floresta.

O presidente Bolsonaro acusou os indígenas e organizações não governamentais (ONGs), sem qualquer prova, de serem os responsáveis pela destruição da floresta. Ele também assediou jornalistas.

Em 2019, a polícia matou 6.357 pessoas, um dos maiores índices de homicídios cometidos por policiais no mundo. Quase 80 por cento das vítimas eram negras. Os assassinatos por policiais aumentaram 6 por cento no primeiro semestre de 2020.

Covid-19

O presidente Bolsonaro minimizou a Covid-19, que ele chamou de “uma pequena gripe”; recusou-se a tomar medidas para proteger a si mesmo e às pessoas ao seu redor; disseminou informações enganosas; e tentou impedir os estados de impor regras de distanciamento social. Sua administração tentou ocultar os dados da Covid-19 do público. Ele demitiu seu ministro da saúde por defender as recomendações da Organização Mundial da Saúde, e o ministro da saúde substituto pediu demissão em oposição à defesa do presidente de um medicamento não comprovado para tratar Covid-19.

O Brasil tinha 5,4 milhões de casos confirmados de Covid-19 e 158.969 mortes em 29 de outubro. Os negros brasileiros tinham maior probabilidade do que outros grupos raciais de apresentar sintomas consistentes com Covid-19 e maior probabilidade de morrer no hospital. Entre outros fatores, os especialistas atribuíram a disparidade a taxas mais altas de emprego informal entre os negros, impedindo muitos de trabalhar em casa, e à maior prevalência de doenças preexistentes.

O acesso precário aos cuidados de saúde e a prevalência de doenças respiratórias ou outras doenças crônicas tornaram os indígenas particularmente vulneráveis a complicações provocadas pela Covid-19. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, uma ONG, registrou 38.124 casos e 866 mortes de indígenas no Brasil até 29 de outubro.

Saiba mais em:https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Brasil-regressao-que-devia-nos-encher-de-vergonha/5/49678

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